Postado em
Velhice, televisão e cinema
Nesse momento histórico, em que o mundo envelhece de forma progressiva, se faz cada vez mais urgente a reflexão sobre o complexo processo de envelhecer, o seu lugar e representatividade na cultura.
De modo geral observamos um aumento da visibilidade na produção cinematográfica sobre temas relacionados à velhice, bem como uma mudança significativa dos papéis que os idosos representam na atualidade, e seus dilemas. Como por exemplo, a telenovela Mulheres Apaixonadas (2003), que aborda a questão da agressão e dos maus tratos aos idosos por meio da personagem Dóris aos seus avôs. Outro exemplo recente foi a telenovela Babilônia (2015), em que um casal de octogenárias, formado pelas atrizes Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg enfrentou preconceitos por construir uma relação homoafetiva sólida ao longo dos anos.
No entanto, assistimos ainda, em algumas telenovelas brasileiras, produções que enfocam a velhice equiparando-a à doença, à inutilidade. Vemos personagens que representam idosos dependentes que “pesam” a convivência familiar – muitas vezes na condição de acamados, necessitados de cuidados intensivos. Outros aparecem como meros figurantes: idosos jogando dominó; velhas fazendo crochê, ou cuidando de assuntos superficiais ou somente de questões domésticas. Ou, ainda, os papéis que representam os idosos com infantilização: o idoso volta a ser criança e por isso não se deve levá-lo muito a sério. Dá-se também o radicalmente oposto: uma forte negação do idoso na cultura por meio da geração “botox e malhação”, como se fosse possível realizar uma espécie de “reposição hormonal” para se retardar o envelhecimento.
Contudo, as produções cinematográficas parecem estar mais antenadas à realidade das diferentes faces da velhice, uma vez que o processo de envelhecimento é singular para cada pessoa, ocorrendo a partir da sua biografia, do momento histórico e cultural em que se vive. Assim, vemos temas e dilemas existenciais que parecem abordar a maturidade de forma mais fiel ao que significa estar idoso na contemporaneidade.
Nos últimos 10 anos os idosos conquistaram mais espaço no que diz respeito à produção cinematográfica, seus personagens abordam temas que discutem o papel social do idoso, solidão, amor, sexualidade, política, relações transgeracionais, violência, viuvez e até mesmo a finitude da vida.
Tal representatividade tem ficado explícita em produções como: Alguém Tem que Ceder (2003), comédia romântica. Nela, um idoso bem-sucedido e interessado em relacionar-se com mulheres jovens, enfrenta conflitos no relacionamento que tem com uma mulher de sua idade. Antes de Partir (2007), comédia dramática. Dois idosos com câncer, com pouco tempo de vida, fazem uma lista de tudo o que gostariam de fazer antes de morrer e saem pelo mundo para viver essas experiências. Hanami Cerejeiras em Flor (2008), romance. Ao receber a notícia de que seu marido está com uma doença que lhe dá poucos meses de vida, os médicos sugerem que o casal aproveite os últimos momentos para viajar ou realizar alguns de seus sonhos. Chega de Saudade (2008), drama. Idosos e jovens que participam de um baile lidam com sentimentos como o amor, solidão, traição e desejo. No famoso argentino Elsa e Fred- Um Amor de Paixão (2005), drama, um viúvo sistemático que vive só vai morar ao lado de uma senhora cheia de vida, pela qual se apaixona. Amor (2012), drama-romance, um casal de idosos apaixonados pela arte, vive os desafios da velhice que afetam seu relacionamento com a filha. Up Altas Aventuras (2009), comédia dramática. Um idoso de 78 anos é um vendedor de balões e está prestes a perder a casa em que sempre viveu com sua esposa, já falecida. Após um incidente, ele faz com que sua casa “levante vôo” com o uso de bexigas coloridas. Garotas do Calendário (2003), comédia. Senhoras de uma associação nacional são convidadas a fotografarem nuas para uma campanha publicitária. Minhas Tardes com Margueritte (2010), drama. O filme conta a história de Germain, um jardineiro que teve uma infância difícil e foi maltratado pela mãe. Sua vida começa a mudar quando numa tarde, encontra Margueritte. Poesia (2010), drama. Uma senhora idosa aprende a fazer poesia em curso especializado perto de sua casa. Ela também precisa lidar com uma confusão causada por seu neto.
A crescente produção cinematográfica, que mostra como tratar da velhice no cinema, tem proporcionado um lugar de resgate e visibilidade aos elementos fundantes da vida: o idoso e seu destino humano. O grande público quando assiste aos filmes encontra possibilidades de afetação, revisão e reflexão acerca das necessidades oriundas do envelhecimento humano. Momento sensível que demanda lugar inter-humano na cultura, e nesse sentido o cinema se torna lugar para diferentes elaborações subjetivas, transformações de valores, atitudes e comportamentos de gerações, portanto vital para o reposicionamento do papel do idoso na cultura.
Fernando Genaro é psicólogo, psicanalista, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, Doutor em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Atualmente é clínico em Belo Horizonte e desenvolve pesquisas no âmbito do envelhecimento e suas interfaces com a psicanálise e filosofia.