Postado em 16/02/2016
Sérgio Luiz Lugan Rizzon (1)
Os mistérios representam aquilo para o qual não nos resta nada senão maravilha e estupefação, e não temos a menor ideia de como explicar.
“As pessoas cujo desejo é unicamente o da auto realização, nunca sabem para onde se dirigem. Não podem saber. Numa das acepções da palavra, é obviamente necessário, como o oráculo grego afirmava, conhecermo--nos a nós próprios. É a primeira realização do conhecimento. Mas reconhecer que a alma de um homem é incognoscível é a maior proeza da sabedoria. O derradeiro mistério somos nós próprios. Depois de termos pesado o Sol e medido os passos da Lua e delineado minuciosamente os sete céus, estrela a estrela, restamos ainda nós próprios. Quem poderá calcular a órbita da sua própria alma?”(*)
A mente humana é objeto de estudo dos filósofos há muito tempo. Grandes nomes do Ocidente especularam sobre onde residiria a mente. Descartes (2) a separa do corpo físico, criando o que mais tarde chamariam de “o fantasma da máquina” atribuindo à glândula pineal a função de “joystick” da alma. Mais tarde, Espinoza (3) a coloca como pertencente e inseparável do nosso corpo. Darwin (4) propõe que a mente é uma “secreção” docérebro tal qual o leite é secretado pelas glândulas mamárias. Freud (5) utiliza-se da ideia de um sistema de fluidos para explicar a mente que flui, acumula e procura caminhos alternativos, feito um rio, o que até hoje rende as expressões que utilizamos corriqueiramente, como quando “fervemos de raiva” ou ainda “extravasamos nossas emoções”. Noam Chomsky (6) sugere que nossa ignorância pode ser dividida entre mistérios e problemas. Os mistérios representam aquilo para o qual não nos resta nada senão maravilha e estupefação, e não temos a menor ideia de como explicar. Já aquilo que, apesar de não termos respostas concretas, temos ideia do que seja ou uma intuição de como resolver, deixa o âmbito dos mistérios para integrar o âmbito dos problemas.
Steven Pinker já na introdução de Como a mente funciona nos informa de que hoje os estudos da mente são classificados mais como problemas a serem resolvidos, do que como mistérios insondáveis. A obra discorre sobre a busca dos neurocientistas e psicólogos modernos – que se utilizam das teorias das ciências da computação e da teoria da evolução – para trazer luz a vários problemas. O computador não é uma boa metáfora para a mente, assim como estudar o cérebro não é suficiente para explicá-la. A computação não é o computador em si, mas, sim, a relação entre os dados e a maneira com a qual eles são processados. É interessante notar que quando utilizamos “mente” em uma mesma frase com “computação” nosso primeiro pensamento segue na direção das novelas de ficção científica, com robôs e androides convivendo ou substituindo os seres humanos,
ou ainda procurando destruí-los. Mas, nas páginas do livro de Pinker, podemos perceber o quão distante está essa tecnologia, e nos admirar com a complexidade da nossa própria mente. Problemas cotidianos como andar equilibrando-se em duas pernas ou procurar uma fruta madura em uma árvore são tarefas simples para nossa mente, porém representam ainda desafios gigantescos para a cibernética. Outro ponto importante é diferenciar Inteligência de consciência. A inteligência artificial está muito mais próxima da nossa realidade do que a consciência artificial. A definição de inteligência, segundo Pinker, é a capacidade de atingir objetivos diante de obstáculos, por meio de decisões baseadas em regras racionais. Hoje diversos autômatos, dentro de alguns limites, já esboçam esta inteligência. A consciência já é algo muito mais complicado. Na obra O relojoeiro cego (7), a metáfora que Richard Dawkins usa para os mecanismos da evolução é convertida por Pinker no “programador cego” para as questões da mente. Nossos programas mentais atuais funcionam bem pois permitiram que nossos ancestrais exercessem domínio sobre o meio ambiente, garantindo sua sobrevivência e reprodução. Além das habilidades motoras e visuais, a psicologia intuitiva e noções matemáticas básicas do tipo “entraram dois ursos na caverna, saiu um urso, é seguro entrar na caverna agora?” podem ser explicadas como obras desse “programador cego”. No entanto, circunstâncias mais complexas como o comportamento do ser humano na sociedade moderna em situações de violência, opressão e submissão de gênero, discriminação de etnias - entre outras atitudes moralmente condenadas - podem receber explicações falaciosas utilizando o argumento evolucionário como justificativas. Por isso o entendimento do processo científico para determinar não só se uma teoria é verdadeira, mas, também, a sua implicação real dentro do contexto da sociedade torna-se fundamental. “Se você der um martelo a um menino, o mundo todo se torna prego”; para Pinker este ditado demonstra a forma como nossas ferramentas mentais moldam o nosso entendimento do mundo. Uma vez que temos em nossa mente ferramentas que se aprimoraram para resolver problemas de um passado de caça e coleta de alimentos, podemos entender o modo como lidamos com os problemas corriqueiros de uma sociedade moderna com organização e tecnologia sofisticadas. Nossa mente foi moldada para inferir algumas condições de causa e efeito, graças a isso nos maravilhamos ao assistir a um show de mágica quando o que é esperado não acontece. O cérebro foi feito para aptidão e não para a verdade, nos diz o autor. Mas não somos simplesmente máquinas de andar, colher, comer e reproduzir. Afinal, por que gostamos de música? Por que existe a filosofia? Qual a finalidade da arte? Por que procuramos sentido na vida? Para estas questões as hipóteses ultrapassam a teoria da evolução e enveredam sobre a origem do prazer que sentimos na fruição e na construção da arte. Estruturas básicas de catalogação, comparação e processamento que explicam como lidamos com a linguagem e a interpretação das imagens podem, segundo o autor, explicar como chegamos às equações matemáticas complexas que colocam astronaves em direção aos confins do sistema solar. Mas como é que no meio destes processos e engrenagens que compõem nossa mente emerge o “eu”? Estaria nossa mente além da nossa compreensão conceitual?
(*) 1 Oscar Wilde, em De profundis.
(1) Coordenador de Desenvolvimento de Sistemas da Gerência de Tecnologia da Informação do Sesc, formado em Administração de Empresas, cursou Física e Filosofia, e atua na área de eletrônica e informática desde 1982.
(2) René Descartes: filósofo, físico e matemático francês.
(3) Baruch de Espinoza: um dos grandes racionalistas do séculoXVII dentro da chamada Filosofia Moderna, juntamente com René Descartes e Gottfried Leibniz.
(4) Charles Robert Darwin: naturalista britânico que propôs a teoria da evolução das espécies.
(5) Sigmund Freud: médico neurologista e criador da Psicanálise.
(6) Linguista, filósofo e ativista político norte-americano,professor de Linguística no Instituto de Tecnologia deMassachusetts (MIT)
(7) DAWKINS, Richard. O relojoeiro cego. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.