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Esporte
O esporte informal

Postado em 01/06/2001

Carentes de áreas de lazer e de esportes, grupos se organizam em espaços públicos para praticar atividades físicas

A cidade de São Paulo é carente de áreas de lazer. Como mostrou a edição de abril da Revista E, a insuficiência desses espaços também contribui para o aumento da violência. Mas algumas pessoas não se intimidam diante das dificuldades. Ruas, praças, gramados e calçadas são tomados por esportistas que se organizam, com a ajuda de amigos ou da comunidade, para fugir do sedentarismo.
Em alguns casos, a particularidade da prática torna-se um facilitador dentro dessa nova onda. O skate, por exemplo, é urbano por excelência. Mesmo havendo espaços com todas as rampas e obstáculos necessários, as ruas são os locais prediletos dos mais radicais. O mesmo acontece com o futebol, que, dentre suas variáveis, encontra na praia um dos seus locais já oficializados de prática. O que se percebe é que muitas vezes a somatória desses dois fatores - carência de espaços próprios para o lazer e conveniência inerente de algumas áreas - leva as pessoas a se organizarem em lugares informais ou, talvez seja melhor dizer, locais que não foram planejados especificamente para aquele fim.
O já citado skate até exige pistas apropriadas para que os praticantes se arrisquem em suas manobras. São rampas, canos, half pipes (estruturas de concreto ou de madeira em forma de U) e bolws (espécie de piscina vazia, cujas bordas são arredondadas) que fazem a alegria dos radicais. É bom lembrar que a modalidade surgiu nos Estados Unidos, na década de 1970, como uma alternativa urbana ao surfe. Era um esporte eminentemente das ruas e os obstáculos a serem suplantados pertencem, no fim das contas, a esse meio. "Eu prefiro a rua às pistas", assegura João Pires, o "Biscoito". "Principalmente à noite, quando o trânsito é menor, é muito gostoso fazer manobras nos bancos, guias e lombadas. Até os buracos que atrapalham os motoristas são uma motivação." Biscoito e seus colegas, Alemão e Pedro Paulo, costumam praticar suas manobras radicais sempre a partir das 23h em locais como a avenida Paulista. Os garotos, todos adolescentes, contam ainda que há outros locais já eleitos pelos amantes do esporte como prediletos, de marquises de bancos até praças e ruas. Organizam-se quase informalmente e, às vezes, cruzam no meio da madrugada com outra turma de skatistas.

Lian gong ao ar livre
A exemplo dos nômades do asfalto, um outro caso de utilização de espaços informais para a prática de atividade física organizada nasceu da dedicação de Regiane Doutel. Dentista por profissão, desde criança ela se sente atraída por práticas corporais. Bailarina profissional, Regiane fez aulas de tai chi chuan durante oito anos. E por intermédio dessa popular arte marcial chinesa entrou em contato com o lian gong, uma ginástica terapêutica, também de origem chinesa, desenvolvida em 1959 por um ortopedista desse país. Há cerca de um ano, a aptidão corporal de Regiane encontrou espaço no parque Villa-Lobos, Zona Oeste de São Paulo, onde ela e mais duas professoras se revezam, três dias por semana, para ministrar a técnica gratuitamente aos interessados. "É um trabalho absolutamente voluntário, desenvolvido em vários parques da cidade. Ele é coordenado pela Associação Via 5 Arte e Cultura Oriente Ocidente, entidade dirigida por Maria Lúcia Lee, responsável pela introdução da técnica no Brasil." Regiane conta que o grupo começou com apenas quatro pessoas e sem qualquer divulgação na mídia. Hoje, já conta com cerca de cinqüenta fiéis praticantes. Segundo a instrutora, o lian gong trabalha o fortalecimento do sistema musculoesquelético, lubrifica as articulações, previne disfunções dos órgãos internos e reequilibra o estado emocional.

Academia na areia
Apesar de não ser um espaço público presente no cotidiano dos paulistanos, a praia é um excelente exemplo de local que é um verdadeiro convite ao lazer e ao esporte para todas as pessoas. Caminhadas à beira-mar, cooper no calçadão, frescobol, vôlei, futebol, alongamento e ginástica são algumas das práticas bem-vindas na praia. A professora de tai chi chuan do Sesc Santos, Marina Darin, conta que, além de sempre convidar seus alunos e quaisquer interessados para uma aula na areia, programa, todo outono, um projeto especial. Marina, que oferece práticas gratuitas de lian gong na praia, lembra que "nessa estação, as pessoas começam a se interiorizar e ficam mais introvertidas. É preciso expandir a energia que está sendo armazenada. A praia é um espaço que permite fazer uma respiração mais profunda e gostosa, além de beneficiar o pulmão". A professora explica que é interessante poder observar as mudanças na natureza de acordo com o nosso interior. "O vento fica mais frio, o céu fica mais branco e o mar, mais agitado", percebe. Percorrendo a praia de bairro a bairro a cada semana, as aulas atraem diferentes tipos de pessoas e reúnem, no total, cerca de sessenta praticantes. "Em vez de ficarem trancadas e recolhidas, com as janelas fechadas em frente à televisão, como é comum no outono, quem for à praia terá uma oportunidade de voltar para casa mais disposto", completa Marina.
Formado por amigos de diversas classes profissionais, e idades entre 18 e 60 anos, o time Praia e Bola é um exemplo de "independência esportiva". Formado em Santos, há mais de 25 anos, esse grupo se reúne sempre nas tardes de sábado para realizar partidas de futebol muito bem organizadas. O grupo se mantém com a mensalidade de 20 reais paga por cada jogador para cobrir as despesas: um armador de campo, um juiz da Liga de Futebol de Santos, além dos uniformes. Clayton Rigo Jr., que já jogou com o grupo e que continua amigo do pessoal, conta que, como tem muita gente (são mais de trinta pessoas), a escalação acontece por ordem de chegada. "Quem chega muito tarde só joga no segundo tempo", brinca Clayton emendando ainda que, além do jogo, "as reuniões servem também para um churrasquinho ou uma cerveja". E mais uma vez sem precisar de lugar específico. "Pode ser no bar da frente ou mesmo na praia, numa barraca."

 

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