Postado em 17/11/2015
Projeto Clássica, em cartaz no CineSesc, apresenta obras de influentes diretores da história do cinema que ajudaram a moldar a sétima arte tal qual a conhecemos hoje
Você gosta de cinema?
Pouca gente deve responder “não” a essa pergunta tão direta. Seja assistir o blockbuster do momento na estreia lotada ou a algum filme desconhecido de 1949, sem som e em branco e preto, na pequena tela do computador, todo mundo assiste filmes.
Agora, o cinema nem sempre foi isso que vemos hoje, e provavelmente as próximas gerações verão algo muito diferente do que é feito hoje. Em seus quase 120 anos de existência, o cinema e o seu público evoluíram muito. Quer um exemplo? Em uma das primeiras exibições públicas, as pessoas saíram correndo de medo ao verem a projeção de um trem vindo em sua direção. Assim foi recebido A Chegada do Trem na Estação, um dos primeiros filmes exibidos pelos Irmãos Lumière, os “pais” do cinema.
E a evolução não parou desde então, mas talvez o momento em que houve mais mudanças, quanto ao papel dos filmes, do público e do cinema em si, foi após a Segunda Guerra Mundial. Pessoas traumatizadas pelos horrores da guerra, nações arrasadas ou mesmo completamente novas emergiam do caos e a necessidade de uma nova forma de comunicar ideias foram resultados dessa época.
O cinema de Ingmar Bergman, diretor sueco nascido em 1918, foi uma prova de que filmes podiam levantar questões tão grandes quanto qualquer livro. Diálogos profundos e diretos, que questionavam desde a existência de Deus até os relacionamentos familiares, as obras do diretor encarnavam o espírito questionador da época, que tentava entender como as ações e a história humana puderam culminar em algo tão terrível quanto a guerra. De todos os seus filmes, o que melhor apresenta esse cinema questionador da condição humana frente à guerra e à Morte, O Sétimo Selo (1957) é o maior exemplo. E mais ainda: o virtuosismo de Bergman com a câmera, de seus movimentos e enquadramentos, na direção de atores advindos do teatro e até para com a trilha sonora impressionam até hoje. Outra característica que Bergman trouxe para o cinema foi a obra aberta, filmes que não apresentam um final simples ou que deixam questões no ar para que o público tire suas próprias conclusões.
Dos países que sobreviveram à guerra, um dos que mais se viu perdido foi a Itália. O governo de Mussolini serviu para que uma nação jovem sentisse unidade e uma identidade comum pela primeira vez. Sua derrota e a descoberta das atrocidades cometidas botaram em cheque todo o nacionalismo italiano. O cinema do pós-guerra surgiu como a grande salvação desse sentimento de pertencimento à Itália, no movimento conhecido como Neorrrealismo Italiano. Passados 15 anos dessa busca, um diretor de grande evidência resolve dar o passo além: a identidade já existe, é hora de começarmos a pensar sobre ela. Assim nasce A Doce Vida (1960) de Frederico Fellini, que ataca o pouco caso com que o mundo das celebridades italianas encara esse momento em que o país se reergue. Ao mesmo tempo, o diretor também introduz algo que vai pautar toda uma linhagem de grades diretores de cinema, que é essa curiosa dificuldade de se separar o personagem da pessoa por trás do filme. Quem gosta de Woody Allen sabe muito bem do que isso se trata, os limites entre a vida e a arte parecem bastante turvos.
Enquanto Fellini se preocupava com uma elite cultural e social da Itália, Pier Paolo Pasolini já foi atacar diretamente uma das maiores e mais antigas instituições do país: a Igreja. Seus filmes giram em torno de personagens e histórias à margem da moral e dos costumes historicamente católicos. Cortiços, prostitutas e bandidos, todos desfilam pelas ruas em um retrato nu e cru, considerado exagerado por muitos, nas obras desse que é um dos mais polêmicos diretores de seu tempo. Um bom exemplo desse retrato de figuras da sociedade que poucos querem enxergar é Mamma Roma (1962), a história de uma ex-prostituta que busca um futuro de respeito e reconhecimento para seu filho Ettore, um rapaz com poucas ambições na vida. Como quase todas as obras de Pasolini, começamos a assistir o filme como uma pessoa e terminamos como outra bem diferente; é uma experiência desconfortante e transformadora.
Nesse período do pós-guerra em que nações lutavam para estabelecer uma identidade própria, nenhuma teve que enfrentar as provações da Alemanha. Seu processo de fortalecimento da identidade nacional foi bastante peculiar, já que enfrentava também a questão da divisão de seu território versus a unidade histórica. O chamado Cinema Novo Alemão foi um movimento interessante pois buscava ao mesmo tempo essa nova identidade alemã, enquanto também procurava continuar o que começou com o cinema do país nos anos 1930 com o Expressionismo Alemão. Dos muitos filmes do diretor Werner Herzog, da tríade sagrada do cinema alemão junto com Fassbinder e Wim Wenders, Nosferatu (1978) é o que deixa mais clara a preocupação com a continuidade da produção alemã. Inspirado no Drácula de Bram Stoker, o filme busca humanizar o vilão e apresentar suas próprias contradições e temores. Quase como um pedido da Alemanha para o mundo, para que deixassem de enxerga-la como o inimigo nazista e passassem a vê-la como um país.
Todos esses filmes pontuam um período bastante conturbado do cinema e do mundo, ambos pautados pelo questionamento de paradigmas e procurando entender o passado para se olhar para o futuro. A mostra Projeto Clássica do CineSesc traz uma oportunidade de assistir em tela grande a esses filmes que ajudaram a moldar o cinema como o conhecemos.