Henrique Oswald (1852-1931) nasceu no Rio de Janeiro, filho de pai suíço-alemão e de mãe italiana. Viveu a infância e a adolescência em São Paulo, partindo com a mãe para Florença, onde estudaria e viveria durante décadas. Casou-se e teve quatro filhos, entre os quais o pianista Alfredo Oswald e Carlos Oswald, que se tornaria o pioneiro da gravura em metal no Brasil. Em 1902 receberia o primeiro prêmio por sua composição Il Neige, láurea recebida do jornal “Le Figaro” em Paris, em concurso em que concorreram 647 peças de autores de todo o mundo. Após breves viagens ao Brasil, retornaria definitivamente ao país em 1903, onde inicialmente dirigiu o Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro. Permaneceu no estabelecimento durante décadas, tendo orientado gerações de músicos que se destacaram no cenário brasileiro. Faleceu em 1931 no Rio de Janeiro. A obra de Henrique Oswald abrange vários gêneros: sinfônico, camerístico, coral, operístico e, sobretudo, piano solo.
Vinte anos separam dois segmentos do presente CD consagrado ao mais importante compositor romântico brasileiro. Primeiramente, temos obras para violino e piano, gravação realizada em Bruxelas para o selo PKP em 1995. O violinista belga Paul Klinck e eu gravamos a versão integral para violino e piano do notável compositor. Em 2015, também na Bélgica, na pequena cidade de Mullem, gravei obras de Oswald para piano solo.
Selecionamos, do CD de 1995, a Sonata op. 36, de 1908, e três peças avulsas. A Sonata op. 36 em Mi maior tem quatro andamentos, sendo das mais significativas sonatas do período em termos mundiais. Composta em 1908, foi apresentada em primeira audição em 1912 no Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro, tendo o compositor ao piano e Ricardo Tatti ao violino. Dos seus quatro andamentos contrastantes, o terceiro – Andante, molto expresivo – fora composto anteriormente. Das nove peças avulsas que integravam o CD de 1995, separamos três, nas quais a filiação romântica é plenamente detectada. A Romance op. 7 nº 2 é uma transcrição de uma Romance sans paroles para piano, enquanto a Romance (andante con moto) é original para violino e piano (1904). Bem posteriormente Henrique Oswald comporia o expressivo Nocturne (1926).
A destinação para piano solo é nítida em Oswald. Foram dezenas de pequenas peças para o instrumento, que se apresentam reunidas em coletâneas de até seis peças, como “Suítes” e “Feuilles d’Album”, ou mesmo no formato miniaturas, como as Machiettes (12 peças) ou Bluettes (10), estas presentes no atual CD. Há também criações curtas avulsas. Essas composições se destinavam a saraus da classe social que cultuava a criação de curto fôlego, tanto na Europa como no Brasil do século XIX às primeiras décadas do século XX.
Na configuração miniaturas, a coletânea Bluettes (Dix petits morceaux pour piano) representa quadros de flores e foi composta entre 1887-1888 em Florença. O manuscrito autografado, que me foi presenteado pela neta do compositor, Maria Isabel Oswald Monteiro, apresenta as peças de nº VII e VIII anuladas pelo autor através de riscos precisos. Um estudo mais acurado, contudo, levou-me a considerá-las válidas, pois estão rigorosamente perfeitas na escrita. Essa assertiva preserva a bela coletânea, portanto dando vida às flores Bluet e Pervenche. Posteriormente, Oswald editaria seis das Bluettes, mas não mais com nomes de flores e sim de sentimentos, num álbum denominado “Sept Miniatures”.
As duas Valsas op. 25 tipificam a destinação da pequena peça para apresentação em saraus de uma sociedade florentina burguesa com olhar aristocrático. Essa prática era bem sedimentada em alguns países europeus. Comunicativas, as duas valsas foram editadas no período.
En Rêve é composição idílica e foi dedicada à aluna e admiradora Leozinha Magalhães, primeira biógrafa do compositor. O filósofo e musicólogo francês Vladimir Jankélevich considera que Noturno, Berceuse, Barcarola e Revêrie fazem parte de um mesmo universo ondulante. Aliás, são inúmeras as criações de Oswald obedecendo a essa dedicação precisa. Os dois Nocturnes op. 6 se situam entre o que de melhor no gênero foi escrito no período. Faz-se presente a influência francesa. Oswald, em muitas de suas composições para piano, evidencia a nítida admiração por César Franck (nascido na Bélgica), Camille Saint-Saëns e Gabriel Fauré.
Dos Trois Études para piano de 1910, Oswald realizaria versão orquestral do primeiro, sob o título Paysage d'Automne. Do segundo Étude, duas versões, sendo a segunda editada juntamente com os dois outros Études. Optei pelo primeiro manuscrito, não editado. Neste, Oswald não emprega o ritmo sincopado na melodia encontrável na segunda versão. Como é o único dos três Études sem indicação de andamento, a rítmica utilizada no manuscrito primeiro tende para uma interpretação mais cômoda.
Encerra o CD a extraordinária Valse-Caprice op.11 nº1. Temas contagiantes e virtuosidade caracterizam a Valsa-Caprice. Juntamente com a Polonaise de 1902, dedicada à pianista Antonieta Rudge, tem-se, possivelmente, as duas criações mais esfuziantes para piano de Henrique Oswald.
O presente CD privilegia dois dos compartimentos mais caros a Henrique Oswald. Ouçamo-lo imbuídos desse espírito característico da segunda metade do século XIX, penetrando as primeiras décadas do século XX. De 1978, quando iniciei a prospecção da obra de Oswald, até o presente, passos enormes foram dados, não apenas no plano acadêmico, como na divulgação de sua obra, em ascensão alvissareira no Brasil e no Exterior.
José Eduardo Martins