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Violão, o som do Brasil
Paulo Martelli é violonista e idealizador do projeto Movimento Violão, que oferece ao público uma série de concertos instrumentais com músicos brasileiros e do exterior. Nascido em Araraqua ra, no interior paulista, numa família de violonistas – seu avô, seu pai e seu irmão já tocavam o instrumento –, Martelli comemora em 2013 uma década de existência do projeto, que também é exibido pelo SescTV. Neste mês, o canal estreia nova temporada da série, às terças, 20h, com os seguintes espetáculos, gravados nas unidades do Sesc São Paulo: Duo Assad, dia 16/4; Carlos Barbosa Lima, dia 23/4; e Daniel Wolff, dia 30/4. Classificação indicativa: Livre.
Como o violão surgiu na sua vida?
O primeiro contato foi em família. Meu irmão, Pedro Martelli, é violonista profissional, mas antes disso meu avô e meu pai já tocavam, como amadores. Na verdade, comecei aprendendo piano, com sete anos de idade. Mas esse não era um instrumento barato. E violão nós já tínhamos em casa. Como sou canhoto, de início meu irmão invertia as cordas, para que eu pudesse aprender.
Depois, ele me convenceu a tocar como destro. Por volta dos meus 22 anos de idade, ganhei o prêmio Jovens Concertistas Brasileiros e recebi uma bolsa para estudar nos Estados Unidos, onde vivi por dez anos. Então, a saudade foi aumentando e resolvi
retornar.
Como nasceu o Movimento Violão?
Depois que voltei para o Brasil, passei a dar aulas e idealizei um concerto com três alunos na biblioteca pública de Araraquara. O público lotou o lugar, o que foi um fato curioso, porque era no meio da semana. Em seguida, dois desses alunos foram estudar na Juilliard School, em Nova Iorque. Percebi o potencial do projeto, que foi crescendo ano a ano. Conseguimos o Teatro Municipal de Araraquara, depois passamos a apresentar espetáculos também em Ribeirão Preto e no Centro de Cultura Judaica, na capital
paulista. Em 2009, os espetáculos começaram a ser gravados e exibidos pelo SescTV, o que ampliou a visibilidade. Gravamos CDs, DVDs. O projeto ganhou outras dimensões.
Em 2013, o projeto completa dez anos. Que mudanças foram percebidas ao longo dessa década?
Começamos como um concertinho de alunos! Se me perguntar se eu tinha noção da projeção que ele teria, digo que não. Nunca imaginei que fosse crescer tanto. E o bacana é perceber que o projeto se consolidou pelo mérito dos próprios violonistas que se apresentaram nesses dez anos.
No ano passado, tivemos um fato muito marcante: pela primeira vez, apresentamos uma obra inédita, composta especialmente para o Movimento Violão. Trata-se da peça Lendas Amazônicas, de Marco Pereira, criada para dois violões e orquestra, sob
regência de Rodrigo Vitta. Foi algo histórico, não apenas para o Movimento Violão, mas para a própria música brasileira. Gosto de pensar o violão como o mais brasileiro dos instrumentos musicais.
Ele timbrou com a nossa música; é essencial na bossa nova, por exemplo. Está presente no chorinho, no samba. Heitor Villa-Lobos foi o precursor ao introduzir o violão na música erudita. Ele foi o primeiro a compor uma obra para violão. É um instrumento com a cara do Brasil.
E quais foram as dificuldades enfrentadas no projeto?
Tive de aprender a fazer produção. Logo no primeiro ano em que os concertos seriam gravados para televisão, eu descobri, às vésperas do início dos espetáculos, que precisava tirar o visto de trabalho dos músicos estrangeiros. Eu não sabia nem o que era
esse documento! Aos poucos, fui aprendendo e hoje conto com uma assistente. Também enfrentamos dificuldades na contratação de músicos mais renomados, que vêm do exterior para tocar aqui. Para trazer o Duo Assad, levamos sete meses! Aliás,
quando eles tocaram, em Ribeirão Preto, aconteceu algo curioso. Assim que cheguei ao teatro, encontrei os irmãos Sérgio e Odair meio quietos. Pensei: “Brigaram!”. Até que um deles me levou para fora do teatro. Ele apontou para uma casa do outro lado da
rua e contou: “Está vendo aquela casa? Nós moramos ali na infância. E mais: frequentamos esse teatro, que na época era uma sala de cinema. Estamos muito emocionados”. Foi tocante ouvir aquele relato!
Como é a receptividade do público?
Hoje temos um público cativo. O brasileiro tem uma afetividade com o violão e chega aberto para as apresentações, mesmo sabendo que são concertos instrumentais. Apesar de grande parte do repertório ser erudito, sempre combinamos que os músicos incluam pelo menos 15 minutos de repertório popular. Mas mesmo essa classificação do que é erudito e popular é relativa, a
divisão é tênue: Villa-Lobos, Chico Buarque, Ernesto Nazareth são compositores eruditos ou populares?
E também abrimos espaço para músicos iniciantes. Nos concertos deste ano, teremos seis programas com jovens talentos brasileiros. É uma obrigação que nós temos com a arte, porque sabemos que é muito difícil viver da música.
E o Brasil é revelador de talentos desse instrumento?
O violão é para o Brasil o mesmo que o futebol. Nossa escola é tão forte quanto a espanhola. Temos grandes intérpretes e compositores, a começar pelo Villa-Lobos. O nome violão só existe no Brasil, remete a uma viola grande. Nos outros países, ele é chamado de guitarra. A facilidade de mobilidade desse instrumento fez com que o brasileiro se apaixonasse. E também temos grandes fabricantes aqui, já que ainda hoje sua construção é feita num processo totalmente artesanal.
Em 2011, o projeto realizou a gravação de uma série de concertos, em DVD, e distribuiu gratuitamente nas escolas de música. Qual o objetivo dessa ação?
O objetivo é a fomentação cultural. Quando o projeto começou, ainda não havia farto conteúdo disponível na internet. Então, surgiu a ideia de registrar esses concertos em CD e em DVD para distribuir às escolas de música. Esse material é usado pelos professores em suas aulas e ajuda a ampliar o repertório e a mudar a referência que os alunos têm da música instrumental, ampliando as possibilidades. Nossa ideia era a de criar mesmo um acervo rico e diversificado, que ficasse para a posteridade.
Como a televisão pode contribuir para disseminar a música instrumental?
A exibição na TV amplia a magnitude do projeto, porque o alcance é enorme. Um projeto que surgiu como concerto no teatro passa a ser visto não apenas em outras regiões do Brasil, mas até no exterior. Isso reforça a imagem do Brasil como um país de tradição no violão. Também podemos pensar nesses programas como um acervo cultural de imensa importância.
Sabemos que o violão está presente em nossa cultura, e até mesmo nas universidades ele é valorizado, como provam os inúmeros cursos para profissionalização, em diversas faculdades de música do País. Violão é um fenômeno. É uma representação do que temos de melhor.