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O cinema como resposta
WERNER HERZOG é cineasta alemão e dirigiu um dos clássicos do cinema mundial: O Enigma de Kaspar Hauser (1974). Tem sua direção também outro filme conhecido do público brasileiro, Fitzcarraldo (1982), cujo papel principal foi interpretado pelo ator Klaus Kinski, parceiro de Herzog em muitas outras produções. Herzog esteve no Brasil em maio, a convite do Sesc e da Revista Cult, para participar da terceira edição do Congresso de Jornalismo Cultural. Na ocasião, revelou sua admiração pela obra do cineasta brasileiro Glauber Rocha e contou sobre seus projetos mais recentes, como o documentário Cave of forgotten dreams (2010). E aconselhou aos interessados em trabalhar com cinema: “leiam muito e andem a pé”.
Como o senhor avalia a cobertura que a mídia faz sobre cultura?
Hoje o que vejo pelo mundo é uma perda significativa do jornalismo cultural. Na América e na Europa essa prática caiu muito. Quase não há mais críticos nos Estados Unidos. O que vemos é uma substituição da cobertura de temas culturais por notícias de celebridades. Não temos tantas revistas com caráter cultural em outros países. Talvez só na França.
Durante o exílio de Glauber Rocha, o senhor conviveu com ele por um período?
Tive a oportunidade de conviver com Glauber Rocha por um mês, em 1975. Lembro-me de que ele era muito desorganizado. No dia em que retornaria ao Brasil, após seu exílio, ele não se lembrava de que iria embarcar e teve de arrumar as malas correndo. Eu, vendo aqueles manuscritos todos caindo e ficando pelo caminho, ia atrás, recuperando vários papéis. Acho que fui responsável por parte de seus documentos não ter ficado perdida (risos). Sinto falta dele, mas penso que ele não morreu, porque sua obra é eterna. Glauber carrega a alma do Brasil e só há uma pessoa comparável a ele: o Garrincha.
O senhor está num ano de produção intensa de filmes...
Este ano fiz quatro ou cinco filmes, tenho trabalhado nos Estados Unidos, mas não estou tão envolvido com a produção. Isso me permite trabalhar mais rapidamente, porque não tenho de me preocupar em levantar fundos para distribuição. A maior desvantagem disso é justamente não ter o controle de distribuição dos meus filmes. Alguns deles não chegaram ao Brasil. Por isso, decidi voltar à produção para garantir que meus filmes cheguem a outros países. Quero que sejam mostrados no Brasil.
O senhor também acaba de lançar um documentário sobre cavernas, no qual usa a tecnologia 3D.
Dirigi Cave of forgotten dreams (Caverna dos sonhos esquecidos, em tradução livre), em que registro pinturas rupestres numa caverna na França. Ela foi encontrada intocada, com sinais da presença de homens e animais de milhares de anos atrás. Até se locomover e posicionar as câmeras era difícil, porque só havia um corredor de sessenta centímetros de largura. As paredes da caverna tinham protuberâncias e saliências, não eram planas. Então, para mostrar a dimensão disso tudo, optei por filmar em 3D.
Outro de seus projetos mais recentes é um documentário sobre presos condenados à morte nos Estados Unidos. Como tem sido essa experiência?
Nós não sabemos quando nem como vamos morrer, mas as pessoas condenadas à morte sabem cada detalhe. Tenho conversado com esses presos. É impressionante como eles são diretos quando falam comigo. Acho que deve ser porque eu os trato como seres humanos. Falo que eu entendo seu apelo legal, mas isso não significa que eu goste deles ou aprove o que fizeram. Eles gostam dessa conversa. Um dia desses, um preso até confessou outros dois homicídios, ali, num depoimento para as câmeras. Penso sobre a questão da morte, das nossas experiências passadas com o nazismo, o genocídio. Acredito que nenhuma nação teria o direito de matar seres humanos. Mas, naturalmente, este é só um argumento.
O senhor tem acompanhado a produção recente de filmes brasileiros?
Não tenho acompanhado, porque assisto a poucos filmes. No ano passado, fiz parte do júri do Festival de Berlim, então assisti a uns vinte filmes, mas foi uma exceção. Acredito que o cinema brasileiro tem vida, novos talentos estão surgindo. Os equipamentos foram barateados e isso ajuda a produção de filmes. Hoje dá para fazer edição num laptop. Com dez mil dólares dá para fazer um filme. Não se tem mais desculpa, só é preciso trabalhar. Acho que quem quer trabalhar com cinema precisa trabalhar no real, onde há vida. E andar a pé. E, ser for preciso, roubar uma câmera, falsificar documentos. Quando estava filmando Fitzcarraldo (1982), usei documentos ilegais para ter permissão para entrar em alguns lugares.
Como são seu método de trabalho e seu processo de criação e um filme?
Não planejo meus filmes como quem planeja uma carreira. Colegas meus fazem pesquisas. Meus filmes chegam para mim não como convidados. Eu ouço um barulho na cozinha e acordo. É assim que meus filmes vêm: como ladrões. Reconheço nos meus filmes algo em comum, como membros de uma mesma família, mas não olho para meu umbigo, não quero saber sobre mim mesmo. É como ir ao psicanalista, acho um erro. Se você se analisa em demasiado, você ilumina cada cantinho de sua existência, e se torna inabitável. Eu convivi com mulheres que faziam psicanálise, e não dava para ter um caso amoroso com elas. É um dos equívocos do século vinte, tão sério quanto a Inquisição espanhola. Em resumo, não posso entender plenamente estilos em comum nos meus filmes.
E como foram seus primeiros contatos com o cinema?
Trabalho com a sensação de que eu inventei o cinema. Cresci num vale remoto onde não havia cinema, nem TV, nem telefone. Fiz minha primeira ligação telefônica aos 17 anos. Não sabia que o cinema existia. Os primeiros filmes a que tive acesso eram muito sem graça. Tive a impressão de que eu tinha de inventar o cinema. Logo após a Guerra, não tínhamos muito o que fazer, nossos pais tinham morrido e inventávamos nossos próprios brinquedos e jogos. Da mesma forma, sinto que também trabalho assim no cinema.
Qual sua opinião sobre a Internet e as Redes Sociais?
Dou boas-vindas a ferramentas como as Redes Sociais, porque tenho amigos em lugares distantes ou de difícil acesso. Através do twitter, pessoas em países de conflito fazem denúncias e escapam de atentados. É um instrumento incrível, mas não contribui para o aprofundamento das trocas humanas. Vemos muito de realidade nos discursos de Internet. Jovens se comunicam por SMS, mesmo estando fisicamente na mesma sala. Há um intelectual interessante que diz que não se pode substituir o contato humano e creio que estamos nos perdendo no mundo irreal da Internet. E isso se reflete também no cinema. Vemos os efeitos digitais, tudo é fabricado. Fotos são manipuladas. É um massacre no nosso senso de realidade. O cinema representou uma resposta aos questionamentos do mundo nos anos de 1960. Hoje, temos de achar novas respostas. Estou procurando por elas. Há o cinema que nos ilumina, a exemplo da obra de Glauber Rocha. Isso é o cinema do qual precisamos.
Leia na íntegra a edição 52: