Postado em 14/10/2015
A exposição Máquina Tadeusz Kantor vem reunindo, além da exposição do acervo do multiartista polonês, um compêndio que envolve visitas guiadas temáticas e também um palco montado no centro da exposição onde palestras, intervenções, instalações e performances sugerem que a máquina, registrada como codinome da mostra, se mantenha viva sob os conceitos explorados pelo artista ao longo de sua carreira.
Nada mais natural que a programação caminhasse para uma série de apresentações inéditas no Brasil, onde Kantor é literalmente devorado. A Polônia, terra natal do artista e talvez a principal protagonista desta empreitada, está representada pelo Teatr Cinema através do espetáculo Revista de Fogo, em cartaz dos dias 15 a 18/10 no Teatro Anchieta.
Fortemente influenciado por Kantor, o grupo dirigido por Zbigniew Szumski, foi fundado em 1992 em Michalowice, uma pequena aldeia nas montanhas na fronteira da Polônia com a República Tcheca. Ele foi trazido à vida por atores profissionais, artistas plásticos e músicos. O “Cinema” no nome não veio nem de Krzysztof Kieslowski, muito menos de Andrzej Wajda, famosos diretores conterrâneos do autor, mas sim do outro lado do mundo, nos Estados Unidos. “Há 25 anos eu escrevi uma encenação chamada ‘Cinema’ […] A peça era sobre atores iniciantes que sonhavam com um papel de destaque em Hollywood ou na Broadway. Depois da peça, e junto com os atores, decidimos criar nosso próprio teatro e continuar com o estilo que havia começado na performance de Cinema”, afirma o diretor.
Em Revista de Fogo, o pano de fundo é uma história de amor de duas pessoas separadas pela guerra. A peça explora mundos internos construídos através do que se sente dolorosa falta, utilizando-se de invenções pictórias absurdas. Assim, não somente o amor se manterá, mas também a lógica do pesadelo da guerra, um mundo obstinado-íntimo entre ilusão e realidade que se opõem.
Em passagem pelo Brasil, o diretor Zbigniew Szumski, encantado com a exposição de Kantor, falou sobre a exposição e a apresentação da inédita “Revista de Fogo”. Veja abaixo:
EOnline: É a sua primeira vez no Brasil?
Zbigniew Szumski: Sim. E estou colecionando algumas impressões com carinho.
EOnline: O que achou da exposição?
Zbigniew Szumski: É uma exposição muito bem organizada. Ela conta a história e também é realmente impressionante como os curadores conseguiram reunir tantos trabalhos e objetos de Kantor. O objetivo da arte de Kantor era movimentar as pessoas e eu acho que os curadores atingiram este objetivo. É uma pena que na Polônia não tivemos tantas boas exposições sobre a arte de Kantor.
EOnline: Por que a companhia é chamada Teatr Cinema?
Zbigniew Szumski: Há 25 anos eu escrevi uma encenação chamada Cinema. Está peça ficou em cartaz num teatro estadual em Jelenia Góra, uma pequena cidade ao oeste da Polônia. Na história, ela falava sobre atores iniciantes que sonhavam com um papel de destaque em Hollywood ou na Broadway. Depois da peça, junto com os atores de Jelenia Góra, decidimos criar nossa própria companhia e continuar com o estilo que havíamos iniciado na performance de Cinema.
EOnline: E qual aspecto do trabalho de Kantor será explorado no espetáculo?
Zbigniew Szumski: Sou fascinado pelo cinema mudo e pela fotografia antiga. Não fotos jornalísticas tiradas numa fração de segundos, mas aquelas mais pousadas. Você consegue observar nestas fotos aquele processo que demorou 2 ou 3 segundos. Existe, pelo menos, 3 segundos de vida que foi capturado por essas fotos. Eu acho que essa é uma das inspirações de Kantor. Inspiração para nós é também o conceito de resíduo. O resíduo de ideia, estilo e forma. O resíduo familiar. Às vezes você joga algo fora para escondê-lo. Na peça Revista de Fogo, fotos e histórias são jogadas fora com o propósito de escondê-las. Um dos conceitos que permeia nosso trabalho é: “pare de criar, use a memória”.
EOnline: Os atores da Teatr Cinema definem suas performances como “uma revolta da imaginação contra a realidade da rotina”. Como você imagina a rotina do público brasileiro?
Zbigniew Szumski: O tratado criado pelo grupo há 25 anos tem um duplo sentido. A coreografia das nossas performances, que é a base do tratado, tem um uso corrente da rotina, das ações do dia-a-dia. Nós multiplicamos elas, aumentamos e diminuímos a velocidade. A rotina é uma inspiração para a gente. Eu não acho que a rotina do brasileiro é, de certa forma, muito diferente da rotina do polonês ou de qualquer outro cidadão do mundo. Rotina é uma coisa muito perigosa, mas usada conscientemente na arte pode se tornar um valor.
EOnline: A peça foi inspirada num poema de Edmond Jabès e fala sobre um casal que foi separado pela guerra. Também há uma inspiração de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol. Um diretor brasileiro, Nelson Baskerville, questionou uma vez numa adaptação de Gaivota de Chekhov, se é impossível viver sem teatro. Você acha que a arte ainda é um caminho para as mazelas do mundo?
Zbigniew Szumski: Minha definição favorita de arte é aquela que diz “arte é um estranhamento efetivo”. Frequentemente nós damos workshops para jovens e a meta dessas oficinas não é prepará-los para se tornarem atores profissionais, muito menos peritos em artes. O objetivo é, através da arte, acordar sua bravura interior para a vida do dia-a-dia, bravura para fazer escolhas e habilidade para lidar com problemas e situações obscuras. Por isso, aquele “estranhamento efetivo” da arte pode afetar o mundo.
o que: | Revista de Fogo |
quando: |
De 15/10 a 18/10. Quinta a sábado, às 21h. Domingo, às 18h |
onde: |
Sesc Consolação | Rua Doutor Vila Nova, 245 | 11 3234-3000 |
ingressos: |
R$10 (Credencial Plena) | R$20 (Meia Entrada) | R$40 (Inteira) Consulte também a programação paralela no Portal |