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Coisas da idade
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MAXIMINO ANTONIO BOSCHI
RESENHA
Em um estudo aparentemente pouco pretencioso, a autora vai despertando interesse do leitor por questões que afetam estudiosos e os próprios sujeitos da problemática da terceira idade. Quem é velho, memória fraca, barreiras sociais, sexualidade feminina, aposentadoria, crise da meia idade, a morte são questões que se transformam em capítulos, em pautas de discussão, formando um mosaico de informações, reflexões pessoais, de tiradas acadêmicas e brados de alerta, não raro carregados de emotividade. Não é apenas um livro importante de uma profissional identificada com os temas que desenvolve. É um relato profundo de aspirações não realizadas, de conflitos não resolvidos, de tensões permanentes que afetam todas as gerações e todas as idades. O livro de Ana Fraiman, psicóloga, gerontóloga, intérprete e conhecedora da realidade que vivencia, é uma leitura indispensável. Aqui, algumas passagens, para que o leitor tenha uma ideia do conteúdo da obra.
Envelhecer é um processo extremamente complexo que tem implicações tanto para a pessoa que o vivencia como para a sociedade que o assiste, promove ou suporta. Há duas variáveis determinantes do comportamento e do inter-relacionamento: a idade e o sexo.
É a sociedade que determina o que cada idade significa socialmente e qual seu nível de relacionamento. Para cada período da vida, há um papel definido, há normas de comportamento que se tornam mais rígidas, à medida que a idade avança. No limite da terceira idade há dois subgrupos: os jovens-velhos ou pré-velhos que outros chamam de pseudo-idosos e os velhos-velhos, biologicamente impedidos de cumprir seu papel produtivo. A psicologia só recentemente tem privilegiado estudos a respeito desses últimos estágios da vida. Uma pessoa leva praticamente um terço de sua vida para nascer, crescer e se desenvolver, e dois terços para envelhecer.
A geriatria desenvolve estudos sobre a velhice, centrados inicialmente sobre o fenômeno do envelhecimento como patologia, apenas sobre o aspecto biológico. Já a gerontologia, mais abrangente, incorpora estudos da área paramédica, das ciências sociais.da economia, da ecologia e de outras ciências, caracterizando-se como ciência multidisciplinar e predominantemente orientada para o social. Embora abordando os aspectos sociais, a gerontologia atenta para o aspecto de que cada
indivíduo desenvolve seu próprio processo. O envelhecer é um processo onde as capacidades e potencialidades de um indivíduo desabrocham e se realizam, e nesse contexto ele adquire a maior de suas individualidades. É aqui que se coloca a contradição: a incongruência entre o envelhecimento irreversível e o desejo de realização e auto-aperfeiçoamento mental e espiritual. Como diz alhures Brecht: "se a juventude soubesse e se a velhice pudesse...
Há vários conceitos para determinar a idade: a idade cronológica, a biológica, a social e a existencial. Parafraseando Marx, uma pessoa tem 60 anos em qualquer situação, mas só é considerada velha em determinadas condições econômicas. A população mundial entre 60 e 65 anos é estimada em 300 milhões em 1988 e de 560 milhões no ano 2.000. Observa-se um aumento significativo desta faixa etária em países do terceiro mundo e uma tendência à feminilização da população idosa, exigindo da família e do estado encargos redobrados. A perspectiva de vida para o brasileiro em 1939 era de 41 anos. Em 1972, 58 anos e em 1988, 65 anos para a mulher e 60 anos para o homem. Dados aparentemente alentadores, não fosse o fato de as pretendidas médias acobertarem situações econômicas, culturais e sociais desfavoráveis de homens e mulheres precocemente aposentados e com seus rendimentos reduzidos, sofrendo as pressões de sobrevivência e abreviando sua expectativa de vida. Velhice é uma problemática que, afinal, se inicia na infância carente e culmina na velhice abandonada. E é problema social, não por causas inerentes ao processo de envelhecimento, mas pela estrutura social, que condena os velhos à solidão social e familiar; é o trabalho alienado que frustra o desenvolvimento pessoal; é a pedagogia orientada para a especialização que tolhe o desabrochar de individualidade. É o próprio desenvolvimento tecnológico no mercado de trabalho que condena à obsolescência grandes parcelas da população ativa com potencial produtivo.
É um acúmulo de maus tratos, de alimentação inadequada, de relacionamentos interrompidos ao longo do tempo ... E a construção de imagens do velho herói de ontem, "ah! no meu tempo!", a rabugice, o mutismo, a neurastenia e hipocondria são mecanismos de defesa que restam ao velho construir como alternativa neurótica para obter atenção, fugir do isolamento e protestar contra a morte que sente iminente.
O capítulo "o diálogo das gerações" abre a primeira discussão mais acadêmica sobre os efeitos da indústria cultural sobre a formação da juventude e suas consequências sobre a geração jovem de hoje, como a alienação, a perda do sentido crítico e da consciência social e política e ausência de finalidade para a vida. São os fatos que inibem a aproximação e o diálogo com as gerações. O capítulo se torna mais interessante quando indica as condições para o diálogo: serenidade e paciência, vocabulário comum, interesse e atenção, curiosidade. Saindo da discussão acadêmica, relata experiências da autora com grupos de orientação para mulheres, a maior parte delas da classe média urbana, com sentimentos de solidão, menos-valia e inadequação, sobre os quais a autora aplica técnicas de dinâmica de grupo, de Análise Transacional e Teorias da Comunicação, com resultados positivos em todos os níveis de carência apontados.
