Postado em 31/03/2016
O ambiente familiar pode fazer toda a diferença na formação de leitores ávidos por conhecimento e gosto pela descoberta na literatura e na vida
A leitura é considerada tão importante para o desenvolvimento na primeira infância que a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomenda que médicos estimulem pais e cuidadores a adotarem essa prática desde o nascimento. Além dos benefícios para a formação da criança, um ambiente familiar onde se lê pode também ser uma das chaves para mudar o quadro da falta de hábito de leitura no Brasil – onde, segundo dados divulgados pelo Instituto Pró-Livro em 2012, apenas metade da população pode ser considerada leitora, com média de dois livros completos por ano.
Segundo a psicóloga Patrícia Pereira Leite, coordenadora de projetos em A Cor da Letra – Centro de Estudos em Leitura, Literatura e Juventude, uma criança que vive em um ambiente onde a leitura faz parte do cotidiano terá maior chance de se familiarizar com o ato de ler e escrever, principalmente pelo contexto de afeto do ambiente familiar. “Se quero estimular a formação leitora, esse espaço dentro da família tem que ser significado como prazeroso, valorizador, porque é isso que faz a gente ter vontade de superar o esforço que é aprender continuamente”, afirma.
Patrícia ressalta que a transmissão de narrativas não precisa estar necessariamente relacionada à leitura de livros. Os chamados “ambientes leitores” podem aparecer de diversas maneiras: “Por vezes, uma família não é leitora, mas as crianças ouvem muitas histórias contadas. Se a família não tem acesso a livros, mas declama poesias, pratica literatura de cordel, é uma família muito musical ou tem o hábito de conversar e contar a própria história, isso também pode incentivar o hábito”, exemplifica. “São maneiras de apresentar o mundo para uma criança, e isso fornece o que é necessário para ela se desenvolver plenamente e chegar à escola com vontade de aprender.”
Apesar de o papel da família ser fundamental, a escola não é menos importante, observa a consultora na área de leitura e mestre em educação Denise Guilherme. “Como a gente tem, em geral, uma formação literária precária no Brasil, fica difícil depositar essa responsabilidade só em uma instância ou outra”, diz, e acrescenta que, dentro de casa, uma possibilidade é os próprios pais se tornarem leitores junto com os filhos. “Lembrando que, no ambiente familiar, o livro não tem que ter um cunho didático. O papel é garantir que as crianças tenham uma proximidade com o livro, levando-as à biblioteca, consumindo livros e criando uma comunidade de leitores, como algo que faz parte da cultura da família.”
A socióloga especialista em mediação de leitura Amanda Leal lembra a importância de respeitar a individualidade. “Reconhecer os interesses dos filhos é fundamental. Alguém que gosta de pássaros, por exemplo, pode encontrar livros relacionados a pássaros para ampliar os conhecimentos e interesses por esse tema. Para alguém que gosta de ouvir histórias, é possível ler textos diversos, sejam livros, reportagens, poemas ou textos engraçados. Para quem gosta de contar histórias, vale estimular a criação de narrativas”, explica.
Outro papel que pode ser desempenhado pela família é ressignificar a leitura em si. Muitas pessoas costumam ver a leitura como um ato solitário, mas tratá-la como uma atividade social desde a infância pode contribuir para uma visão mais prazerosa. “Muito se fala em incentivar o ato de leitura, mas muitas vezes nos esquecemos da importância de seus gestos, ou seja, da necessidade da existência de livros à disposição, de ambientes qualificados para os leitores, de momentos em que os novos leitores podem ver e reconhecer outros, assim como o que é leitura e ser leitor”, completa Amanda.
Diferentes fases
Qual seria o momento ideal para introduzir a criança no mundo das narrativas? Na opinião de Patrícia, não há idade mínima: “O bebê está imerso na cultura em que vai ser recebido desde o ventre materno. Não existe uma idade para começar a contar histórias e buscar apresentar o mundo para uma criança, e os livros de literatura são uma excelente maneira de fazer isso”.
Da mesma forma, não há idade para parar de compartilhar leituras no ambiente familiar. “Poder preservar essa relação, dando para a criança cada vez mais a possibilidade de ser ativa nesse espaço, é muito importante”, completa a psicóloga. “Muita gente acha que, a partir do momento em que a criança cresce e entra na escola, não é mais preciso participar, mas isso continua sendo essencial. As contribuições entre adultos e adolescentes, por exemplo, podem ser muito interessantes, principalmente se pensarmos essa relação como uma via de mão dupla.”
Ao observar que, muitas vezes, adultos querem que jovens leiam determinados livros clássicos em detrimento de outros mais pop, Amanda reforça que se deve levar em conta a identidade dos leitores. “O que importa é a relação que se estabelece entre cada leitor e cada livro”, avalia. “O ideal é deixar que os jovens escolham o que querem ler, mas, ao mesmo tempo, incentivá-los a buscar outras descobertas, reconhecer o que escolhem e procurar conexões a partir daí.”
Especialista dá dicas para aproximar os filhos dos livros e incentivar a leitura em casa
Mesmo para uma pessoa que não tem a leitura como parte do cotidiano, é possível viver o encantamento e os desafios de se tornar um leitor junto com o filho. Para que a leitura se torne um hábito, é preciso que ela faça efetivamente parte da rotina.
A formação do gosto só se dá quando você conhece muita coisa. Procure opções diversas de prosa, poesia, livros com mais ou menos textos e estilos literários variados.
Filmes baseados em livros podem ser portas de entrada para a leitura, assim como histórias em quadrinhos, músicas e games.
A experiência de ler o livro em conjunto e conversar sobre ele é essencial. Além disso, é importante dialogar para conhecer melhor o gosto da criança ou adolescente.
Além de atividades regulares de mediação de leitura em diversas unidades, há programações que buscam incentivar a leitura em diferentes faixas etárias
O encontro tem o intuito de dialogar e refletir sobre a formação de leitores, considerando a função poética como condutora desse processo. Atividade voltada a pais, pedagogos, bibliotecários e interessados em geral. Com Colletivos de Leitura.
O projeto promove encontros mensais em que são abordados temas relacionados à leitura. Em abril, o tema é Espaços de Leitura para Quê?, com participação de Cinthia Doretto, professora da rede municipal de São Paulo. Além da atividade, ao longo do semestre há ainda outras programações de vivências, clube da leitura e contação de histórias.
Realizada ao longo deste primeiro semestre, o ciclo tem como proposta estimular a literatura como experiência prazerosa e livre de obrigações, por meio de atividades e cursos que pretendem trabalhar a leitura como prática social.