Postado em 01/07/2001
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Especialistas discutem a redução da atividade econômica
No dia 19 de abril de 2001, o Conselho de Economia, Sociologia e Política da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio SP) debateu aspectos conjunturais e perspectivas da economia brasileira.
RUBEN ALMONACID – Ao longo dos anos em que participei deste conselho, em quase todas as vezes apresentei uma visão pessimista ou crítica em relação à economia brasileira. Creio que esta é uma das poucas oportunidades, talvez a única, em que tenho uma visão um pouco mais otimista sobre o que está acontecendo no Brasil. Desde a maxidesvalorização, em janeiro de 1999, houve uma alteração importante. A máxi trouxe uma nova forma de administrar a política econômica, que teve êxito ao eliminar a situação de crise permanente que o país vivia e ao permitir ao governo utilizar mais eficientemente os instrumentos de política econômica. Do ponto de vista internacional, a conseqüência mais importante foi a possibilidade de reduzir os juros de forma significativa, o que contribui para que o déficit público diminua, para que o saldo na balança comercial em transações correntes melhore, para que o crescimento econômico possa ser acelerado e para que emprego e outras variáveis possam ser aprimoradas. Foi uma mudança, embora pequena – só na taxa de câmbio –, fundamental para que a economia tomasse novos rumos.
Vejam o que está acontecendo na Argentina, que há pelo menos oito anos mantém uma posição catastrófica de desaceleração econômica. Em todos os indicadores importantes, o país está muito mal e tende a piorar, pois quando não se respeitam as leis econômicas, forçosamente há problemas e não se alcançam os objetivos pretendidos.
No Brasil, há poucos dias foi modificada a taxa de juros em 0,75%, para mais, enquanto nos Estados Unidos o ajuste foi de 0,5% para menos. Segundo o noticiário relativo a essas mudanças, estaria havendo uma contradição entre as duas políticas. Não concordo. Os norte-americanos estão vivendo uma situação de queda da atividade econômica, e para eles uma redução dos juros é relativamente importante. É uma medida na direção correta. O Brasil tomou a medida contrária, aparentemente conflitante. Não há conflito, porém, porque nosso caso é exatamente oposto ao dos norte-americanos. Primeiro, porque a economia brasileira está relativamente acelerada, está crescendo mais rápido ou pelo menos tão rápido quanto seria adequado para a conjuntura do país. Segundo, porque a desaceleração no resto do mundo, que vai acompanhar a recessão dos Estados Unidos, vai gerar maiores dificuldades para sustentar o processo de crescimento brasileiro. As duas medidas vão, portanto, sob o ponto de vista do Brasil, no rumo correto.
Com relação à balança comercial, ainda enfrentamos um problema sério. O fato de o déficit em transações correntes se manter acima de 4% indica que, se não houver uma significativa mudança de rumos num horizonte curto, corremos o risco de voltar à situação de 1999. Por sorte, não sei se foi a conjuntura internacional, ou o "resfriado" da Argentina, alguma coisa fez com que o câmbio se modificasse significativamente nesse tempo. Se isso for mantido ou se permitir que a balança comercial seja equacionada de forma melhor do que tem sido até agora, a economia terá entrado em uma trajetória sustentável de longo prazo. Nesse aspecto o governo tem agido de forma racional e coerente.
O nível de crescimento econômico está, lamentavelmente, um pouco acima do que seria sustentável no longo prazo, mas nada que possa ser preocupante. A variação é muito pequena, e a relativa aceleração da inflação não deve gerar um surto inflacionário.
A Argentina, por sua vez, não mudou em nada sua trajetória. Continua a oferecer exatamente o mesmo diagnóstico, que ficou um pouco mais caótico depois da subida de Ricardo López Murphy. Depois dele, Domingo Cavallo permitiu uma redução significativa das pressões especulativas que o país vinha sofrendo. Ele não tomou nenhuma medida relevante, mas eliminou as fontes de especulação, de tensão, o risco mais subjetivo do que real de uma moratória, de uma quebra, etc. Isso não está totalmente descartado, mas é uma coisa de longo prazo, e acontecerá se a Argentina não fizer alguma alteração relevante. Eu continuo esperando que mudem algumas coisas. Até agora o que Cavallo anunciou não me faz prever nada. Introduzir uma cesta de moedas é totalmente inócuo do ponto de vista de teoria econômica, de funcionamento dos mercados, é só perfumaria. Duvido que faça algo, por causa da convicção dele em relação à conversibilidade e à fixação da paridade peso-dólar.
