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7 CAMINOS

Quando percorremos um longo caminho e voltamos ao mesmo lugar, é natural, não de imediato, traçar uma linha que dê conta de aproximar os acontecimentos com o resultado final da saga. Acontece no cinema, acontece na música, na arte e, ora, acontece na vida real de carne, osso e sinapses. Quando menos damos conta, estamos imersos naquela ponta de experiência transformadora que culminarão num novo ciclo de indagações e aprendizados que vão nortear nossa nova trajetória neste mundão.

É com esse espírito que o Selo apresenta o seu novo lançamento, onde ritmos e timbres latinos e de matrizes africanas, se fundem com harmonias e melodias do cancioneiro brasileiro e do choro. Um encontro festivo com instrumentação, canto, dança e poesia que estavam na cabeça do violonista Emiliano Castro e agora, finalmente, estão materializadas num disco autoral com 9 faixas que dizem muito sobre sua passagem por três continentes: África, morando em Moçambique, na início da infância; Europa, tendo estudado violão flamenco em Barcelona e, por fim, Brasil, estando imerso no universo da música brasileira com seu violão 7 cordas a tiracolo.

Em 7 CAMINOS, Emiliano Castro faz desta convergência o novo território do seu violão de 7 cordas em repertório autoral. Composições brasileiras que nascem do choro, Villa-Lobos e Tom Jobim, se inspiram no flamenco e se alimentam nas Áfricas e nas Américas genuínas de Paco de Lucía, Bonga e Pablo Milanes. O disco encontra-se disponível nas plataformas de streaming, no Sesc Digital e também a venda na Loja Sesc.

Como de costume, legamos a Emiliano a missão de descrever este processo cheio de mestres, tradições e referências musicais. Leia no texto abaixo.

 

      


 

7 Caminos
Capa do disco 7 CAMINOS | Elifas Andreato

 

7 CAMINOS

por Emiliano Castro

 

7 CAMINOS começou a ser percorrido em 2006, ano seguinte à minha volta ao Brasil depois de quase 5 anos em Barcelona. Naquele ano batizei de “Siete Caminos” um concerto de violão flamenco solo que segui apresentando por bons anos com meu 7 cordas. O nome era forte mas a verdadeira travessia foi lidar a partir dali com diferentes timbres de violão, sabores, humores, sotaques corporais que tinham se incrustado com os anos e agora viviam em minha casa, meus também. Antes a casa era do choro, das danças de par, das cantorias, do lirismo popular e classudo brasileiro, aquelas nossas áfricas todas... Viviam aqui também, claro, as áfricas dos outros, reggae, blues, rock e dava pra ouvir os vizinhos cantando umas coisas lindas em espanhol na casa ao lado de vez em quando, mas a gente não se encontrava muito.

Num dia bonito meu violão me levou para a terra dos violões, a terra do flamenco. Lá as casas eram antigas, grandes, cheias de mestres e tradições muito fortes, cheias de novos irmãos de diversas partes do mundo. Fui bem-vindo. Fui ficando mais do que eu previa, fui gostando e abrindo as portas da minha casa. Não sei bem quando, deu meu tempo de trazer o 7 cordas de volta. Travessia brasileira.

Maçã mordida, ficou difícil distinguir o que já era daqui e o que vinha de lá. Em especial um sentimento familiar que talvez sempre tenha existido, talvez só tenha sido rebatizado... uma coisa popular, serena, lasciva e impetuosa que o povo chama de latinidade.

O que importa é que nesse vai e vem nasceu a necessidade estética de frequentar aquela região de encontro entre Europa e África e nisso passei a me encontrar muito também com aqueles vizinhos que já cantavam coisas lindas em espanhol na casa ao lado. O lar seguiu de portas abertas, sempre com aquele som brasileiro inconfundível, sempre cheio de estrangeiros bem-vindos, como eu. Por verdades da alma, passei a perfazer diversos caminhos imaginários de ida e volta pelo Atlântico, a aproximar os mundos.

Muitos capítulos adiante, depois de travessia longa marcada por episódios de vida e música que me transformaram muito, 7 CAMINOS finalmente aporta em 2020. Depara-se com uma época de vilipêndios dolorosos, desafiadora como poucas para o Brasil e para o planeta mas chega pronto para fortalecer uma verdade mais antiga que a primeira lira: a de que a capacidade de nos vermos no outro e de vermos o outro em nós nos melhora. O amor dá coragem e as nossas diferenças nos engrandecem, viram timbres, sabores, humores e sotaques em um mundo fértil. As gerações se sucedem quando conseguem transferir amor. Se falham nisso, interrompe-se o processo. Esse amor conta ao futuro como foi que deu para chegar até aqui e sugere como seguir. As nossas crianças - sempre um tanto estrangeiras e para sempre donas da Casa Comum - precisam da coragem que ele traz.

