Postado em 27/11/2015
DESDE O SURGIMENTO, NO SÉCULO 19, OS QUADRINHOS ESTIVERAM LIGADOS À SÁTIRA POLÍTICA E À ANÁLISE DE COSTUMES
Rir, indignar-se, respirar fundo, pensar. Essas são algumas das reações que os quadrinhos (HQs) com temática política despertam em seus leitores. Obras potentes em comunicação visual e vastas em interpretações, essas criações têm ligação estreita e antiga com o público brasileiro. Desde o surgimento dos quadrinhos no país, no século 19, eles estiveram ligados ao humor político e à crítica de costumes. “O estilo caricatural também predominava na época, e poderíamos citar Angelo Agostini (1843-1910) – caricaturista e ilustrador italiano que fundou, entre outras publicações, O Cabrião, periódico semanal com sátiras sobre a Guerra do Paraguai – como um dos marcos iniciais, tanto dos quadrinhos quanto da caricatura no Brasil. Depois tivemos outros grandes momentos ao longo do século 20, como O Pasquim, para citar um dos mais significativos”, menciona o roteirista, editor e pesquisador de quadrinhos Wellington Srbek.
O casamento entre humor e política é marcante nas experiências gráficas, desafiando as estruturas já estabelecidas e questionando com inteligência problemas e polêmicas do cotidiano político e social que interferem na vida de todos, em maior ou menor grau. É difícil não se identificar com alguma tirinha ou cartum publicado em revistas, jornais e, recentemente, em plataformas digitais. Nesse ponto se encontram a tradição e a renovação dessa vertente. “Essa forma de humor político e ligado a temas sociais nunca deixou de ser produzida no país. É um reflexo do que ocorre nos diferentes Brasis existentes nos últimos séculos. O que mudou foi a sociedade, por motivos óbvios, e também a forma como seus temas são representados nos trabalhos humorísticos”, explica o jornalista e professor do Departamento de Letras da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Paulo Ramos. “Críticas a elementos tecnológicos relacionados à informática, por exemplo, são tópicos recorrentes hoje e que só fazem sentido na sociedade contemporânea.”
O interesse do público pela construção das histórias e a assinatura de cada artista foi aumentando ao longo do tempo, o que justificou as publicações em livros – álbuns – de HQs. Esse ciclo, por sua vez, foi responsável por ampliar ainda mais o alcance da obra e, consequentemente, a discussão sobre ela. A multiplicidade de experimentações nos quadrinhos se dá em forma, conteúdo e reações dos leitores. Para Ramos, que também coordena na Unifesp o Grupo de Pesquisa sobre Quadrinhos (Grupesq), “o recurso narrativo no processo de construção das histórias – com temática política – vem sendo adotado desde o século 19 e continua, inclusive, pelos trabalhos de quadrinistas contemporâneos”.
A relação entre arte e contestação não é novidade e se encaixa muito bem no trabalho de cartunistas e ilustradores brasileiros, fazendo com que referências de quadrinistas internacionais conversem com a produção nacional, com suas características próprias e genuínas, compondo um cenário altamente profícuo e inventivo. Wellington Srbek acrescenta que o humor gráfico brasileiro se insere na longa tradição da caricatura ocidental. “O próprio Angelo Agostini bebeu em fontes europeias, e o Millôr Fernandes (1923-2012), por exemplo, teve seu trabalho influenciado pelo minimalismo do cartum dos anos 1950”, justifica. “Claro que nosso quadrinho, cartum e caricatura têm toda a perspectiva, a temática e uma estética exclusivamente nossas. Mas essas linguagens sempre dialogaram com produções estrangeiras para criar algo com um ‘gosto’ genuinamente brasileiro.”
DE QUADRINHO EM QUADRINHO
O universo das HQs dá o tom em cursos no Centro de Pesquisa e Formação e em exposição no Sesc Santo André
Proporcionar um espaço de reflexão e debate sobre o processo de constituição histórica dos quadrinhos no Brasil. Esse foi o objetivo do curso História dos Quadrinhos Brasileiros, que aconteceu entre os meses de outubro e novembro no Centro de Pesquisa e Formação (CPF). De acordo com o pesquisador do CPF Eder Martins o curso levou em consideração a diversidade de autores, personagens, meios de circulação e suportes e buscou ampliar o campo de discussões sobre o gênero. “Como as questões ligadas à liberdade de expressão, engajamento, humor e valorização sociocultural desse gênero, que historicamente desenvolveu um diálogo crítico e criativo com o universo da vida social, cultural e política do país”, destaca.
Para quem se interessa pelo assunto e seus desdobramentos, faz parte da agenda do CPF o ciclo sobre cultura pop japonesa, marcado para janeiro de 2016 (nos dias 15, 18 e 22). Segundo Martins, a atividade “abordará diferentes aspectos desse universo, sendo dedicado um encontro para discutir a produção de mangás e animês”.
Já na unidade Santo André os quadrinhos foram tema da exposição Pestana: 30 anos de Arte pela Igualdade, que traz cartuns, cartazes, cartilhas e ilustrações do artista Maurício Pestana. Para a coordenadora de programação da unidade, Fernanda Gonçalves, há dois eixos de diálogo entre a exposição e a programação: “A temática política, das relações raciais no Brasil; e os quadrinhos e sua relação com as artes visuais”.
A abertura da exposição foi em 21 de novembro e contou com uma palestra do próprio artista. O material pode ser visto pelo público até 31 de janeiro de 2016 e traz uma série de atividades complementares e gratuitas, como “oficinas e ateliês de quadrinhos”, cita Fernanda.
Para conhecer um pouco mais do universo dos quadrinhos e participar das atividades, acompanhe a programação no portal Sesc São Paulo.