Fotografias de Cuca Nakasone recriam cenas de dezessete espetáculos do grupo Parlapatões, trupe reconhecida pela estética circense, pelo engajamento político e por fazer rir e pensar – e vice-versa
Por Rubens Fernandes Junior*
Qual é a relação entre o teatro e a fotografa? Uma pergunta aparentemente complexa, mas que evidencia uma interessante conexão entre as linguagens. A performance teatral é efêmera, e o documento fotográfico é duradouro. No teatro, quase tudo é ágil, instável, e a fotografia, por sua vez, detém com alguma precisão o gesto calculado, a expressão comovida. Um grito parado no ar e um instante fugaz selecionados no tempo narrativo. Dissonâncias que mantêm estranhos atratores que permitem que aquela imagem incrível da cena teatral seja gravada para todo o sempre.
No livro Parlapatões: no ato, organizado por Cuca Nakasone, podemos verificar a relação entre essas diferentes linguagens. Afinal, a fotografia é o registro do tempo no interior de uma caixa preta, enquanto o teatro é uma exibição fluida que também se desenvolve numa mágica e inspiradora caixa preta. Em que medida elas se interconectam e estabelecem alguma sincronicidade?
A cabeça de Yorick | Hugo Possolo | Foto: Cuca Nakasone
As fotografias aqui publicadas evidenciam que os possíveis embates produzem camadas de sentido entre as linguagens, que se entrelaçam e se contaminam. Diante delas, ficamos mobilizados; redescobrimos e reordenamos os momentos flagrados pelo artista, que, ao fotografar, recupera os instantes expressivos – dramáticos e cômicos – que nossas retinas não têm a capacidade de fixar. Essa relação entre o extremamente elaborado da sintaxe teatral e a imprevisibilidade do ato fotográfico é provocativa e merece nossa atenção.
Cuca Nakasone cria sua “caixa de mistérios” para buscar a atmosfera das cenas icônicas da curva dramática que quem ao longo do espetáculo. Momentos passageiros que emocionam a plateia. Paul Klee escreveu em seu diário que “a função do artista é tornar visível o invisível”. Como nossa capacidade de retenção daquele instantâneo mágico que nos instigou desaparece nas brumas da memória, a fotografia de Nakasone cumpre um papel que vai além do documento. Hábil observador, reúne e dá evidência à beleza e à tristeza. Ao sonho e à paixão. Somos novamente atravessados pelas palavras e emoções que perpassam suas imagens.
Prego na testa | Hugo Possolo | Foto: Cuca Nakasone
Aqui é interessante lembrar que seu domínio técnico faz emergir visualidades que são praticamente imperceptíveis para o nosso dispositivo visual-sensorial. Aproximar as personagens através da objetiva 18-135mm é um artifício que permite visualizar os detalhes do ápice da potência narrativa. Nakasone sabe pontuar sua leitura – planos mais abertos e detalhes – e enriquecer os registros com nitidez, cores, brilhos e transparências. Seu projeto estético, que envolve fotografia e teatro, é diferenciado e audacioso. Sua opção é a combinação ilimitada entre as linguagens, uma aliança marcada pela subjetividade que se distancia da lógica puramente documental.
Na trajetória do artista sabemos que primeiro ele se aproximou do teatro e depois da fotografia. Obstinado, se aprofundou nos fazeres para melhor articular as sintaxes. Ao fotografar o espetáculo, cria uma espécie de bolha, ou melhor, “um túnel de silêncio interno”. Invisível e estático, desloca seu olhar ao acaso até encontrar a beleza da cena. Flagra o momento decisivo em que há uma fina sintonia entre iluminação, cenário, sonoridades, movimentos, expressões e gestos singulares. Plena sincronicidade em que a convergência das variáveis torna sua fotografia um documento histórico para a cultura brasileira.
Com mais esta publicação das Edições Sesc, que estabelece o inventário de dezessete peças do grupo Parlapatões ao longo de mais de vinte anos, Cuca Nakasone adquire um lugar destacado na cena teatral e fotográfica.
*Rubens Fernandes Junior é pesquisador e curador de fotografia. Este texto foi originalmente publicado na orelha do livro.