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A crítica como mediação
José Geraldo Couto é crítico de Cinema. Formado em História e em Jornalismo, trabalhou nos jornais O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo e na revista Set, escrevendo sobre cinema e vídeo. Também é autor dos livros André Breton (editora Brasiliense); Brasil: Anos 60 (editora Ática); Florianópolis (Publifolha); e Futebol Brasileiro Hoje (Publifolha). Atualmente, realiza traduções de livros, escreve para as revistas Bravo! e Carta Capital e mantém uma coluna de cinema no blog do Instituto Moreira Salles.
Como o Cinema surgiu na sua vida?
O Cinema surgiu na infância. Sempre vi muitos filmes. Até a adolescência, era um programa de pura diversão. No final do ensino médio e início da faculdade é que comecei a frequentar cineclubes, ler sobre Cinema, discutir com amigos. Passei então a pensar o Cinema como meio de expressão e como arte.
Qual a média de filmes assistidos por você semanalmente? Você consegue ir ao cinema apenas como entretenimento, sem pensar em trabalho?
Hoje em dia vou bem menos ao cinema, até por estar morando em Florianópolis, fora do eixo em que os filmes são lançados. Acabo vendo muita coisa em DVD ou baixada da internet. Houve épocas em que eu ia ao cinema todo dia, vendo às vezes mais de um filme por dia. Hoje vejo, no cinema, uns dois ou três por semana. Sim, consigo ir ao cinema apenas por prazer, sem pensar em trabalho, tentando não pensar no que escreveria sobre o filme se tivesse de fazê-lo.
Como é tecnicamente construída uma crítica de Cinema?
Essa é uma pergunta impossível de responder, pois há várias formas de crítica, várias maneiras de abordar um filme. Pode-se partir de uma cena e buscar ver nela o estilo ou a linguagem do diretor, de que maneira ele enfoca determinado tema ou cria determinada atmosfera. E pode-se começar contextualizando o filme em sua época, na história do Cinema, no seu gênero etc. O ideal é que a crítica vá além da mera paráfrase e do mero juízo de valor, que tente descobrir no filme coisas que poderiam passar despercebidas a um olhar mais ingênuo e desavisado.
Para isso, quanto mais conhecimento o crítico tiver da linguagem cinematográfica, da história do Cinema, das outras artes e do contexto histórico abordado no filme, melhor.
Quais os critérios a se considerar para avaliar um filme sem cair no estereótipo de bom ou ruim? São observadas questões técnicas, artísticas e de linguagem?
É sempre bom pensar o filme em várias frentes: em sua relação com a história do Cinema, com outros filmes do mesmo gênero ou do mesmo contexto de produção; em sua relação com o objeto abordado (momento histórico, personagens, ambientes); em seu manuseio da linguagem específica do Cinema (enquadramento, montagem, iluminação, ritmo etc.); em sua relação com o espectador, ou com um espectador ideal; em sua relação com as artes visuais, com a música, com a Literatura. Tudo isso fornece um conjunto de parâmetros que torna menos subjetiva a apreciação de um filme, menos idiossincrática a sua avaliação. Com a ressalva de que a subjetividade, e mesmo um certo grau de idiossincrasia, nunca serão abolidos. Um filme é um organismo vivo, que mexe com múltiplas camadas da sensibilidade do espectador, e o crítico não deixa de ser um espectador. Cada um será sensibilizado de uma maneira diferente pelo filme.
Qual o papel da crítica na mediação entre a obra e o espectador?
Penso que, sem arrogância, a crítica deve ajudar o espectador a ver melhor um filme, ou seja, de forma menos ingênua e desarmada. E chamar a atenção para aspectos que poderiam passar despercebidos a um olhar menos atento e preparado. Em última instância, a crítica deve ajudar o espectador a apurar e aguçar o seu olhar, a sua percepção.
Na sua opinião, a crítica tradicional está perdendo espaço nos veículos de mídia?
Sem dúvida. Aquele crítico imbuído de autoridade, que um grande número de leitores ia ler em busca do juízo definitivo sobre determinados filmes ou autores, está em extinção, se é que já não se extinguiu. Hoje há uma grande pulverização de opiniões e avaliações, sobretudo na área do Cinema, que sempre foi uma espécie de “terra de ninguém” em que todos se julgam no direito (que de fato têm) de opinar.
O advento da internet fez surgirem inúmeros sites e blogs de cinema, em que pessoas de diferentes perfis opinam sobre as produções. O que você pensa sobre essa nova realidade?
Penso que é muito saudável que haja na internet um espaço de reflexão sobre o cinema cada vez mais exíguo nas publicações impressas. Por outro lado, proliferam também as imposturas, os achismos, o vale-tudo. É cada vez mais difícil, e cada vez mais necessário, separar bem o trigo do joio.
Como você avalia a produção cinematográfica brasileira atual?
Considero muito rica a produção brasileira atual, com vários novos realizadores competentes e criativos surgindo em todas as regiões do País, sobretudo no Nordeste, com o epicentro em Pernambuco. O problema é que só o que ganha visibilidade no mercado são alguns poucos blockbusters nativos, em geral comédias de humor televisivo ou dramas espíritas. Há uma disparidade muito grande entre os milhões de espectadores dessas produções Globo Filmes e a plateia exígua de filmes.
Como a TV brasileira pode contribuir para a ampliação do repertório cinematográfico de seus telespectadores?
Esta é a resposta mais fácil: exibindo a maior quantidade possível de filmes das mais variadas épocas e nacionalidades, sobretudo as obras consideradas fundamentais da cinematografia mundial.