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Novos traços

A produção nacional de quadrinhos da última década transitou entre as experiências independentes(de autopublicação), as criações de tiras para sites e blogs e a realização de narrativas mais longas, em formato livro. Novos autores despontaram no período,  renovando o panorama estético do gênero.

No mercado, houve a entrada de editoras de livros no segmento, o aumento dos festivais e a inclusão das HQs na lista do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), que adquire publicações para compor o acervo de bibliotecas escolares de todo o país.
Os quadrinistas André Dahmer, Raphael Salimena, Rafael Sica, Bruno Maron, Chiquinha e João Montanaro são alguns dos que se destacam no gênero de humor de tira. Na cena autoral estão os coletivos Beleléu e Samba, Diego Gerlach, Rafael Coutinho, Danilo
Beyruth, Gustavo Duarte, Koostella, Cynthia B, Caeto, Julia Bax, Amanda Grazini, Rafael Albuquerque, Edu Medeiros, entre inúmeros outros nomes. Existem muitos nichos de atuação e grupos com perfis de trabalho bastante específicos, como é o caso do coletivo Quarto Mundo, selo independente com atuação de 2007 até 2012, o grupo dos quadrinistas de super-heróis, das adaptações literárias...

As linhas estéticas adotadas por essa geração são diversas. A marca de Edu Medeiros, que ficou conhecido por seu trabalho na internet, especialmente a série autobiográfica Sopa de Salsicha, é explorar as possibilidades do quadro para enfatizar o humor. “Em todas as páginas de suas histórias têm umas tiradinhas dentro do quadrinho, umas notinhas de rodapé, ele trabalha todas essas variações do quadrinho para aumentar o humor, então cada página vai ficando mais engraçada”, afirma o cartunista Fábio Moon.

Influenciados pelo desenho rústico de Arnaldo Branco e Allan Sieber, os cartunistas Chiquinha e Bruno Maron abdicam do virtuosismo e investem no desenho reduzido em prol do humor ácido. “A geração dos anos de 1980 tem uma pegada de humor, humor crítico, escatológico, surreal...

Quando surgiu, havia muita vontade de expressar liberdade, revolta e opinião em relação ao contexto sociopolítico que estava sendo vivido, e o humor era a forma de driblar a censura para criticar a ditadura”, diz Moon. “Os quadrinistas que trabalham basicamente com tira, como é o caso de Arnaldo Branco, André Dahmer, Allan Sieber e outros, são herdeiros dessa tendência.”
O trabalho do grupo francês OuBaPo, que propõe mecanismos de restrição, como histórias mudas e cíclicas, com o objetivo de potencializar aspectos narrativos, é referência para os coletivos Samba e Bebeléu e para Gustavo Duarte, conhecido pelos quadrinhos mudos, como Có! e Monstros!, duas de suas premiadas novelas gráficas. Já Danilo Beyruth e Rafael Albuquerque seguem o traço clássico dos quadrinhos norte-americanos de super-herói, mas o primeiro explora temáticas variadas, como o cangaço na novela gráfica Bando de Dois. Para o quadrinista Lourenço Mutarelli, independentemente das influências, esses novos profissionais têm experimentado bastante e apresentam propostas autorais.

Entre as novidades do mercado de quadrinhos nos últimos dez anos está a ampliação do leitor eventual, aquele que aprecia o gênero, mas que não tem o hábito regular de consumo, explica o professor de Letras da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), autor de Revolução do Gibi – A Nova Cara dos Quadrinhos no Brasil, Paulo Ramos. “O ingresso dos quadrinhos em  formato livro foi um grande passo para essa aproximação.” Se antes as revistas em banca eram a forma por excelência de comercialização de quadrinhos, atualmente as livrarias concentram grande parte das vendas. “Hoje, há tiragens menores, mas  maior diversidade, tanto nos gêneros e no número de editoras, quanto em pontos de venda – caso das livrarias, das lojas especializadas e da comercialização virtual”, acrescenta Ramos. Para Mutarelli, é ilusório considerar que o mercado de quadrinhos cresceu da década de 1980 para 2000. “O que aconteceu é que o quadrinho deixou de ser um produto de massa. Não existem mais revistas de vários autores, como a Chiclete com Banana, que vendia cento e tantos mil exemplares por mês.”

Como as tiragens das revistas diminuíram, os quadrinhos acabaram se adaptando ao formato livro e foram para as livrarias. Segundo Mutarelli, essa mudança valorizou o quadrinho de autor em álbum ou novela gráfica. “Grandes editoras começaram a investir nas HQs, todas elas têm um selo de quadrinho ou publicam quadrinho, mas isso não quer dizer que estamos no melhor momento, pelo menos do ponto de vista comercial, vendemos menos hoje do que quando o quadrinho estava nas bancas”,
diz. A presença de cartunistas, como Neil Gaiman, Robert Crumb e Joe Sacco, na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), e um maior prestígio conferido pela mídia para as HQs, são reflexos desse movimento de adaptação, segundo Ramos.

Moon ressalta ainda outros campos de desenvolvimento do setor, como os vários festivais de quadrinhos que acontecem no país,  que favorecem as publicações independentes e a formação de público. Para ele, esses eventos, assim como a internet, aproximam os leitores dos autores e criam uma comunidade de interessados. “Além disso, nos festivais, os quadrinistas conseguem
fazer uma publicação independente e ganhar com isso. Não dá pra viver só de festival, nem só da produção autoral, mas estamos em um ótimo momento, muito melhor do que o deserto dos anos de 1990”, salienta.