Além desses problemas, os argentinos têm outros, nossos velhos conhecidos: déficit fiscal grande e elevado déficit em transações correntes, resultado da insistência do país em manter sua política cambial. A chave do problema é a política cambial. Somente um desvio significativo do rumo poderá tirar a Argentina do atoleiro.
Quanto aos Estados Unidos, eles entraram em um processo de recessão há uns seis meses pelo menos. Isso era previsível. Em dezembro de 1999, escrevi em um artigo que haveria uma recessão naquele país, e que a queda seria da ordem de 4% a 5%. Dizia também que a Bolsa estava sobrevalorizada e sua queda teria de ocorrer.
A Bolsa Nasdaq caiu mais de 60%. Nosso estudo era com relação ao Dow Jones, que baixou 25%, 30% até agora. Acredito que a queda ainda continue, faltam 30%. Se minha análise for correta, está se iniciando um processo que, se bem conduzido, não será traumático. Mas devemos estar preparados para um processo longo de redução de atividade econômica, com implicações no Brasil e no mundo.
O déficit externo brasileiro, dizem os jornais, caiu US$ 4 bilhões de janeiro para fevereiro. Algumas pessoas acreditam que com isso o problema já está resolvido. Não é nada disso. Os processos econômicos são sempre muito demorados, e um intervalo tão curto não significa absolutamente nada. Devem ser considerados muitos meses de queda. Vamos ter um período relativamente longo de desaceleração econômica, de redução dos índices de Bolsa, de queda na riqueza do mundo. Tudo o que está começando a aparecer.
ISAAC JARDANOVSKI – No passado, você sugeriu como opção à desvalorização do peso argentino uma diminuição dos preços relativos e dos salários. Você acha que Cavallo teria condições de levar uma coisa dessas adiante?
ALMONACID – Primeiramente, Cavallo não tem nenhuma convicção para agir assim. Teoricamente, qualquer um poderia fazer isso. Mas se me perguntar qual é a probabilidade de o ministro argentino tomar essa medida, eu diria que é próxima de zero. Em segundo lugar, à medida que passa o tempo, fica mais difícil fazer ajuste via preços. A Argentina já se recusa a fazer ajuste via preços há muitos anos, e hoje isso é praticamente inviável. A economia está tão desajustada, os mercados tão desequilibrados, o emprego, a renda e os investimentos caíram tanto, tudo está tão prejudicado que as chances são quase nulas.
ROBERT APPY – Para animar o debate, vou manifestar uma posição pessimista. De fato, o Plano Real conseguiu reduzir a inflação, mas pergunto se a meta inflacionária não tem para nós um custo excessivo. Não podemos esquecer que a meta está entre 2% e 6%. Se fosse 4,5% ou 5% não seria dramático. Conseguimos também uma grande conquista nas contas públicas. Mas de que forma? Com impostos que estão impedindo o crescimento, especialmente o aumento das exportações. As contas externas são preocupantes. Tudo isso, que é uma ameaça ao Plano Real, deve-se à falta de responsabilidade de nosso Legislativo, que não aprova as reformas que permitiriam ao país alcançar um crescimento sustentável.
Ruben Almonacid se diz otimista com o crescimento de 4%. Em minha opinião, o Brasil, se quiser sair da situação em que se encontra, especialmente quanto à distribuição de renda, tem de crescer mais do que 4%.
Vou me estender um pouco mais sobre a questão que me preocupa, as contas externas. Em março o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central), preocupado com a evolução da taxa cambial, aumentou a taxa Selic. Resultado: o preço do dólar subiu. Se é verdade que a taxa cambial é o problema número um da inflação, não é com o aumento da taxa Selic que se vai resolvê-lo. O Brasil não pode arcar com o custo de uma taxa de câmbio flutuante pura. Em nenhum país isso existe. A taxa deveria ser muito mais ativa. É absolutamente irracional ter uma desvalorização de 11% quando a inflação para o ano está fixada em 4%.