Agora posso ver que 7 CAMINOS é um pássaro vermelho-lindo tranquilo, forte e bom, empoleirado em um barco de papel, singrando um oceano muito vivo, do verde-azul preferido delas, num verão atlântico.

Como a capa do Elifas este álbum é dedicado às minhas filhas Anabel e Malu. Meu desejo é que elas o vejam muitas vezes e de perto, como à capa do Elifas. Como aos outros.

 

Cada palo deste álbum

Cada palo deste álbum é estrangeiro. Me entreguei quanto pude aos mestres e às referências, mas nem eles nem eu acreditamos demais na pureza. Como compositor fiz da necessidade uma virtude e assino como músico brasileiro. Nem as bulerías, taranta, soleá, tangos e granaína de lá, nem a milonga, chacarera, choro, funk, son, tina, aboio, rock ou outras referências que encontrem por aqui podem figurar como exemplares. São sim verdadeiras. Vêm ao mundo desde um lugar profundo no corpo e por elas mestres e povos se nos fazem mais próximos. Sorrio, me entrego e agradeço.

 

 

Os artistas deste álbum

Os artistas deste álbum terem se reunido é algo incrível. Como é incrível perceber o tamanho do mar, de uma floresta ou de uma cultura desconhecida. Nessas horas pega bem não estar sozinho, saber com quem se está e dispor de algum tempo. Dançar pega bem também.) Forças da natureza. Por isto e para o caso de alguém não os conhecer, faço uma descrição muito breve de quem são:

Jorge Pardo, de Madrid, mestre protagonista de diversos capítulos fundadores da história do flamenco e do jazz, é um homem que realiza o sonho dos poetas: sabe em sua viçosa juventude o que a maturidade reserva a poucos.

Javier Colina, basco residente na região de Madrid, jazzista residente no flamenco, é dos maiores músicos para quem as musas já dançaram. Como se a paz encarnasse, desarma as guardas, funde jondura e liberdade, sanidade e loucura, reconcilia inferno e céu.

Mû Mbana, da Guiné-Bissau residente na região de Barcelona, é um bruxo encar-regado de nos salvar em festa. Cada sorriso seu, cada tempo dedicado a uma outra pessoa a ajuda a intuir o bom caminho com autonomia. Como as águas sabem fluir, as pessoas podem recobrar a integridade perdida nas cidades. Mû tem gravidade, densidade e leveza.

Camilo Zorrilla, chileno, francês, espanhol, desde sempre corintiano e há um bom tempo brasileiro, é conhecedor do continente latino-americano. Ouve com o coração, toca com alma, canta como um apaixonado e luta como um bravo. Quando a vida endurece costumo contar com a sua sensibilidade.

Luciano Khatib, poro por onde o flamenco respira na cidade de São Paulo, é como o ogã de algum orixá andaluz: acompanha a música como o escolhido para permanecer lúcido durante os trabalhos, garante a conexão com a força das tradições. Timbre e suingue que oxigenam o transe.

Isadora Nefussi, brasileira, dançava flamenco no ventre da mãe ao compás de seu pai Khatib. Sua raiz, destino e verdade antecedem suas escolhas: graça. No corpo desenha nossos palcos, nos pés hipnotiza e desperta nosso público.

Adonias Junior, mineiro há muito paulistano, conciliou três sacerdócios: música, eletrônica e acústica. Certamente é alquimia – algo muito científico e que transmuta dimensões como o tempo – o que ele faz parecer brincadeira em seu templo com prazer e cumplicidade. Arte e ciência, Arsis.

Ricardo Mosca, um querido de outras travessias – dos caras mais próximos de uma unanimidade que eu conheço – e Felipe Tichauer – parceria de ouro recém conquistada – são o que de mais poderoso e tesudo o nosso som poderia desejar ser.

Elifas Andreato é a razão pela qual conseguimos visualizar a intangível música popular brasileira. Acredito que todas as imagens vêm dele, mesmo as que ainda não foram designadas. Seu olhar inverte propositalmente a equação: não nos mostra o que há mas o que havia antes de a ideia conseguir virar coisa.

Os inspiradores da linguagem musical são muitos, vão se incrustando na gente por caminhos diferentes e não rastreáveis. Nomeio aqui alguns mestres e amigos cujos ensinamentos incidiram conscientemente sobre o 7 CAMINOS: Ale Kalaf, Aniel Someillan, Beto Angerosa, Carlos Mantilla, Conrado Gmeiner, Daniel Doctors, Daniel Murray, Daniel Xingu, Danilo Penteado, Fábio Veroneze, Flavio Rodrigues, Gabriela Machado, Irene Atienza, Jony Gonçalves, Josemi Carmona, Lamérica, Manuel Granados, Maurizio Del Río, Máximo Colombo, Míguel Moreno, Paulo Bellinati e Swami Jr.

 

Emiliano Castro, violonista, produtor e arranjador
 

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