O álbum Wanderléa Canta Choros faz um movimento de volta às origens: a cantora revisita seu início de carreira como intérprete em programas da Rádio Mayrink Veiga, quando era acompanhada do Regional do Canhoto, e realiza seu projeto de valorização do choro, destacando o caráter original e primevo desse gênero na música brasileira. Esse lançamento do Selo Sesc, chega agora com suas doze canções ao Sesc Digital e às plataformas de streaming.
“Wanderléa se entrega – com dedicação e conhecimento – a esse gênero fundador, marcado por uma mistura entre o erudito e o popular e pela genialidade de seus instrumentistas na criação e na execução das composições”, diz Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc São Paulo. “Ao lançar mais esta obra, o Sesc SP reforça sua ação eminentemente educativa de democratização do acesso aos bens culturais, ao contribuir para a difusão de um dos marcos da música popular e da cultura brasileiras, estabelecendo um diálogo entre a produção contemporânea e o legado histórico. A homenagem de Wanderléa ao choro enriquece o repertório da cantora e valoriza um gênero musical centenário, em constante renovação”, comenta.
A associação da figura de Wanderléa com a Jovem Guarda ainda é muito presente, dado o sucesso desse que foi um dos grandes fenômenos culturais de massa do país, mas, em sua trajetória, Wandeca percorreu diversas vertentes da música brasileira, tendo gravado compositores como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gonzaguinha, Sueli Costa e Egberto Gismonti. Agora, através do Selo Sesc, ela lança pela primeira vez um trabalho dedicado ao choro, com um repertório que traz clássicos como Carinhoso, de João de Barro e Pixinguinha, Brasileirinho, de Waldir Azevedo e Pereira da Costa, e Pedacinhos do Céu, também de Waldir Azevedo e Miguel Lima. Além disso, o álbum possui a canção inédita Um Chorinho para Wandeca, composta por Douglas Germano e João Poleto em homenagem à relação da cantora com o gênero.
“O choro me encantou desde pequena. Quando ouvia Ademilde Fonseca, articulando com extrema maestria a poesia daqueles versos, que se encaixavam com perfeição na sonoridade daquele repertório musical, era tudo muito mágico e eu, ainda bem menina, me divertia tentando acompanhar a rapidez poética daqueles versos, dentro do malabarismo e da beleza daquelas lindas melodias”, conta Wanderléa. “Hoje, neste disco de choros, neste resgate afetivo, realizo um sonho trazendo minha contribuição com autores pioneiros na criação desse ritmo que tanto valoriza nossa cultura nacional”, complementa.
Wanderléa influenciou gerações e, com seu estilo de cantar, abriu portas em gêneros musicais que ainda tinham pouca ou nenhuma presença feminina. Sua figura ditou moda, comportamento, estilo de vida e empoderamento feminino no campo social. “Este encontro de uma intérprete, que faz parte da formação afetiva do povo brasileiro, com o choro está pautado por quem ela é, por tudo o que canta, pelas pessoas que ela toca e pela plenitude do que vive”, diz o diretor artístico do projeto Luiz Nogueira.
O álbum Wanderléa Canta Choros também traz um time de ouro com sete arranjadores, entre eles João Poletto e Milton de Mori, referências do choro paulista, e Angelo Ursini, professor da Escola Portátil de Música na Holanda. O trabalho chegou ao público com o single Delicado, canção de Waldir Azevedo e Ary Vieira, com a participação especial de Hamilton de Holanda.
Para celebrar esse momento tão aguardado de sua carreira, Wanderléa preparou um show especial que acontecerá em duas unidades do Sesc em São Paulo. Os primeiros shows serão nos dias 20 e 21 de maio, no Sesc Pinheiros, e, na semana seguinte no Sesc Santos, na sexta-feira, dia 26.
Wanderléa Canta Choros, por Cláudio Leal
A Wanderléa da jovem guarda, das tardes roqueiras de domingo e da revolução feminina, nos anos 1960, escondia o que agora revela em Wanderléa Canta Choros. Durante a sua aventura comportamental, que transformou a música e a mulher brasileiras, ela deixou em resguardo a paixão infantil pelo repertório das cantoras da era do rádio, como Carmen Miranda, Ademilde Fonseca, Dalva de Oliveira e Isaurinha Garcia, influentes na definição de seu canto.
Neste álbum, a sua primeira sensibilidade emerge em Carinhoso, de João de Barro e Pixinguinha, e nos clássicos de Waldir Azevedo – Delicado (com Ary Vieira), Pedacinhos do Céu (com Miguel Lima) e Brasileirinho (com Pereira da Costa) –, os choros ouvidos ainda na infância. Antes dos nove anos ela já participava de programas na Rádio Mayrink Veiga com o acompanhamento do regional do Canhoto – e de Altamiro Carrilho. O rei do baião, Luiz Gonzaga, também a fascinou nos anos em que viveu em Minas Gerais, como revela a sua gravação de Galo Garnizé.
Do baião ao bolero, passando pelo samba, a cantora mirim absorvia a brejeirice de suas vozes preferidas na história do canto feminino brasileiro. Na família de ascendência libanesa, sua mãe era uma fonte de canções e impulsionava a vocação da filha. Mais adiante, na adolescência, Wanderléa acompanharia orquestras dentro do repertório eclético de bailes. O desejo de gravar choros se manifestava desde o princípio, mas, no início dos anos 1960, seus planos enfrentaram uma ventania. Ela trocou a flauta, o violão e o cavaquinho, definidores do gênero urbano, pela guitarra elétrica da jovem guarda. Junto com Roberto e Erasmo Carlos, contribuiu para aclimatar o rock na alma nacional e se tornou a grande presença feminina do movimento.
Nessa altura, os nacionalistas acusavam a jovem guarda de falta de brasilidade, reação conservadora revertida pela crítica quando os tropicalistas passaram a celebrar as inovações formais da música de juventude. Wanderléa ouvia essas queixas injustas e engolia o choro que trazia em sua formação. Com coragem, os discos Wanderléa… Maravilhosa, de 1972, e Feito Gente, de 1975, marcaram a transição de seu repertório. No final dos anos 1970, com a colaboração do multi-instrumentista Egberto Gismonti, ela se lançou no experimentalismo estilístico. Faltava o salto para a infância.
Pouco antes da pandemia de Covid-19, em visita à sua filha Yasmin, na Holanda, ela esteve em um clube de choro e pensou em gravar um disco exclusivamente dedicado ao gênero. De volta ao Brasil, tendo em mãos um pandeiro, concluiu que aquela era a hora. Havia também um sentido de missão, pois desejava valorizar a vertente do choro nas origens de nossa música popular. Aos 78 anos, acompanhada por grandes instrumentistas, ela cumpre o sonho de adolescente, com direção artística de Luiz Nogueira, direção musical de Mario Gil, pesquisa de Roberta Valente e direção de mixagem de Lalo Califórnia. No estúdio, seu encontro com o bandolinista Hamilton de Holanda uniu duas gerações em torno da felicidade musical. “Felizmente ainda deu tempo de eu fazer esse resgate. Tudo acontece na hora certa. A jovem guarda me tomou muito. Na minha juventude inteira eu fui fazendo muitas coisas, não dava para parar, refletir, lembrar dos meus sonhos antigos. Parece que eu vim para cantar isso na vida. É a brejeirice brasileira”, conta Wanderléa. “Eu fico impressionada com as letras dentro do choro. Porque são elaboradas com uma agilidade poética. Elas se encaixam no virtuosismo.”
Sua musicalidade natural sempre foi destacada por Egberto Gismonti. Com o repertório de choros, seu canto explora zonas novas de sua expressão ágil e brejeira, mas não temos uma Wanderléa estranha a tudo o que fez em sua trajetória. Todas as suas experiências confluem para a redescoberta da primeira Wanderléa. Ela busca a si mesma e encontra seu destino na música popular. Um Chorinho para Wandeca, de Douglas Germano e João Poleto, não mente: “E aviso pra não te iludir/ Se você pensa aí que eu vou me despedir/ Se aquieta! Acabei foi de começar”.
Wanderléa Canta Choros está disponível para audição nas principais plataformas de áudio e gratuitamente no Sesc Digital. Os shows de lançamento acontecem no Sesc Pinheiros (20 e 21/05) e no Sesc Santos (26/05).