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Mídia e educação para a saúde
Paola Ribeiro, 26, é a atual coordenadora e curadora do Cinema Mostra Aids, festival temático que desde 2007 é realizado pelo Grupo Pela Vidda, ONG de apoio a portadores de HIV
Você acredita que a mídia brasileira em geral tenha relevado o tema de prevenção à Aids a um segundo plano? Como isso poderia mudar?
Considerando que a mídia reflete e influencia a sociedade e que a epidemia de HIV/Aids foi esquecida e só é lembrada de uma forma geral quando você encontra um portador no seu círculo social, não vejo a Aids fazendo parte dos assuntos tratados pela mídia. Esse tema só é mais lembrado na época do Carnaval. Acredito que a mudança venha através do resgate da memória, com campanhas ou com a inserção do assunto em novelas, por exemplo. Não digo que deva ser aquela coisa excessiva a ponto de se tornar chata, mas algo que se faça presente.
A escassez desse debate na mídia não reflete o que acontece na própria sociedade?
Sim. A mídia é um reflexo disso. Estamos num momento em que a sociedade prioriza algumas outras questões. Dependendo do contexto histórico vivido, um debate maior é levantado. O Viagra, por exemplo, esteve em evidência ao habilitar para a vida sexual um novo público, que não se considera grupo de risco, mas que está exposto da mesma forma. Uma discussão que vire prioridade em determinado momento faz com que outras sejam negligenciadas.
Séries e novelas televisivas deveriam abordar a Aids?
Como disse anteriormente, acredito que sim. A personagem nem precisa adquirir o vírus HIV, mas poderia ser lembrado que a camisinha não serve só pra prevenir a gravidez, mas também para evitar doenças venéreas e o vírus. Acho que o próprio nome – preservativo – é bem explicativo: ele serve para preservar o seu corpo e o do parceiro também. A novela é um veículo de massa, que atinge várias parcelas da população. É um meio importante de difusão e que ultimamente já tem levantado outros assuntos, como alcoolismo e crianças com deficiência.
A publicidade poderia ter uma participação mais efetiva no esclarecimento sobre as formas de contágio? A publicidade é sempre um meio efetivo; temos um exemplo de sucesso na divulgação dos males que o fumo traz. No caso do HIV/Aids, é importante porque ela atua de forma dupla, ou seja, além de ser uma política de prevenção, é também uma tentativa de reduzir o olhar preconceituoso para com os portadores.
Esse olhar às vezes não parte dos próprios meios de comunicação, que, na maioria das vezes, retratam o doente como homossexual masculino?
Existe esse olhar de sempre retratar como homossexual masculino, o que gera um tipo de preconceito ligado à homofobia. Cria-se um único alvo, um único grupo de risco, e dessa forma a mídia ilude as pessoas, o que é um problema. Mas há outro lado, o desconhecimento real de como a doença se desenvolve no organismo e de como se pode lidar com ela. São coisas diferentes, e uma independe da outra. O preconceito tem várias formas de difusão, seja pela ignorância de não atentar para os meios de contágio, seja pelas questões de gênero.
Qual o objetivo do festival Cinema Mostra Aids? Qual é o público predominante do evento?
A Cinema Mostra Aids funciona como uma política de prevenção, porque traz para a discussão pública filmes com essa temática. Devido à especificidade do tema, o público predominante do evento é o de pessoas que de alguma forma lidam com o HIV/Aids. O festival exibe filmes estrangeiros e nacionais, desde “blockbusters” e longas bem cotados na mídia, como Filadélfia (EUA, 1993) e Dzi Croquettes (Brasil, 2009), até pequenos documentários. Positivas foi exibido em 2010. Os filmes mais conhecidos ajudam na divulgação da mostra, porque o público já tem algum tipo de referência sobre eles.
A ONG Pela Vidda planeja novas ações ligadas ao audiovisual?
Temos um projeto em fase de implantação, o Prevenção na Tela, que consiste em realizar exibições de filmes do nosso acervo seguidas – dependendo da idade do grupo – de uma conversa ou de uma atividade, como forma de divulgação dos meios de prevenção do HIV/Aids. Como uma pesquisa apontou que no Grande ABC [São Paulo] existe uma vasta incidência da doença, a ONG fez uma parceria com subprefeituras da região, numa ação educativa, para levar os filmes e promover os debates.
O cinema em geral tem se preocupado em discutir a doença? Há muitos documentários sendo produzidos?
O cinema de forma geral tem reduzido sua produção com temas relacionados a HIV/Aids. A produção cinematográfica mais expressiva na atualidade, ligada a esse assunto, é o documentário, mas mesmo assim em pouca quantidade e a intervalos muito grandes. Percebemos o surgimento de um número maior desses filmes na África, uma região em que a incidência da doença é mais frequente. Tivemos problemas para encontrar filmes para o festival deste ano. Encontramos seis, mas é pouco para uma mostra de uma semana. Ela seria realizada em setembro e teve de ser transferida
para novembro.
Uma produção cinematográfica que tratasse da prevenção poderia ser incentivada pelo governo?
Existem leis de incentivo à cultura e muitas produções se baseiam nelas. De uma forma indireta o governo acaba contribuindo. Talvez pudesse ser ampliada a participação do próprio Ministério da Saúde em parcerias com os programas de financiamento. Alguém que tenha interesse em fazer um filme que dialogue com os interesses da saúde pública poderia ter acesso a algum tipo de subsídio específico para isso.
EMBED ISSU Leia na íntegra edição 65 da revista SESC TV.