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Representações multiculturais
Isaac Julien, nascido em 1960 em Londres, cidade em que vive e trabalha, é formado em pintura e cinema de arte. Sua obra já esteve em mostras em Paris, Miami, Nova York, Boston, Lisboa, Madri, Xangai, Londres e Sydney. Sua primeira exposição individual no Brasil, Isaac Julien: Geopoéticas, com curadoria de Solange Farkas, parceria entre Sesc e Videobrasil, acontece no Sesc Pompeia até 16/12.
Você expôs em alguns filmes características particulares da cultura negra, em diferentes momentos e contextos. Como fez essas escolhas de personalidades e movimentos?
No começo dos anos 1980, coletivos de filmes de negros surgiram como resposta a questões de representação na mídia e à falta de diversidade de imagens disponíveis. Grupos nos quais eu estava envolvido – como o Sankofa Film and Video Collective e o Black Audio Film Collective – eram parte de uma geração de artistas e cineastas que queriam fazer filmes no cinema de arte negra, o qual tratava de questões de representação, sem compromisso com os aspectos formais e estéticos da realização dos filmes. Entre 1980 e 1984, eu vinha tomando parte do Sankofa Film and Video Collective enquanto estudava pintura, cinema e fotografia no St Martin’s College. Isso nos capacitou a responder a paradigmas de relações raciais na mídia dominante antes impossíveis de se contestar, e o fizemos utilizando em nossos filmes estratégias de estética e avant-garde, em trabalhos como Territories (1984) – meu projeto de graduação, uma crítica das representações da mídia para o Carnaval, em um estilo poético de abordagem fílmica; Who Killed Colin
Roach (1983), um videodocumentário sobre a reação de uma família/comunidade negra às circunstâncias suspeitas em torno da morte de seu filho Colin Roach; e longas, como Young Soul Rebels, que ganhou o prêmio Semaine de la Critique em Cannes, em 1991.
Você estendeu seu trabalho para além do filme tradicional devido a restrições do formato para mostrar o que você pretendia comunicar? Quais seriam essas restrições?
Em meados dos anos 1990, comecei a questionar as expectativas de estilo da indústria cinematográfica comercial para os filmes narrativos, porque eu vinha de uma educação em arte cuja expectativa era questionar o modo como eram feitos os filmes tradicionais, nos quais predominavam formatos de tela única e técnicas de narração linear.
Isso se tornara muito limitante, e, além do mais, estava em curso a revolução digital, em termos de tecnologia e produção de imagem, por meio da qual, no começo dos anos 2000, era possível sincronizar várias telas.
Comecei a evoluir rumo a um cinema expandido, criado pelo movimento para o contexto da galeria de arte. Isso me permitiu colocar em primeiro plano em meu trabalho questões formais e me capacitou para uma aproximação experimental ao fazer trabalhos de videoarte e de imagens em dinâmicas em geral. Aquele movimento também inseriu os filmes em um contexto de arte e me colocou em contato com diferentes públicos. Gosto da ideia de ser capaz de ocupar posições duplas, realizando e mostrando trabalhos tanto no contexto de arte como no de cinema, da maneira que Derek (2008), filme biográfico sobre o cineasta Derek Jarman, foi exibido no Channel 4 de televisão [rede inglesa] ao mesmo tempo em que foi apresentado em uma exibição, da qual fui curador, do trabalho de Jarman na Serpentine Gallery, em Londres, em 2008.
Em sua opinião, quais são hoje os principais desafios, em termos de formato, em cinema e nas artes em geral? Como encontrar a linguagem apropriada, dentre tantas opções, para expressar determinados pontos de vista?
O fator que mais influenciou formatos e questões estéticas relacionadas a filmes e trabalhos de imagens em movimento está ligado à revolução da imagem computadorizada e digital, em que o tempo fragmentou nossas experiências visuais, e a questão
das multiplataformas e das interações na cultura da imagem em movimento em geral é extremamente diversa. É interessante que isso não necessariamente significou o surgimento de uma avant-garde artística radical, mas o efeito oposto, em que há até, talvez,
uma padronização, e assim é importante continuar a fazer intervenções formais nos contextos de filme e imagem, continuar a desenvolver uma linguagem artística que conteste os modos dominantes de ver e de produzir imagens. Claro que esse ponto de vista é também fundamental para a voz de quem fala, por assim dizer, ou produz imagens, que precisa ser considerada, especialmente no contexto da globalização. Quem fala, quem tem de representar perspectivas, quem faz arte se torna crescentemente importante, junto com o questionamento das formas dominantes de mídia e arte.
Como surgiu seu interesse sobre a China ao fazer Ten Thousand Waves [instalação de nove telas que explora os movimentos de pessoas através de países e continentes]? Como percebe a evolução de diferentes comunidades ao redor do mundo? Você pretende chamar a atenção para suas idiossincrasias?
Na verdade, minha China começou na Inglaterra – enquanto fazia Ten Thousand Waves (2010), minha pesquisa começou no norte da Inglaterra, em Lancashire, onde 25 apanhadores de moluscos se afogaram na baía de Morecambe, pela falta de conhecimento sobre as marés costeiras. Levei quatro anos para desenvolver a percepção de como diferentes comunidades de um lugar tão distante quanto a província de Fujian, no sudeste da China, poderiam tomar parte em um trabalho que eu tentaria fazer. Finalmente eu consegui, através de pesquisa e com muita ajuda, situar essa tragédia sob a perspectiva de Mazu, a deusa do mar em Fujian, uma divindade venerada no sudeste da China, interpretada por Maggie Cheung e de quem os apanhadores de moluscos tomariam
conhecimento no filme. Esse fato e o conhecimento prévio me levaram à realização de Ten Thousand Waves. Claro, a cultura chinesa é muito mais antiga que a ocidental e, por essa razão, o aprendizado é contínuo ao longo do processo em um trabalho como esse.
Mas obviamente a questão da comunidade é tão importante em Ten Thousand Waves quanto foi em meus primeiros trabalhos, como Who Killed Colin Roach (1983). As preocupações políticas são as mesmas para mim, quer sejam transmitidas em um cenário local, quer, como é o caso de Ten Thousand Waves, em um contexto mundial.