"Memória Fraca" é dirigido a mulheres da faixa dos 40 anos, com dificuldades advindas de pequenas perdas de memória, esquecimentos e melancolia. A passagem do papel de protetora do lar, dos filhos e do marido para uma situação de dependência provoca uma identificação com a velhice e a negação de si como mulher. As tentativas de fugir a esses limites podem também ocasionar a admiração da família. Sair da redoma do lar, tentar remoçar não significa a perda das atribuições domésticas, mas pode provocar outros desiquilíbrios, como o da angústia de vencer. A mulher enfrenta ainda, principalmente na fase do climatério (pré-menopausa), riscos com a "Gravidez Tardia". Risco de natureza psicológica, pois essa possibilidade altera drasticamente a estrutura e a dinâmica familiar, além de causar prejuízos individuais, como culpa ou medo, que geram conflitos interiores após o parto e possíveis crises emocionais para a criança. No entanto, a mulher nessa fase da vida saboreia melhor o milagre de uma nova vida que ela gera, podendo realizar-se mais como mulher e mãe e como pessoa.
Dois capítulos são dedicados à sexualidade feminina. A ideologia consumista que privilegia o sucesso material, a competitividade provoca tensões além do limite: são as preocupações com o desemprego, salários baixos, frustrações profissionais. São tensões que colocam verdadeiras barreiras ao desenvolvimento afetivo, do sonho e do romance, amordaçando o coração. O tema é tratado de maneira mais didática e bastante clara. A sexualidade é como vivência complexa calcada em vários níveis: corpóreo, afetivo, cognitivo, representativo e social.
Na terceira idade a sexualidade é conhecida quase como aberração ou perversão de caráter, pois a beleza e a capacidade de sedução estão associados à juventude. A geração madura vive em permanente impasse entre exprimir seus desejos e fantasias sexuais ou esconder-se atrás de racionalizações, exacerbando defesas e somatizações. O desconhecimento da própria feminilidade no que se refere à atividade sexual e à própria função erótica é quase um estigma das mulheres "maduras". Gerontologia é quase um sinônimo geronto-rejeição, isto é, a negação do próprio corpo nos níveis individual e social. Frequentemente, para a mulher o abandono da atividade sexual é recebida como alívio. Preconceitos e ignorância sobre a realização plena da sexualidade se verificam também no campo profissional, principalmente em situações de asilamento. Em asilos e casas de repouso para velhos ocorrem situações de manifestações eróticas nem sempre compreendidas pelos profissionais da área.
É na maternidade, após os 50 anos, que a experiência sexual é mais carregada de experiência que de instinto. Por outro lado, é nessa idade que ocorre a crise da vulnerabilidade, na medida em que se acredita na perda da potência sexual e no desequilíbrio fisiológico. Para o homem é a chegada da "idade do lobo", quando o exercício da hiperatividade sexual é mais uma atitude compensatória pela perspectiva da perda do status profissional e pelo medo da perda do status fisiológico. A chegada da aposentadoria profissional pode afetar o equilíbrio afetivo e psicológico, com a perda do controle da função erótica. "A aposentadoria é uma instituição, não tem sujeito, tem objetos, significados: exclusão, descaracterização, isolamento e dependência". O termo benefício apenas adoça o amargor daquilo que significa a morte social. A maturescência é comparada, em termos de crise, à adolescência. Para muitos é a porta de entrada para a velhice, para outros representa a oportunidade de uma expansão criativa, uma passagem para uma etapa plena de sabedoria existencial.
A "morte e o morrer" é outra realidade com a qual o homem se defronta desde a primeira infância. O imaginário infantil é povoado de imagens e fantasias da morte. O sistema social como um todo nos condiciona a pensar na morte: a insegurança no trânsito, o perigo das catástrofes nas grandes metrópoles, as doenças, AIOS, o cotidiano das proibições e alertas de perigos. Citando Phillippe Ariês, "a morte é o grande tabu que vem substituir o tabu do sexo". Vivemos sempre no limiar de um conflito interior entre a onipotência e a impotência, a imortalidade pretendida e a mortalidade irrevogável, as capacidades e as limitações de nosso próprio eu. Em tudo, a consciência da morte, acoberta, disfarçada, mas presente.
O relato de dois casos clínicos vivenciados pela autora mostra todas as implicações para médicos, pacientes e familiares, ante a perspectiva da morte física. Há considerações sobre o "mal da década": AIOS, uma simples doença, um castigo, um fantasma real, desvirtuado pela ignorância e preconceitos. Muito mais pela ignorância e desinformação que reforçam os preconceitos e desacreditam qualquer medida ou estratégia preventiva. A grande contradição da época em que vivemos é que a sexualidade está agora associada à morte. "0 sexo, fonte libertadora, de criação e renovação, agora se reveste de um novo poder. Antes gerador de vida, agora um novo instrumento de morte".
FRAIMAN, Ana Perwin. Coisas da idade. Herns Editora, São Paulo, 1988.