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No meio do caminho tinha um poema

Foto: Leila Fugii
Foto: Leila Fugii

No meio do caminho tinha um poema

Intervenções que cultivam poesia no ambiente urbano contribuem para uma metrópole mais humana

Em uma faixa de pedestres na região central de São Paulo, um grupo com megafones declama poemas curtos para os passantes. No metrô, um coletivo de poetas pede licença para distribuir seus versos sem pedir nada em troca. Em postes e muros, espalham-se lambe-lambes com pequenas narrativas poéticas. Em diferentes regiões da cidade, ganham adeptos os saraus e as batalhas de poesia falada, ou slams. É do asfalto e do concreto, em meio ao cotidiano urbano, que a poesia tem florescido na metrópole.

“A cidade grande pode ser opressora. A gente tenta quebrar esse cotidiano para que de repente a pessoa olhe de maneira diferente para o ambiente ao redor”, explica Paulo D’Auria, integrante do coletivo Poetas do Tietê, que há cinco anos realiza as intervenções Poesia na Faixa, em faixas de pedestres pela cidade. “A poesia está cada vez mais próxima das pessoas, e os mais de 100 saraus existentes hoje em São Paulo mostram isso. O poeta não depende mais do mercado editorial. É possível ir para a rua e ver o resultado do trabalho na hora. Tem gente que gosta, tem gente que torce o nariz, mas a maioria aprova.”

O poeta Caco Pontes observa que a poesia é um universo vasto, complexo e necessário para a vida urbana. “As manifestações poéticas em que pessoas comuns têm a possibilidade de se ver refletidas e acessar sem receio são muito potentes. A rua é um espaço permanentemente vivo, ensina muito de sobrevivência, me trouxe a poesia e a partir dela apresentei a poesia para muita gente, de forma cíclica”, ressalta. “Nos últimos 15 anos, há um maior alcance e difusão por meio dos saraus, editoras e selos independentes, o que pode ser bastante positivo, desde que não se perca de vista o essencial, a busca pela experimentação da linguagem, a inquietação criativa, o questionamento, a ousadia estética e política.”


Contato Direto

Essa poesia tem aparecido de diversas formas: seja em iniciativas do poder público, como no Poesia no Metrô, que desde 2009 leva poemas a diversas linhas do metrô paulistano, seja em intervenções independentes, como nos lambe-lambes com poemas curtos colados em muros, postes e outros espaços da cidade.

Criadora de um projeto chamado Microrroteiros da Cidade, Laura Guimarães começou a colar seus lambes pelas ruas da capital em 2010, ao lado de faixas de pedestres, faixas de ônibus e locais de trânsito. “A poesia toca as pessoas de uma forma que não tem muita explicação, traz à tona sentimentos que a gente não estava esperando”, comenta Laura. “São Paulo é uma cidade muito dura e a poesia pode quebrar esse cotidiano de celular, ônibus cheio, trânsito. De repente, a gente pode se ver sentindo algo inesperado.”

Outras manifestações que têm se expandido são os saraus, que acontecem em diferentes regiões da cidade e ganharam força principalmente na periferia, onde alguns já se tornaram tradicionais, como o Cooperifa, realizado há 15 anos na Zona Sul. Além dos saraus, os slams também têm conquistado adeptos. Em 2012, havia apenas dois slams em São Paulo: o Zap (Zona Autônoma da Palavra) e o Slam da Guilhermina. Hoje, já passam de 15, que realizam campeonatos entre si e enviam representantes a competições internacionais.

“Por tratar de muitos assuntos da atualidade, como LGBTfobia, machismo e racismo, essa poesia gera um interesse muito grande. Quem frequenta muda o entendimento sobre a poesia, percebe que ela pode falar do cotidiano”, analisa Emerson Alcalde, criador do Slam da Guilhermina, que reúne 20 poetas competidores e público de 150 a 200 pessoas a cada edição realizada ao lado da Estação do Metrô Guilhermina-Esperança, na Zona Leste de São Paulo. “Muitas pessoas estão passando pelo terminal e param para ver. É uma praça que era ociosa e agora é ocupada com poesia.”

Outra vantagem dessa poesia atrelada ao ambiente urbano, segundo Emerson, é a possibilidade de avaliação mais imediata. “Você tem a chance de ver o que funciona ou não. A gente escreve, fala, observa a reação e vê o que chega mais nas pessoas. Uma poesia em livro não dá esse retorno assim imediato”, compara. “É uma volta às origens, porque a poesia nasceu falada. Na Grécia, já era declamada em público.”


