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Vídeo-arte: o olho do diabo?

José Roberto Aguilar é pintor, videomaker, performer, escultor, escritor, músico e curador, considerado um dos pioneiros da videoarte no Brasil.

"Video-tape é o olho do diabo. Mas também o único que pode transmitir visões do paraíso". Frase do grande sábio chinês Mao-vê-tê do século III A.C., período dinastia So-ny. A lente é filha de Copérnico e Galileu. Condutora de realidades. Traz mais perto de visão. Zoomm. A máquina fotográfica ou de filmar. A física mecânica, Guttenberg filmando o rio socrático, a dança da alma de Aristóteles sempre presente no roteiro. Descartes comprou sua Leica com uma grande angular polida por Leibniz. Marx filmou as lutas de classes, fantasiado de Eisenstein. O cinema americano herdeiro do pragmático inglês. A Nouvelle Vague em busca do tempo perdido. Dashall Hammett e Hemingway com Jesse James e Sundance Kid matando pele-vermelhas e bolivianos no bar da esquina do Texas. Glauber Rocha, Bressane, Nelson Pereira dos Santos, na feira hippie da Praça da República. A lente filtra a todos, em todos os cantos e em todas as esquinas. Diagramação do tempo. Começo, meio e fim. Imperando absoluta, a cadeira do espectador. O Deus Cinema. O expectador incólume. O crítico no seu ridículo papel de rei sol, absoluto. Alguém gritou: "QUE A LUZ SE FAÇA". A mão apertou o interruptor, como vai dona eletricidade? E o vide-tape entrou em cena.

Não aparentemente o vide-tape não tem nada que ver com a realidade. Você olha através da câmera e não enxerga nada; está tudo escuro. É preciso conectar a câmera com o gravador e ligar na eletricidade. A imagem se forma na câmera através de uma tradução da realidade, filtrada pelo videcom, equacionada através de pontos, e impulsos eletrônicos. Daí você não só vê a realidade, mas realidade mais a tessitura de nervos do agora.

A luz contém alma. Ondas vibratórias que envolvem objetos e pessoas adquirindo e conduzindo o humor do momento. Tem dias que o equipamento se recusa a trabalhar. A gente põe a mão na cabeça e pensa na fortuna que vai ser para consertá-lo. No dia seguinte, a gente liga e ele está funcionando maravilhosamente. A única explicação é que o equipamento traduziu vibrações negativas e se recusou a trabalhar. Quando a causa é existencialmente justa, o aparelho nunca deixa de funcionar. Experiência de cinco anos de "video-teipeiro". Mil exemplos sem tempo de contá-los. O vídeo-tape abomina a visão profana. Ele capta imediatamente e o pior, registra. Não há nada de mais desolador do que um vídeo gratuito. Porque ele é o seu olho, a sua visão de mundo, a tia alemã Weltschauung. O olho é maior bandeira, bicho. Se você não estiver em seu centro, seu vídeo vai estar mais desencontrado que a seleção do Coutinho.

A revelação da película cinematográfica é química e o resultado é uma combinação de dosagens de luzes. O cinema é uma extensão do olho enquanto olho, o vídeo é uma extensão do olho enquanto sistema nervoso. Papai McLuhan chegou aí. O vídeo através da captação atômica e da aura te tira da visão de expectador e de crítico e te joga num envolvimento voluntário ou não. O tempo linha reta não existe. É um tempo interior que pode demorar um minuto ou duas horas. Ou melhores fazedores de vídeo (videomakers) foram os pré-socráticos. Heráclito era um craque. Os vídeos de Empedocles era de primeira linha. Parmênides deixou Paik de boca aberta. Guimarães Rosa, embora nunca ter sabido de videoarte, realizou magníficos trabalhos neste campo. Não é necessário ter equipamento para realizar videoarte. Basta estar afinado com a aqui e o agora. E a copa do mundo é nossa. Entre os orientais, os melhores vídeos são os dos fazedores de hai-kais. Outra informação útil e sigilosa: o vídeo-tape não é cristão, não tem sentimentos de autopiedade, expiação e do bem e mal, embora possa ter muito amor e respeito pelos seus semelhantes e desemelhantes. Em uma palavra, ele não é dualista. Em matéria de religião ele puxa mais para o zen-budismo.

Estava à toa na vida, no meu glorioso atelier, quando uma carta passa por baixo da porta colonial de cinco metros. É um convite do Cayc para um Encontro Internacional de VideoArte e ser realizado em Tóquio. Como de hábito, estou duro. Olho tristemente pela janela e vejo minha brasília branca. Iluminado, exclamo: "Ah, carrinho meu, você vai me levar para o Japão. "Vendi a brasília e fui para o Japão.
 
Um dos maiores incentivadores da videoarte foi Jorge Glusberg, chefe do Centro de Artes y Comunicaciones de Buenos Aires. Realizou vários encontros internacionais dos quais participei, o de Tóquio e o glorioso Encontro de Video Performance no Centro de Artes Georges Pompidou, em 1978. Eu mesmo organizei o primeiro Encontro Internacional de Video Arte no MIS, São Paulo, em 1977. E depois nasceu o Videobrasil, o vídeo em cores, e a videoarte se ornando uma linguagem própria. E uma plêiade de grandes videomakers surgiu como Eder Santos, Tadeu Jungle, Rafael França, Walter Silveira, Geraldo Anhaia Melo, Lucila Meirelles, Lygia Pape, Otavio Donasci e muitos e muitos outros. Melhor ainda a VA se universalizando em arte, se amalgamando na arte. Como arte feita em papel, arte feita em canvas, arte feita em vídeo, TUDO É UMA COISA SÓ.

Vamos deixar o passado tranquilo porque agora nasce uma nova revolução, uma nova explosão estelar.

A engenharia das câmeras de vídeo enlouqueceu. Temos GoPro a duzentos reais, cogumelos de câmeras que registram em 360 graus e etc, e isto tudo desaguou na virtualidade da Augmented Reality, Realidade Aumentada. O cânone da física clássica propunha o espectador como Observador Absoluto, sentado em seu trono observando todos os fenômenos. A física quântica eliminou o posto de Observador Absoluto e comprovou que todos os fenômenos recorrentes interagem com ele. Neste momento ele entrou no jogo. O cinema, desde os tempos de Méliès até hoje, botou o espectador confortavelmente em sua cadeira. E o regente escondido era o montador. Com a Realidade Aumentada você não vê em uma só direção, não precisa presenciar uma só ação. Tadeu Jungle realizou um excelente documentário, pioneiro, sobre a tragédia de Mariana, com esta técnica, que é mais do que técnica, é uma nova visão de mundo.