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O cinema sem regras
Paulo Henrique Fontenelle sempre foi fissurado por cinema e sabia, desde sua adolescência, que era com isto que queria trabalhar. Diante do cenário cinematográfico difícil, com a extinção da Embrafilmes, durante o governo Collor, optou por estudar Rádio e TV, depois Jornalismo, chegando ao Cinema somente na fase da retomada, em 1995. Trabalhou como assistente de montagem em filmes como OLÉ! e Beline e a Esfinge, aprendeu sobre direção e produção e principalmente como fazer filmes com pouco dinheiro. Foi editor e diretor de programas de TV e DVDs musicais. Em 2006, escreveu e dirigiu o curta-metragem Mauro Shampoo, que recebeu mais de 20 prêmios no Brasil e no exterior. Foi premiado também em seu primeiro longa-metragem Loki - Arnaldo Baptista, a biografia de um dos integrantes fundadores da banda Mutantes, e seguiu na direção documental com Dossiê Jango, sobre a morte do presidente João Goulart, e Cássia, que conta a história de uma das mais importantes representantes do rock brasileiro, Cássia Eller.
Como foi a escolha pela linguagem documental em seus trabalhos?
Na verdade foi meio por acaso. Em 2004, eu queria fazer um filme de ficção, mas estava sem dinheiro. Conversei sobre isso com meu amigo Leonardo Cunha Lima e juntos decidimos que, se fizéssemos um documentário, teria de ser dentro do orçamento. Faríamos então um curta documentário, mas com uma historia que, de tão surreal, parecesse ficção. Daí surgiu Mauro Shampoo - Jogador Cabelereiro e Homem que contava a historia do atacante do Ibis Sport Club que entrou pro Guiness Book como o pior time de futebol do mundo. O filme acabou ganhando mais de 20 festivais e logo depois eu já estava fazendo o Loki, que também contava uma historia totalmente cinematográfica que daria um ótimo filme de ficção.
Como você avalia o espaço do documentário na TV e no cinema brasileiro?
Fico feliz em ver que todo o preconceito que existia com o documentário brasileiro é coisa do passado. Hoje em dia o gênero vem ganhando cada vez mais público e sendo produzido cada vez com mais qualidade por pessoas com visões e estilos diferentes. Ainda existe o problema da distribuição e da permanência dos filmes nas salas de cinema. Mesmo assim, ele tem conseguido alcançar um número cada vez maior de pessoas seja na TV, nos VODs (Videos on demand) ou nas plataformas digitais. Isso é certamente um grande estímulo para a produção.
As plataformas digitais podem contribuir para a divulgação dos documentários?
Acho que o melhor lugar para se ver um filme sempre será numa sala de cinema, mas na impossibilidade disso, sem dúvida alguma, as plataformas digitais têm sido um espaço excelente de exibição e divulgação dos documentários. Isso é ótimo não somente para o cineasta que quer divulgar seu filme como para os amantes do cinema que agora têm a possibilidade de conhecer obras dos mais diversos estilos e nacionalidades, que no passado jamais teríamos acesso. Eu, como produtor e diretor, ainda não tenho nenhum projeto exclusivamente pensado para plataformas digitais, mas fico empolgado com a possibilidade.
Como você escolhe os temas para seus trabalhos?
Eu gosto de temas que estimulem a reflexão e a emoção do espectador. Para mim, não existe sensação melhor do que assistir a um filme que te acompanha para além da sala de cinema, que gere discussões, pensamentos e inspirações. É pensando nisso que eu busco os temas.
“Para mim, não existe sensação melhor do que assistir a
um filme que te acompanha para além da sala de cinema,
que gere discussões, pensamentos e inspirações.”
O que o fez mergulhar no universo de músicos, como Arnaldo Baptista e Cássia Eller, e levar suas biografias para o cinema?
