Postado em 01/06/2001
A experiência de dar cursos é muito interessante porque eu posso ver no outro a capacidade que ele tem de contar uma história. Embora não tenha sido a primeira vez, foi essa a experiência que eu tive ao ministrar o curso de criação de roteiros no Cinesesc. As pessoas chegam com a expectativa de que você as ensine a escrever, mas, na verdade, não é nada disso. Se uma pessoa nunca escreveu um bilhete para a mãe ou para a namorada, provavelmente não escreverá um roteiro de cinema ou televisão. As oficinas de roteiro servem para regrar detersminadas coisas que já existem na cabeça das pessoas e para condicioná-las a organizar suas idéias em cenas e seqüências. A vontade de escrever e a imaginação para criar histórias já devem estar na pessoa.
O curso de roteiro funciona da seguinte forma: a cada etapa, eu cobro e os alunos me apresentam a história estipulada, além do desenvolvimento dos personagens. É preciso repensar e rescrever constantemente cada história. Fazer um roteiro é um trabalho árduo. Para se fazer um roteiro de curta-metragem, por exemplo, bem elaborado, com pesquisa, você precisa de dois ou três meses. Essa pesquisa é necessária, muito em parte porque, no cinema, os diálogos dos personagens devem ser bem trabalhados e, aliás, essa é uma das críticas ao cinema nacional. Na maioria dos nossos filmes, os diálogos soam muito artificiais. Se, por exemplo, estou criando uma história com pessoas de classes mais baixas, preciso pesquisar como elas falam. O roteiro é um trabalho contínuo, de aprimoramento, de melhorias.
No curso realizado no Sesc, selecionei três estórias que podem se transformar em curta, vídeo ou filme e, desses três, teremos de escolher um para investir. A pessoa, quando procura um curso de roteiro, não sabe exatamente se ela quer fazer roteiro ou direção. E esse é outro problema do nosso cinema: com a síntese pregada pelo Cinema Novo, "uma idéia na cabeça e uma câmera na mão", a mesma pessoa virou produtora, diretora e roteirista, e ela não faz bem nenhuma das três coisas. O diretor, por exemplo, tem tantos problemas para resolver que ele só pode ser diretor. A idéia de industrialização do cinema passa por aí: essas partes devem ser segmentadas e não se misturar.
O roteirista e o diretor
Obviamente, o trabalho do roteirista deve ser casado com o do diretor. Se há um bom relacionamento entre os dois, melhor para o filme. Mas em que ponto o diretor é um co-roteirista ? Afinal, a função do diretor é dar palpite, criticar, pedir que o roteirista rescreva uma cena ou se propor a rescrever junto. Aliás, está acontecendo agora, nos Estados Unidos, uma greve dos roteiristas, que estão exigindo exatamente isso: que a participação deles não se restrinja a entregar o roteiro. A figura do roteirista deve acompanhar o filme inteiro, desde a feitura do roteiro até os ensaios, as filmagens e a montagem.
Os primeiros passos
Aqueles que estão buscando uma entrada nesse mercado se deparam com muitas dúvidas e obstáculos. Para entrar nesse meio é preciso estar ciente de que se formam panelinhas, ou seja, o diretor confia no roteirista e, de acordo com o reconhecimento do seu trabalho, o roteirista poderá ser chamado para fazer um outro trabalho. Mas é bom deixar clara a diferença entre o que acontece aqui e nos demais países com uma indústria cinematográfica solidificada. Aqui no Brasil ocorre um processo de baixo para cima. O diretor tem uma idéia e procura o roteirista, ou vice-versa, e eles, a duras penas, procuram uma produtora para bancar o filme. Já no sistema empregado lá fora, essas etapas são absolutamente divididas: você é contratado para fazer um roteiro ou para dirigir, ou seja, é um sistema que funciona de cima para baixo, como em qualquer indústria.
O Brasil já teve uma indústria cinematográfica na época da Vera Cruz. Foi montado um estúdio com profissionais italianos, da Cinecittá, de Roma, e formou-se uma cadeia ideal de produção. Mas o Cinema Novo acabou por atrasar o desenvolvimento desse sistema, pois pregava o cinema autoral, no qual não era preciso ter estrutura nenhuma. Hoje, a industrialização do cinema brasileiro encontra-se no meio do caminho. Há um prêmio oferecido aos melhores filmes feitos com baixo orçamento, ou seja, até 1 milhão de reais.
A produção atual
Estão sendo feitos onze filmes dentro do orçamento de 1 milhãode reais e há mais 29 esperando para serem lançados. No próximo ano haverá um boom de filmes que precisam chegar aos cinemas. E aí mora o problema: é preciso que eles tenham distribuição e exibição. Mas pouco a pouco estamos conseguindo que tal relação se torne mais solidificada. À medida que as distribuidoras tiverem uma resposta por parte de filmes nacionais que estejam fazendo sucesso, procurarão produtores nacionais, que procurarão diretores, que procurarão roteiristas. Só assim poderemos refazer a cadeia evolutiva do cinema nacional."
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