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O exercício do olhar
Esmir Filho, quando criança, criava suas próprias histórias e pedia a seu pai que as contasse para fazê-lo dormir. A paixão pela criação ou pela transformação das coisas que tinha vivido ou ouvido amadureceu e o levou a fazer cinema. Quando assistiu ao filme Noites de Cabíria, de Federico Fellini, teve a sensação de que imagem e som podiam tocar alguém e a certeza de que era por esse caminho que queria seguir. Estudou, dirigiu vídeos experimentais e curtas-metragens, como o hit Tapa na Pantera e Alguma Coisa Assim, que conquistou o prêmio de melhor roteiro no Festival de Cannes, em 2006. Com seu primeiro longa, Os Famosos e Os Duendes da Morte, ganhou o Festival do Rio, em 2009, e conquistou diversos prêmios nacionais e internacionais. Na TV, dirigiu a série Tudo O Que É Sólido Pode Derreter, exibida pela TV Cultura de São Paulo, e a série Filosofia Pop, realizada pelo SescTV.
O que é fundamental para se fazer cinema nos dias de hoje?
O mais importante, sem dúvida, é a formação do olhar. Aproveitei muito da estrutura da faculdade e dos exercícios propostos pelos professores para poder realizar meus primeiros trabalhos, mesmo que fossem experimentais, porque para mim cinema é exercício. O meu grupo era muito interessado. Trocávamos filmes, discutíamos sobre eles, faltávamos às aulas para ir às mostras. A faculdade é um meio de exercitar, é o espaço de trabalhar em equipe, de discutir, de usar os meios de produção e usar as ideias como gatilho. Cinema é o exercício do olhar.
A repercussão de seu vídeo Tapa na Pantera o ajudou a produzir seu primeiro longa-metragem, Os Famosos e Os Duendes da Morte?
Na verdade, o que me ajudou a fazer meu filme foram os festivais de cinema, porque eles são um ingresso: você entra, ganha e aí é chamado para mais trabalhos. Os festivais gostam de formar pessoas. Conheci a produtora Sara Silveira em festivais, através dos meus curtas, e também José Carlos Oliveira, que na época trabalhava na Warner e foi quem me bancou. Ele gostava muito do meu trabalho, sabia que eu tinha alguns projetos e queria experimentar. Apostou e me deu liberdade, eu queria fazer um filme em que acreditasse. Ele foi muito aberto. Tanto que Os Famosos e Os Duendes Da Morte tem um tempo próprio, uma experimentação de imagem e som. Eu me senti muito livre em fazê-lo e talvez nunca mais tenha essa oportunidade, porque era uma época em que as produtoras ainda experimentavam muito e os distribuidores não sabiam o que ia fazer sucesso. Agora eles sabem o que dá grana certa, seja em um drama ou comédia. E eu sei disso porque estou sentindo muita dificuldade com o segundo longa.
Do cinema você foi para a televisão e o teatro. Como é dirigir para diferentes plataformas?
Cinema é uma expedição, é uma questão de tempo. Você vai levar uns anos da sua vida entendendo e amadurecendo seu projeto. Fazer cinema é muito íntimo, porque parte da sua própria inquietação, de um delírio seu que se torna um delírio coletivo e faz com que todo mundo entre no mesmo barco. Isso também acontece com o teatro, mas há algo nele que me incomoda, que é sua finitude. Teatro é temporário. Quem viu, viu, quem não viu não vê mais. Tem gente que gosta disso, do momento. Eu gosto de posteridade, de ver, rever. Eu gosto muito do feedback. Talvez por isso prefira o audiovisual. Mas seja qual for a plataforma, o papel do diretor é manter a harmonia do grupo.
Como foi dirigir para a televisão?
Dirigir para TV foi algo diferente para mim, pois foi a primeira vez que eu me abri para o sonho de outras pessoas. Por exemplo, eu trabalho muito com a minha irmã, Sara Oliveira. Ela já era da TV e tinha essa vontade de criar os próprios programas. Então, aproveitamos a implantação da Lei da TV por assinatura, quando todos estavam abertos a novas produções, e precisavam de novas ideias. Na TV eu consegui canalizar, construir e desenvolver o desejo do outro. Desejo do outro, em encontro ao meu. Consegui produzir alguns projetos com a Sara para a GNT, como o Viva Voz e o Calada Noite. Depois vieram outros com outras pessoas, como o Filosofia Pop, com a Marcia Tiburi.
De onde partiu a ideia do Filosofia Pop?
Conheci a Marcia Tiburi através de um amigo, o Ismael Caneppele. Conversamos bastante, sobre vários assuntos, mas principalmente sobre como poderíamos levar essas discussões contemporâneas, e ao mesmo tempo atemporais, com um viés mais filosófico para a TV. Queríamos fugir dos formatos já existentes, em geral, acadêmicos e formais, um pouco antiquados, que nos incomodava. Nosso desejo era fazer algo mais pop, que discutisse o estar hoje no mundo, e conseguisse tomar distância para refletir. Então, começamos a desenvolver em conjunto.
Como se deu a escolha do formato do programa?
A primeira coisa que a Marcia falou era que ela queria discutir abertamente os temas com as pessoas e que os convidados estivessem próximos do público, mas em um ambiente que não fosse convencional. Então sugeri sairmos do estúdio e ela apoiou a ideia. Quando fechamos o contrato com o Sesc, fomos visitar as unidades em busca de locais para gravar. Procuramos lugares que tivessem alguma relação com os temas dos episódios, para que eles fossem potencializados. Deus, por exemplo, foi gravado em escombros, durante a reforma de uma cozinha no Sesc Interlagos. Família foi em uma oficina de cerâmica, no Sesc Pompeia. Gravamos o episódio Futebol em um vestiário. Enfim, acredito que o espaço diz muita coisa. Isso conduziu os bate-papos, mesmo que inconscientemente.
No ponto de vista da linguagem, como um diretor consegue traduzir o conceito de um projeto para uma determinada plataforma?
Acho que a plataforma já está prevista no desenvolvimento do projeto. Por já ter trabalhado com teatro, cinema e televisão, hoje consigo analisar em qual dos meios a ideia funcionará melhor e como tem que ser a abordagem. Por exemplo, um tema como filosofia. Eu posso fazer um documentário, que vai atingir um determinado nicho. Mas acho muito mais legal falar sobre filosofia na TV que, aliás, está precisando disso, e pode alcançar um público maior.
Como você analisa a internet e a produção audiovisual contemporânea?
Desde que comecei a fazer cinema, as coisas mudaram muito rápido. Eu vejo a internet como agregadora. Hoje, muitas coisas são produzidas e podem ser distribuídas online também. As de boa qualidade continuam sendo proporcionalmente poucas. Só que agora a criação não fica só na mão de quem detém os meios de produção. Isso é muito bom. Ao mesmo tempo em que aparece muita coisa descartável, a gente tem a possibilidade de descobrir trabalhos maravilhosos também.
Quais são seus projetos futuros na televisão e no cinema?
Estou trabalhando há cinco anos no projeto do filme Baleia (Verlust). Estamos na fase final de captação. Além dele, há outro roteiro em desenvolvimento e um trabalho para rodar na Amazônia. Você tem que tomar cuidado para não ter muitos projetos ao mesmo tempo, ou ter só um também, porque quando ele acaba te dá um vazio. Por isso, tenho a minha produtora, que desenvolve e produz outros trabalhos. Alguns eu faço direção geral, como no caso do Filosofia Pop, outros eu apenas produzo. Assim, a gente trabalha com diferentes formatos e se diversifica como produtores de conteúdo.