Ferramenta de Transformação

Além de aproximar o público da poesia, encontros como saraus e slams também formam poetas. Foi o caso de Mel Duarte, organizadora do Slam das Minas e integrante do coletivo Poetas Ambulantes, que declama e distribui poesia no transporte público. “Quando comecei, não entendia que pessoas que vinham da periferia poderiam escrever e fazer parte desse universo, até conhecer a literatura marginal, periférica. Essa linguagem aproxima e nos mantém mais conectados, por serem vivências e experiências mais próximas”, diz.

Mel também nota uma estreita relação entre poesia e cidadania: “Todos esses movimentos têm ajudado muito a geração mais nova a ter mais discernimento em relação a várias questões sociais e políticas. Acredito completamente na poesia como ferramenta de transformação social. Oficinas de poesia em escolas públicas, presídios e unidades da Fundação Casa têm mostrado o quanto esse tipo de mensagem pode ser transformadora”.

Para Caco Fontes, a apropriação da poesia e sua expansão para as margens da cidade refletem uma tomada de posição. “A grande conquista é poder ver pessoas das periferias ganhando autoestima, desconstruindo valores morais, discutindo pautas que refletem o tempo que vivemos, muitas vezes cruzando arte e pensamento com sagacidade, destreza, colaborando na abertura de uma nova consciência”, avalia. Para ele, uma das características dessa forma de expressão é estar na vanguarda. “A poesia sempre veio na frente, com sua esfera visionária. Trata-se de viver o sonho, em vez de viver sonhando”, completa.

 

Confira a galeria de fotos:
Revista E Sesc São Paulo - Matéria Principal dezembro/2016


 



 


Na boca do povo
 

SARAU NA MARGEM | Sesc Pinheiros
Oferece um momento para que poetas, artistas e anônimos se encontrem para bate-papos, leituras, intervenções e improvisos sobre fluxos da atualidade, como intolerâncias e potencialidades. Verificar programação da unidade para próximas datas.

 

SARAU DO VALE | Sesc São José dos Campos
Realizado na última terça-feira de cada mês, é um ponto de encontro e de livre expressão, com a participação do público e convidados.

 

SARAU DO BINHO
Referência na região do Campo Limpo, na Zona Sul de São Paulo, tem como proposta o compartilhamento e o diálogo da arte, poesia e rimas livres.

 

SARAU OESTE | Sesc Osasco
Saraus mensais, com participação de escritores, compositores e mediadores de cidades da região oeste. Verificar programação da unidade para próximas datas.

 

SARAU DA COOPERIFA
Um dos mais tradicionais da cidade, transforma um bar no Jardim Guarujá, na Zona Sul, em centro cultural, toda quarta-feira. Há também edições realizadas em outros locais, como algumas já feitas em unidades do Sesc.

 

SLAM DA PONTA
Batalha de poesia falada que acontece toda primeira sexta-feira de cada mês no Instituto Reação Arte e Cultura, localizado na Cohab 2, em Itaquera.

 

SARAUS NO ABC: A ARTE DO REENCONTRO | Sesc Santo André
Apresentações que integram literatura, música e artes visuais. No dia 7/12, às 19h30, ocorre o sarau In Cantaria, com apresentações musicais e leituras de poemas do poeta Rafael Gombez. No dia 10/12, às 14h, ocorre bate-papo com José Miguel Wisnik.

 

SLAM DA GUILHERMINA
Batalha de poesias faladas realizada toda última sexta-feira de cada mês ao lado da estação de Metrô Guilhermina-Esperança, na Vila Guilhermina.

 

SLAM DAS MINAS SP
É realizado todo terceiro domingo do mês, em um local diferente da cidade. Como parte da final da etapa paulista para definição da representante feminina no Slam-BR, a final da competição acontece no dia 2 de dezembro, às 19h, no Sesc Pinheiros.

 

SLAM DO CORPO
É o primeiro no Brasil com surdos e ouvintes juntos, com tradução simultânea em Libras. Como parte da Semana Inclusiva, o Sesc Osasco recebe o slam no dia 3 de dezembro.

 

SLAM DO 13
Batalha de poesia falada com edição mensal realizada na plataforma do Terminal Santo Amaro (Metrô Largo Treze), toda última segunda-feira do mês.

 

ZAP! SLAM
Primeira noite de Poetry Slam (campeonato de poesia) do Brasil. Acontece toda segunda quinta-feira do mês, de forma itinerante.

 


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