Postado em
O espaço do teatro na TV
Amilcar M. Claro, diretor, roteirista e produtor de cinema e de televisão, é formado pela Escola de Comunicações e Artes da USP, tendo também estudado nas universidades SFAI e UCLA, nos Estados Unidos. Seus trabalhos em cinema como diretor e roteirista incluem os filmes Náufrago, Roberto e Imensidade, que, juntos, conquistaram 32 prêmios no Brasil e no exterior. Dentre as séries que dirigiu para a TV, encontram-se O Teatro Segundo Antunes Filho, em seis capítulos, Mirada, em cinco capítulos, e Teatro e Circunstância, perfazendo 55 capítulos. Atualmente, ele finaliza Tríade – Galeria de Espelhos, longa-metragem que roteirizou, dirigiu e produziu.
O teatro ainda é o grande berço de formação dos atores de TV no País?
A formação do ator passa necessariamente por escolas de arte dramática, ou escolas de teatro, onde o profissional em formação adquire recursos próprios para o desempenho do ofício. São abundantes as técnicas interpretativas no teatro, formando atores capazes de se adaptar a linguagens como as do cinema e da televisão – também diferentes entre si. Portanto, o teatro é e continuará sendo o grande formador de atores, também para a televisão e para o cinema.
Em contrapartida, não falta espaço na televisão para discutir e divulgar a produção teatral brasileira?
A televisão realmente não costuma incluir o teatro entre as matérias de seus noticiários. Sobretudo a televisão aberta, exceto talvez alguns canais culturais, ou anúncios comerciais pagos de algumas encenações. Algo a lamentar-se, de difícil entendimento, já que ocorre em um país possuidor de um teatro rico, variado, inteligente e imaginativo como o nosso.
Como a TV poderia ajudar na popularização do teatro no País? Isso se faz necessário?
A televisão poderia atuar como um divulgador muito especial, se incluísse em sua programação matérias sobre teatro, abordando a criação, realizando documentários e “making ofs”, estimulando a discussão e abrigando nas pautas de seus noticiários matérias sobre estreias importantes – sobretudo no sentido artístico. E isso, claro, vale também para nosso cinema, especialmente o independente.
Por que, afinal, a TV brasileira não costuma incluir o teatro em sua programação?
São linguagens a meu ver incompatíveis, sendo em tudo diferentes as interpretações para teatro e para TV, ou para cinema. A câmera de TV ou cinema permite que uma cena seja feita de todas as maneiras. Já o teatro oferece um único ponto de vista, o da plateia, que assiste à peça em plano geral. São coisas distintas e que exigem interpretações distintas. Assim, costuma ser bastante aborrecido assistir a peças teatrais – ao teatro filmado – através da televisão, ou do cinema, a menos que elas recebam as necessárias adaptações – o que, em última análise, as descaracteriza como peças teatrais. No entanto, reitero minha opinião de que os canais de televisão importantes, com toda a penetração que possuem, deveriam trazer aos espectadores, notadamente através de seus noticiários, maior divulgação daquilo que vai pelo mundo do teatro.
Os ganhos financeiros dos atores e diretores são muito diferentes no teatro e na TV? Isso de certa maneira explicaria o fato de muitos profissionais atuarem nas duas frentes?
Com certeza, sob o aspecto financeiro, nem o teatro nem o cinema brasileiros têm como competir com o que é pago pelos canais hegemônicos de televisão aberta a seus elencos. Esses canais dão às atrizes e aos atores dinheiro e fama, não raro mantendo-os sob contrato, e passam a ser para eles o principal meio de vida. Esses artistas notabilizados pela TV vez por outra até realizam filmes e peças, mas via de regra somente quando o cronograma da TV empregadora permite.
Não haveria uma distorção no que o grande público percebe hoje como o teatro produzido no Brasil? Uma peça estrelada por um ator de novela, por exemplo, não ganha muito mais visibilidade que produções, digamos, independentes? Como fugir desse viés?
Eis uma questão relativa, pois observa somente o circuito comercial do teatro brasileiro, que é apenas uma das modalidades. A mais vigorosa produção teatral brasileira, hoje, repousa no conceito de teatro de grupo. Uma produção que, de um modo ou de outro, procura dialogar mediante sua arte com a comunidade onde atua. Os grupos podem algumas vezes apresentar-se em teatros convencionais, de palco italiano, mas regularmente preferem espaços alternativos, arquiteturas teatrais inesperadas como uma igreja, um hospital, um rio! – e mesmo a praça pública, a rua. Para esses artistas teatrais e suas peças jamais falta público. Um público, porém, não considerado no “mercado” pela grande imprensa.
O objetivo da série Teatro e Circunstância seria ampliar o contato do espectador com novas formas de linguagem cênica?
Também. Mas, para além disso, ampliar o contato do telespectador com as múltiplas formas de produção teatral, de técnicas cênicas e interpretativas, de gêneros e estilos; e trazer ao espectador os diferentes bastidores do teatro brasileiro atual.
Como surgiu a oportunidade de fazer a série? Como ela se desenvolveu?
Sebastião Milaré – roteirista desta série – e eu já havíamos realizado para o STV, canal antecessor do SESCTV, a série em seis capítulos de 52 minutos O Teatro Segundo Antunes Filho. Era sobre a vida e mais especificamente a obra e o método de formação do ator desse grande diretor teatral brasileiro, considerado um dos cinco mais importantes do mundo. A série, posteriormente também transmitida pela TV Cultura, aberta, alcançou em ambos os canais muito boa repercussão. Quando iniciamos as tentativas para a sua produção com o SESCTV, foi constatada a necessidade de traçar uma pauta sobre a produção teatral na cidade de São Paulo, e o canal propôs que o tema do primeiro capítulo fosse o movimento da Praça Roosevelt. A série Teatro e Circunstância passou a ser roteirizada por Sebastião Milaré e dirigida e produzida por mim. Seriam 27 capítulos gravados inteiramente no Estado de São Paulo, em especial na capital. Realizada e exibida, de novo alcançou boa repercussão por todo o Brasil, mais ainda no meio teatral. Isso nos fez visualizar conjuntamente – televisão e criadores – a possibilidade de realizar mais capítulos, agora em 28 programas contemplando o teatro, sobretudo o de criação coletiva e o de rua, por todo o país. Aprovada a ideia, seguiram-se sessenta dias de pesquisas realizadas por Milaré. E, eleitas as companhias pela direção da televisão, fomos com equipe completa a campo durante três meses, colhendo entrevistas e material de apoio.
Leia na íntegra edição 66 da revista SESC TV: