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O Cinema "Fora de Centro"

Raquel Hallak é organizadora da Mostra de Cinema de Tiradentes, que chega à sua 16ª edição em 2013. Nascida na cidade mineira de São João Del Rei e formada em Comunicação, ela desde cedo se envolveu com projetos socioculturais e encontrou, no Cinema, a possibilidade de incluir e de transformar, apresentando a sétima arte a novos espectadores. A Mostra também se tornou uma vitrine para promover o trabalho de estreantes diretores brasileiros.

Como o Cinema surgiu na sua vida?

Sou formada em Comunicação e sempre atuei em projetos socioculturais. Eu me especializei em gestão do planejamento e,  enquanto trabalhava no Sesi, criei o Ação Global, em parceria com a Rede Globo, voltado para a promoção da cidadania. Nesse
período, conheci o Yves Alves, que trabalhava na Globo e desenvolvia projetos em Tiradentes. Ele estava engajado na criação de um centro cultural lá, mas morreu antes da inauguração. Achei que esse projeto não podia acabar e fiz uma proposta de criar uma programação cultural. Como não havia salas de exibição em Tiradentes, decidi criar uma mostra de cinema. Quando apresentei a ideia, comecei a receber comentários como: “até que enfim um festival de cinema em Minas!”. Foi então que percebi o potencial que a Mostra tinha. Eu mesma nunca tinha participado de festivais, o que acabou sendo positivo, porque criei uma Mostra totalmente diferente do que havia até então no Brasil. Desde a primeira edição, a Mostra de Tiradentes já previa um trabalho de difusão, de reflexão e de formação, com a promoção de oficinas, debates e seminários, além das sessões gratuitas dos filmes.

Qual a infraestrutura necessária para a realização do evento?

A equipe organizadora da Mostra é responsável por tudo. Montamos três espaços para exibição dos filmes – cerca de 120 obras. Também temos de pensar na recepção dos turistas, que chega a multiplicar em sete vezes a população da cidade [de 7 mil habitantes]. Montamos uma estrutura de 1,4 mil metros quadrados, com uma sala de cinema de 700 lugares, uma área de  convivência, um palco para shows e um café. E também realizamos sessões ao ar livre, com plateia de mil espectadores. No total,
120 pessoas trabalham diretamente na organização do evento, mas geramos outros 2 mil empregos indiretos.

A Mostra é realizada em nove dias de programação, sempre no mês de janeiro. No início, nossa principal preocupação era com a quantidade de filmes. Era um reflexo daquele período da História do cinema brasileiro, estávamos no início da retomada e não sabíamos se teríamos filmes para sustentar uma mostra anual. Fomos acompanhando as mudanças do audiovisual no País. E é por isso que também investimos na formação de mão de obra. Todos os anos, cerca de 300 alunos passam por nossas oficinas.
Depois, começam a produzir seus curtas-metragens e, em seguida, os longas.

A Mostra de Tiradentes tornou a cidade que abriga o evento conhecida em todo o País, dentro do conceito das “cidades criativas”.

Sem dúvida, o evento foi precursor na descoberta do potencial turístico e cultural da cidade. Hoje, a Mostra de Tiradentes é a  principal atividade do município no ano. Quando a gente chegou a Tiradentes, ela dispunha de 700 leitos para receber os turistas. Hoje, já são 5 mil. Houve um intenso trabalho com a população local para estabelecer um diálogo e firmar parcerias com os  empresários, que enxergaram o início de uma nova era.

O evento é um case de sucesso nesse sentido, de como a cultura pode transformar. E, de modo especial, o Cinema, porque conjuga todas as artes. O Cinema era totalmente novo para eles. Muitos nunca tinham entrado numa sala de exibição antes.

O tema da Mostra deste ano, “Fora de Centro”, propôs o debate sobre uma nova face do cinema brasileiro. Como surgiu essa ideia?

Essa temática foi definida a partir de uma observação sobre os filmes que estão sendo inscritos nos últimos Anos. Percebemos  algumas mudanças nas produções. A primeira delas é geográfica: embora a indústria cinematográfica ainda esteja muito  concentrada no eixo Rio-São Paulo, notamos que tem crescido a participação de outras regiões. Isso tem a ver com o surgimento de novas tecnologias, o barateamento das produções, enfim, o Cinema está mais acessível. Para a Mostra deste ano, 44% dos filmes inscritos estão fora do eixo Rio-São Paulo. Outra mudança ocorre no processo de produção. Temos notado a presença cada vez maior da coletividade, ou seja, projetos sendo assumidos por um grupo. Isso altera a própria linguagem das obras.

A Mostra abre espaço para novos cineastas, com a premiação para melhor longametragem, na Mostra Aurora. Qual a importância
de valorizar esses diretores estreantes?

A Mostra Aurora foi criada dentro do evento para acolher esses diretores iniciantes. Tivemos essa iniciativa porque o volume de inscritos crescia muito, todos os anos, e começamos a ter de fazer escolhas. Mas, ao mesmo tempo, nós nos sentíamos  corresponsáveis por esses jovens cineastas, porque investimos na formação deles; muitos fizeram nossas oficinas, começaram
aqui, e nada mais justo do que dar visibilidade a esses talentos. Com essa premiação, estamos valorizando o novo e abrindo espaço para que possa trilhar uma carreira. Curadores de outros festivais, inclusive internacionais, acompanham a Mostra de Tiradentes
e firmam parcerias com esses diretores, para projetos futuros.

Como você avalia o cenário cinematográfico brasileiro atual?

É um cenário diferenciado, de novos paradigmas. Não há uma narrativa predominante definida. Vejo força nos documentários. A animação também ganha espaço. Os curtas-metragens estão bem diversificados. Quanto aos temas, vimos produções que retratam favelas, a periferia, a ditadura militar, o sexo. Os deslocamentos e os regionalismos também estão fortes, especialmente em filmes a partir da década de 1990. Mas o que mudou, com certeza, foi o estilo de fazer Cinema. A própria predominância da coletividade é resultado desse novo jeito de se realizar um filme, das diversas possibilidades de se contar uma história no Cinema.

E do ponto de vista do público?

O público dos festivais é receptivo ao novo. Ele está aberto ao que está sendo colocado. E o papel do festival é esse mesmo,  apresentar essa diversidade. Já nas salas convencionais, prevalece a linguagem da comédia e os filmes com apelos ligados à televisão, com atores globais. E há também boa aceitação para os filmes que mostram o Brasil na tela, como o caso de Tropa de Elite.

Qual o papel da televisão para disseminar a sétima arte?

Acredito que a TV deva ser uma aliada do Cinema. O sonho de qualquer realizador de Cinema é ter sua obra exibida na televisão. Num país com tanta carência de salas de cinema, a TV é ferramenta fundamental para que a obra chegue ao espectador. Mas não é só como difusora; acho que a TV também pode contribuir para a discussão e para a reflexão sobre o Cinema e sobre os temas que dizem respeito ao nosso país.