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Uma televisão que informa, mas não “forma”

ELIANE PEREIRA

Diante da tela, a passividade. Os mais variados gêneros e formatos de programas são transmitidos todos os dias pela televisão. Muitos à revelia dos telespectadores que não raramente assistem, sob aparente inércia, à programação que lhes é oferecida.

Walter Clark diz que “TV não é programa, é programação”. Ele, que é um dos mais respeitados nomes da televisão brasileira, defende que um programa deve ter ligação com o outro. De maneira ordenada. Assim como soam os instrumentos de uma orquestra, considerando o ritmo e a cadência.

No entanto, nos bastidores é possível perceber que essa programação – ou grade horária, como é tecnicamente chamada – não respeita tal harmonia. Sentado na poltrona, o telespectador talvez não entenda como é elaborado o processo de programação de uma emissora. Por trás das câmeras, é fácil constatar que cada horário é estrategicamente planejado.

Esse planejamento nos remete a uma reflexão: se desde que surgiu, há 60 anos, a Televisão deve entreter e informar, as emissoras brasileiras estão, de fato, preocupadas com o conteúdo ou com o resultado dos programas exibidos em rede nacional?

A frase “nem todo brasileiro decodifica um texto, mas todo brasileiro decodifica uma imagem”, assinada pelo jornalista e pesquisador Alfredo Vizeu, explica o motivo dessa indagação.

Segundo o Ibope, 96% dos lares brasileiros têm ao menos um aparelho de televisão. É um público das mais variadas faixas etárias e classes econômicas, que decodifica, mastiga e engole todo material produzido e exibido pelas emissoras espalhadas pelo Brasil.

É dessa responsabilidade que estamos tratando aqui. Precisamos detectar quais são as razões pelas quais determinado programa está no ar. E também identificar até que ponto o público está, de fato, interessado em tudo o que está sendo veiculado.

Ao abrir essa porta, observamos, sem mesmo pôr a mão na maçaneta, que do outro lado existem programas sensacionalistas, apelativos, e até mesmo agressivos, que em diferentes horários desfilam pelas telas todos os dias, quase sempre ignorando a classificação indicativa e o bom senso.

Como se não bastasse o baixo nível, esses programas são copiados e multiplicados por outras emissoras, e insistentemente veiculados. São pacotes prontos e mal embrulhados que resistem ao tempo, e por isso são mantidos no ar, lamentavelmente, talvez porque são capazes de garantir um bom índice de audiência.

Não há como não admitir, nesse caso, que o conteúdo é abortado em detrimento do resultado.

Diante desse contexto, a pergunta é inevitável: até que ponto a televisão está preocupada com o seu público? Informações que não estabelecem nenhuma relação com o seu cotidiano, e por isso parecem inatingíveis. Ou ainda, discussões que estão imersas na sua rotina e podem não despertar interesse. O que na TV realmente chama a atenção ou proporciona cultura ao telespectador que se propõe a ocupar o tempo assistindo a TV?

O sociólogo francês Pierre Bourdieu já dizia, décadas atrás, que muitas das notícias veiculadas em nada modificam a sociedade, mas servem apenas para entreter, diminuindo o debate público sobre questões que influenciam no cotidiano. Mas, infelizmente, é uma tendência que se tem observado. As informações, aos poucos, vão-se tornando algo espetacular, apenas espetacular, sem serventia alguma.

Sob esse aspecto, voltamos ao ponto inicial para buscar entender a apatia do público diante do vídeo em plena era da interatividade, o que, em um primeiro momento, parece contraditório. Se por um lado o telespectador se mostra pouco exigente quanto à qualidade da programação das emissoras de televisão, por outro ele tem canal aberto para interagir, opinar e participar de determinados formatos de programa.

A identificação do perfil e interesse desse público pode render muitos pontos de audiência à emissora que se arriscar a mergulhar no universo social, que talvez esteja abandonado em prol de uma programação de resultado e não de conteúdo e que, assim, possa gerar conhecimento. Do contrário, pode restar ao público – e muitos estudiosos contam com isso – usar a única arma que tem: o controle remoto.

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Eliane Pereira é jornalista e professora de graduação no curso de Rádio e TV da Universidade Bandeirantes.

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