Postado em 10/11/2015
José Roberto Torero é jornalista, escritor, roteirista e diretor de cinema e televisão. Autor de diversos livros, foi vencedor do Prêmio Jabuti de 1995 com o romance O Chalaça. Trabalhou como cronista em jornais e revistas e escreveu roteiros de séries para TV, como Retrato Falado, exibida pela Rede Globo; Somos1Só, realizada pelo SescTV em parceria com a TV Cultura de São Paulo, e vários longas-metragens, entre eles Memórias Póstumas, Pelé Eterno, O Contador de Histórias e Pequeno Dicionário Amoroso.
Em 2015, Torero, juntamente com Ana Dip, assina a direção geral da série Super Libris, que estreia neste mês no SescTV. Como você migrou da literatura para o cinema e a TV?
Eu queria ser escritor. Vim para São Paulo estudar Letras, mas durante a faculdade, descobri que escrevia mal. Precisava praticar. Fui fazer também Jornalismo. Demorei para aprender a escrever jornalisticamente. Era difícil utilizar a estrutura, conseguir ver com clareza para onde eu tinha de ir. Quando me formei, pensei em fazer outra faculdade. Hesitei entre História e Cinema e decidi pela segunda, imaginando que não teria de ler nada, só ver filmes. Me dei mal, porque dos três cursos, Cinema foi o mais denso, o que fiz mais coisas; mas, para mim, foi o melhor. Comecei a fazer curtas ainda como aluno e o primeiro que fiz logo depois de formado, Amor, ganhou o Festival de Cinema de Gramado. Depois disso, a diretora Sandra Werneck me chamou para trabalhar no filme Pequeno Dicionário Amoroso e, desde então, não parei mais.
E tem preferência entre escrever, roteirizar ou dirigir?
Jornalismo é interessante, TV e cinema são bacanas, mas escrever um livro é mais prazeroso porque você tem mais liberdade, é mais pessoal, não depende de orçamento e o tempo de criação é o seu. Há mais vantagens. O problema é que você não consegue viver disso. Tenho mais de 30 livros publicados. Dois infantis já estão prontos, esperando para serem desenhados¿—¿um deles pela Laerte. Estou escrevendo também um novo romance adulto com Marcus Aurelius Pimenta, além de uma série para TV sobre fatos não tão conhecidos da História do Brasil para crianças e uma nova série para a GNT. Também fiz a primeira versão do roteiro do filme A Comédia Divina, do Toni Venturi, baseado no conto A Igreja do Diabo, de Machado de Assis. Então, para sobreviver, fico pulando de uma coisa a outra.
Como é o processo de escrever em parceria com outros autores e roteiristas?
Hoje em dia, escrever roteiro em conjunto é comum. É muito raro você ver um roteiro de cinema ou TV escrito por apenas uma pessoa. Às vezes você faz a escaleta, alguém escreve os diálogos e você finaliza. Ou então você escreve escaleta e diálogo, e passa para outro finalizar. O diretor também pode pedir alterações e contribuir no texto. Para mim não é difícil, porque eu venho do jornalismo e nele você se acostuma a ter gente metendo a mão no seu texto, dando a pauta para você seguir. Então é fácil. Onde isso é raro é na literatura. Mas eu e Marcus Aurelius Pimenta já escrevemos vários livros juntos. Somos dois jornalistas. Sabemos que o texto vai ficar melhor, porque são duas pessoas criticando, tendo ideias. A gente se entende muito bem. Os dois têm Machado de Assis como autor favorito. Então é um gosto muito próximo, além do ritmo de trabalho semelhante.
Qual a importância da literatura?
A literatura é uma diversão boa, portátil, inteligente. Quando você lê um livro bem escrito, você se sente melhor. Acho que a literatura atinge lugares no cérebro que outras artes não atingem. Ela mexe com um pouco de música, por exemplo, no ritmo de uma frase. Lembro que quando li Grande Sertão: Veredas, tinha de dar uma paradinha depois de ler uma página. Eu pensava: pô, esse negócio é muito bom! Olha só o que o cara fez! Ele pegou os nomes dos bois e fez versos decassílabos. É lindo. Você vai lendo e entende. A literatura te ajuda a pensar. Quando você lê bastante, seu cérebro fica mais ativo. Quando estou finalizando um livro, eu me sinto mais inteligente. A resposta vem mais rápido. Eu consigo ofender as pessoas com mais prontidão. Fico o dia todo pensando em verbos. É divertido. Eu tenho essa mania de gostar de verbo. Meu cérebro é muito verbal, por isso meus personagens falam muito. Isso é uma característica pessoal. Acho que os escritores mais jovens são mais visuais.
Como surgiu a proposta da série Super Libris?
Em uma conversa com Ana Dip, com quem trabalhei na série Somos1 Só, pensei em qual seria o programa que mais gostaria de fazer. Sabia que seria sobre literatura, mas não queira algo como “entrevistar um autor”. Porque, se o público não tiver lido sua obra, não vai se interessar em assistir ao programa. Optamos então por temáticas, por exemplo, biografia, humor. Todo mundo já leu uma biografia. Pode não ter sido a do Ruy Castro, mas o tema já fica mais interessante. Você pode não ter lido Luis Fernando Veríssimo, mas algum livro de humor você já leu. Eu queria isso, em pequenos pedaços. O programa deveria ter vários quadros interessantes, com o leitor, com o autor e até com quem produz o livro. Queria trabalhar com linguagens diferentes. Assim surgiu a série, que tem animação, trechos de entrevista, depoimentos e reportagens sem repórter. Ficou ágil. Acho que um programa extenso de literatura, você assiste durante dois minutos. Se você não gosta de quem está falando, não conhece ou não leu, você para de assistir. Já com um programa dinâmico, a chance de laçar o espectador é maior.
Quais foram os critérios na escolha dos temas e estrutura do programa?
Ana e eu discutimos bastante sobre a série, mas acabamos definindo a estrutura do programa depois de termos gravado tudo. Com isso, definimos qual seria a ordem dos quadros e episódios, e durante esse processo, mudamos a ideia original. O programa ficou mais temático, mais coeso e orgânico. O resultado ficou bacana porque Super Libris pode ainda extrapolar a televisão e alcançar a internet. Seus quadros são pequenos, com cerca de três minutos. Mesmo as entrevistas, com aproximadamente dez minutos, têm um tamanho suportável para serem assistidas online separadamente, em um futuro on demand.
Qual o panorama atual da literatura brasileira?
Em geral, acho que o Brasil é um país que não lê. Sempre foi assim, a não ser por uma minoria. É claro que o número de leitores aumentou, mas não necessariamente aumentou o nível de leitura. Tem muita gente que lê coisas mais simples. Há mais espaço para a literatura comercial, do que para uma literatura mais original, regional, para poesia. Algo que pode ter contribuído para isso foi o fim dos cadernos culturais nos jornais. Um livro de literatura brasileira não tem mais espaço em revistas e jornais como antigamente. São poucos os autores que conseguem destaque, como Fernanda Torres e Chico Buarque, mas isso porque são conhecidos anteriormente por seus trabalhos em outras áreas. A diminuição do espaço ocorre também por causa da invasão de livros estrangeiros. Hoje, por exemplo, não há nenhum livro brasileiro entre os dez mais vendidos de ficção adulta. Talvez falte também para os brasileiros se interessarem mais em escrever uma literatura mais comercial.