Postado em 03/05/2016
paisagem abstrata e antiga
na névoa metálica e cinza
nos olhos de um viajante sem rumo
imagens nebulosas
cheias de ar e poeira microscópica
voam rápidas
depois lentas
ao vento das lembranças
no espelho retrovisor
deste enorme trator
que remove o ferro das montanhas
(01/1990)
a palavra está na pedra
o poema na areia
o universo na janela
o planeta em ruínas
(01/1990)
plantaram jasmins pelos canteiros e
palavras nos corações errados
de fome os celeiros estão cheios
as flores secam nos cerrados
aves agourentas rapineiras
rastreiam as cidades brasileiras e
nós sonhamos com as estrelas
caídas dos bordados das bandeiras e
das lendas das tribos dizimadas
(03/1990)
os morros morrem
ficamos nós
os morros ficavam
nós íamos passando
vemos os morros morrerem
(tenho comigo uns pedaços)
acho que estamos vivos
vemos os morros passarem
(28/08/96)
trapizonga cristalina
geringonça vespertina
traquitana tramantina
transitória tamarinda
mandarilha crisotérica
aramado transtrançado
pendulante xamantino
tremulante cristalino
estreliça transluzina
pendurilho equilibrista
quazarólito vitrílico
meteórico fracticrílico
ikebina xavantina
transluzina refratária
cazulino(s) mobilito(s)
mobilares transitantes
cortinados transmitindo
quartzares de quasares
(01/2001)
um pombo-correio
de paz exaurida
faz seu ninho
sobre um canhão de guerra
muralhas de vidro
separam egolatrias
pneus queimando
fuzilados sob os muros de granito
deuses dormindo
sobre camas de isopor
chove chumbo grosso
você passa
como se não houvesse o mundo
(05/2002)
tenho aqui algum estranho patrimônio
um pedaço de credicard colado no cimento
um pincel de cerdas no cotoco
uma bola de ping-pong só no ping
e um jasmim murchando na redoma
oito guimbas de cigarro no cinzeiro
uma pena de mutum num jarro ocre
meu coração parado às quatro em ponto
e uma foto de você fora de foco
(27/09/96)
na adversidade
nos conhecemos
da diversidade
vivemos
(07/2013)
cicuta
> o grego bebia
> mas não queria
curare
> o índio fazia
> pra matar cutia
(09/2013)
Xico Chaves é poeta e artista visual, autor de Poeta Clandestino (Núcleo 3, 1987), Da Pauliceia à Centopeia Desvairada: As Vanguardas e a MPB (ELO Editora, 1999) e Xico Chaves (Editora F10, 2011), sobre sua trajetória.