O interesse do governo em distribuir HQs, especialmente adaptações literárias, em escolas e bibliotecas públicas é outra novidade do período que impulsionou a tiragem das editoras e a demanda por quadrinistas. “Tudo isso ajuda a criar mais oportunidades para
os artistas praticarem. Antes era muito difícil começar e hoje existem mais chances, pois as editoras estão procurando quadrinistas, o governo e o público estão interessados”, afirma Moon, que ganhou o Jabuti de melhor livro didático e paradidático com O Alienista, adaptação da célebre obra de Machado de Assis, realizada em parceria com seu irmão Gabriel Bá.

Quadro a Quadro

O surgimento

Angelo Agostini – O desenhista italiano (1843-1910) criou a primeira história em quadrinhos, em sequência e com um personagem fixo, no Brasil. As Aventuras de Nhô Quim ou Impressões de uma Viagem à Corte começou a ser editada em 1869. Publicou em importantes revistas da época, como a O Tico Tico (1905). O Prêmio Angelo Agostini, batizado em sua homenagem, é concedido anualmente pela Associação de Quadrinistas e Caricaturistas de São Paulo aos melhores do ramo.

Anos 40 e 50

Péricles – Autor (1924-1961) de um dos mais famosos cartuns brasileiros, o Amigo da Onça, publicava na revista O Cruzeiro.

Anos 60

Jaguar, Ziraldo, Henfil – Tendo entre seus criadores o cartunista Jaguar, O Pasquim aglutina importante geração de quadrinistas, como Ziraldo (O Menino Maluquinho) e Henfil (fradinhos Cumprido e Baixim, Graúna, bode Orelana, Zeferino, entre outros).

Maurício de Souza – Apesar de a dupla Bidu e Franjinha existir desde 1959, A Turma da Mônica surge em 1964 e passa a ser veiculada no jornal Folha de S.Paulo. Em 1970, Mônica foi lançada já com tiragem de 200 mil exemplares e até hoje suas revistas são das mais bem-sucedidas do mercado.

Anos 80

Angeli, Laerte, Glauco – Década marcada pelas revistas Circo e Chiclete com Banana, que reuniam os novos quadrinistas da  época, como Laerte (Piratas do Tietê), Glauco (Geraldão) e Angeli (Rê Bordosa).

Anos 90

Adão Iturrusgarai , Lourenço Mutarelli – Apesar de atuantes desde os anos de 1980, Iturrusgarai (Aline) e Mutarelli despontam  nacionalmente na década seguinte. É neste período que o primeiro começa a colaborar com a série Los 3 Amigos, dos
já consagrados Laerte, Angeli e Glauco, e que o segundo lança sua primeira graphic novel, Transubstanciação.

HQs em destaque

Diversos eventos dedicados a quadrinhos compõem a programação do Sesc

A programação do Sesc apresenta diversas atividades voltadas aos quadrinhos. Oficinas, exposições, premiações, além de títulos  disponíveis no acervo das bibliotecas e salas de leitura das unidades são algumas das possibilidades de contato dos frequentadores com essa arte.

De acordo com a técnica para a área de Literatura e Bibliotecas do Sesc Ana Luisa Sirota, os eventos têm o intuito de propiciar fruição estética e reflexões sobre o atual cenário da HQ no Brasil e seu espaço na produção artística de maneira geral. O Sesc Belenzinho realiza, em maio, a exposição HQBR21 – Quadrinhos Brasileiros do Novo Século, que apresenta novos autores e obras que surgiram a partir dos anos 2000. Com curadoria de Paulo Ramos e Núcleo da Imagem e da Palavra do Sesc Belenzinho, o
evento conta ainda com palestras, bate-papos e oficinas, ampliando a discussão para a história dos quadrinhos na América Latina.

Em abril, o Sesc Vila Mariana dá continuidade ao projeto Quadrinhando, que, desde 2011, promove recortes temáticos dentro da  produção de HQ brasileira e estrangeira, disponibilizando ao público títulos relacionados. A última edição do projeto trouxe quadrinhos da Região Nordeste do país, com destaque para os artistas Antonio Cedraz (Bahia) e Marlon Tenório (Alagoas). Desta vez, o projeto aborda o tema Desejo e Sedução em HQ.

Integrando as Oficinas de Criatividade do Sesc Pompeia, o curso Quadrinhos de Autor – Introdução, com duração de um ano, aborda a criação de uma novela gráfica (graphic novel). Sob a orientação do autor e quadrinista Lourenço Mutarelli, o programa inclui história dos quadrinhos, estilos e técnicas de roteirização, imagem e enquadramento. O Sesc Rio Preto também realiza regularmente oficinas de mangá, fanzine e quadrinhos autorais, direcionados ao público jovem.

Além disso, as bibliotecas fixas e móveis (BiblioSesc) e salas de leitura das unidades contam com acervo de quadrinhos nacionais e estrangeiros, especialmente as unidades Bom Retiro, Belenzinho, Sorocaba, Bertioga e BiblioSesc Interlagos, que, em abril, dá  ênfase às HQs e Mangás em suas estantes e promove mediação de leitura desta produção nos pontos atendidos na região. O Sesc também sedia o importante prêmio dos quadrinhos nacionais, o HqMix, realizado anualmente na unidade Pompeia.