Foram casos diferentes. O Loki surgiu a partir de uma entrevista que fiz com o Arnaldo para um programa de televisão. Quando conheci o artista, fiquei fascinado com a sua personalidade e com sua historia de vida. Fiquei impressionado como uma pessoa daquela importância na nossa cultura vivia em quase completo esquecimento. Era uma história que merecia ser contada. Já Cássia foi meu terceiro filme e partiu da minha curiosidade de conhecer um pouco sobre aquela cantora que emocionou tanta gente, mas que era completamente desconhecida fora de sua persona no palco. Essa dualidade entre a roqueira selvagem e a menina tímida me encantava. Mas ambos os filmes vão além de seus personagens e de suas obras para abrir discussões como preconceito, amor e a necessidade de valorização de nossos artistas e de nossa cultura.
Como se dá a construção de um filme sobre um músico? Qual a premissa utilizada, o ponto de partida?
Cada filme tem a sua particularidade. No caso do Loki o ponto de partida veio da ideia do Arnaldo pintar um quadro sobre sua vida. No da Cássia, veio através de cartas que ela deixou, além de suas músicas. O ponto de partida é sempre tentar fazer com que o espectador consiga enxergar o mundo através dos olhos do artista biografado.
É possível fugir da narrativa cronológica em uma cinebiografia?
A melhor coisa do cinema é que não existem regras. Cada filme pode ser feito de várias maneiras e vários olhares diferentes. A cronologia muitas vezes ajuda o espectador a entender melhor a história, mas não é e nem deve ser uma obrigatoriedade.
Quais as são semelhanças e diferenças ao biografar um personagem vivo e um que já morreu?
São experiências bem diferentes. Por exemplo, enquanto produzia o documentário Loki, fui conhecendo o Arnaldo através do convívio com ele, das conversas e entrevistas que fiz. Já no caso do filme sobre a Cássia Eller, tive que ir desvendando sua personalidade através daquilo que ela deixou, através de entrevistas, cartas e músicas e também das histórias que os outros contavam sobre ela. Foi muito mais difícil e desafiador.
Em 13 de julho é comemorado o Dia Mundial do Rock. Como o rock é retratado no cinema e na TV?
Eu, como amante incondicional do rock, estou sempre atento e querendo consumir todo tipo de filme sobre o tema. O cinema tem sido muito feliz em retratá-lo. Temos grandes documentários e cinebiografias sendo produzidas todo ano. Assisti recentemente às biografias da cantora Amy Winehouse e do Brian Wilson, fundador da banda americana The Beach Boys. Gostei muito de ambas e estou doido para assistir ao documentário sobre o Oasis que está sendo produzido. Mas, pra mim, os filmes dos Beatles ainda continuam imbatíveis. Eles são uma fonte inesgotável de personagens e histórias. Rock’n Roll will never die.
“Fico feliz em ver que todo o preconceito que existia
com o documentário brasileiro é coisa do passado.”
Nos últimos anos, várias cinebiografias foram lançadas, sobretudo de artistas da música. É possível traçar um panorama na produção dos documentários musicais?
Essa onda de documentários musicais explodiu a partir de 2008. Eu me lembro que, quando comecei a filmar o Loki, ainda não havia essa tendência. Mas quando o filme estreou em 2008, no Festival do Rio, oito dos dez documentários que competiam eram sobre músicos. O Brasil tem essa vantagem, pois além de ter uma infinidade de movimentos musicais, de cantores e de músicos, as histórias de vida desses artistas são tão fantásticas e inspiradoras quanto suas obras. Mais do que isso, a história de cada uma dessas pessoas se confunde com a história de uma época e de nossa sociedade. Por isso é uma fonte inesgotável. A música tem um dom de te transportar para uma época e reativar na mente do espectador lembranças de momentos e de emoções vividas. Ninguém assiste ao mesmo filme da mesma forma. Por isso, quando uma pessoa vai assistir a um documentário sobre a Cássia Eller, por exemplo, acaba vendo um pouco da sua história também.
Quais são seus próximos projetos?
Tenho algumas ideias engatilhadas e no momento estou planejando um documentário policial, mas sempre que tiver a oportunidade de trabalhar com música novamente, não pensarei duas vezes.