Exercícios de perplexidade: aforismos, novo livro do psiquiatra italiano Mauro Maldonato, traz reflexões sobre temas como o inconsciente, racionalidade, tempo, alteridade e a linguagem
Por Manuel da Costa Pinto*
“Um arabesco suspenso entre o nada do passado e do futuro”. Essa formulação de Mauro Maldonato se refere ao “instante” como “única realidade do tempo”, mas bem poderia servir para definir forma e estrutura deste livro de aforismos. Exercícios de perplexidade tem seções dedicadas especificamente ao tempo e à linguagem — incluindo o próprio aforismo como modalidade de escrita que busca “perturbar o silêncio o menos possível” — e a temas complementares entre si como consciência, corpo e inconsciente; racionalidade, ciência e conhecimento, num total de doze partes.
Em todas elas, a opção pelo dialeto dos fragmentos amplifica uma disposição fundamental diante do mundo que já estava presente em outras obras desse psiquiatra e pensador. Em livros como "Passagens de tempo" e "Na base do farol não há luz", Maldonato empreendeu diálogos entre ciência, filosofia, psicanálise e neurociências que, para além de suas reverberações em nossa maneira de entender aspectos da educação e da noção de liberdade do ser, a todo momento interrogavam os fundamentos e os limites dessas disciplinas.
Trecho do livro
Agora, tais interrogações e os impasses a que levam são a própria matéria-prima dessas meditações perplexas, que assim se transformam também em exercícios metapoéticos — com arabescos de prosa cujas verdades provisórias cintilam como as iluminações de um instante suspenso entre passado e futuro, materializando na forma fragmentária a recusa do espírito de sistema e das ambições dogmáticas, totalizantes.
Em "Exercícios de perplexidade", essa deriva de linguagem reencontra a escrita luminosa, mediterrânea, de Raízes errantes, livro de ensaios que introduziu o autor italiano no Brasil. Tópicos cruciais como a “ciência da incerteza” e a alteridade reaparecem aqui num contexto dramaticamente contemporâneo, em que as fronteiras, as diferenças sócio-culturais ou identitárias e a “virtualização tecnológica do corpo” colocam questões de ordem ética e epistemológica, moral e política, encontrando uma resposta — sempre provisória, mas de tenaz cumplicidade — no pensamento de Mauro Maldonato.
*Manuel da Costa Pinto é jornalista e crítico literário. Autor de Literatura brasileira hoje, Albert Camus – um elogio do ensaio, entre outros. Este texto foi originalmente publicado na orelho do livro.