Mas, a longo prazo, o mais preocupante é a situação do balanço de pagamentos e das contas externas. O passivo externo era de US$ 178 bilhões em 1993, passou para US$ 336 bilhões em dezembro de 1998 e hoje está em US$ 355 bilhões. Isso é um problema, porque o crescimento da dívida externa significa o pagamento de juros e leva à rolagem num prazo nem sempre adequado.
Quando se analisa o balanço de pagamentos para o ano de 2001, tem-se uma certeza: o déficit em conta corrente vai aumentar, e será superior aos 4% do PIB. Por quê? Primeiro por causa da balança comercial, que provavelmente apresentará déficit, no mínimo, de US$ 1,5 bilhão. Isso também é preocupante.
Infelizmente não podemos voltar à época maravilhosa em que tínhamos superávit de US$ 10 bilhões, porque essa cifra era simplesmente o efeito de um grande protecionismo, pago pela população brasileira.
Para equilibrar as contas é preciso exportar mais. Nesse campo estamos progredindo, mas a passos lentos. Nos últimos anos, nossas exportações cresceram abaixo da média mundial. Este ano talvez haja um crescimento maior, por causa das commodities ou da crise da vaca louca na Europa. Continuamos exportando alguns produtos manufaturados, como aviões, sapatos, têxteis e automóveis, estes graças à decisão de multinacionais, mas essa situação pode mudar. A diversificação de produtos destinados à exportação ainda está longe de corresponder à realidade de um país como o Brasil. Pior: as empresas que exportam são muito poucas.
A importação é outro problema. Ela é o freio do desenvolvimento nacional. Importar manufaturados não nos compromete, mas trazer de fora produtos intermediários é preocupante. Enquanto o PIB do país cresce 1%, as importações de bens intermediários aumentam 1,5%. Mas, em relação a um déficit de US$ 27 bilhões nas transações correntes, um déficit de US$ 1,5 bilhão na balança comercial não é o mais importante. O essencial são os serviços. Em primeiro lugar os juros, que este ano vão representar entre US$ 16 bilhões e US$ 17 bilhões. Se a dívida externa cresce, os juros também aumentam. Além da dívida externa, há o turismo. Deixamos de atrair o turista estrangeiro. Houve até uma ligeira melhora nesse quadro, mas o gasto dos brasileiros no exterior continua maior do que o dos estrangeiros aqui.
Enquanto não resolver a questão das transações correntes, o Brasil terá de reduzir seus investimentos e seu crescimento. Isso não afasta uma crise cambial daqui a um ano e meio ou dois.
JOSEF BARAT – Anotei alguns dados estatísticos sobre nossa economia que nos dão uma visão até otimista do que foi o país no século 20 e de seu potencial para este século. Nossa economia foi uma das que mais cresceram no mundo entre 1930 e 1980, no ciclo de fechamento de substituição de importações e consolidação de um mercado interno. Portanto, curiosamente, o fechamento representou para o Brasil a ampliação das possibilidades de crescimento. É claro que esse modelo se esgotou nos anos 80, e estamos há 20 anos sem crescer. Isso significou uma mudança drástica nas expectativas do brasileiro. Aquela história de que os filhos estariam melhores do que os pais e que os netos estariam melhores do que os avós deixou de existir a partir dos anos 80, quando descobrimos que nossos filhos já tinham a certeza de que estariam em pior condição do que nós.
Durante estes 20 anos tivemos um tipo de gestão econômica voltada exclusivamente para o curto prazo, para situações de emergência, seja inflação elevada, sejam as crises continuadas. Com isso, perdemos de vista a perspectiva estrutural da economia brasileira, seus obstáculos e seu potencial, em termos de mercado e possibilidade de expansão.
Em minha opinião, temos vários blocos de problemas estruturais sérios. O primeiro é a poupança e capacidade de investimento do país. Já tivemos níveis de poupança elevados, principalmente nos anos 70, e uma grande capacidade de investimento das estatais. Hoje a poupança do governo é negativa, a capacidade de investimento das estatais é muito reduzida e o setor privado sofre dificuldades para investir, inclusive devido à alta carga tributária e à irracionalidade do sistema tributário brasileiro.
Outro conjunto de problemas são as contas externas, balanço de pagamentos e principalmente balança comercial. Durante muito tempo, o saldo da balança pagava o déficit dos serviços. Eram mais ou menos equivalentes: a média de US$ 10 bilhões ao ano de saldo cobria os US$ 10 bilhões de serviços a pagar. Hoje temos déficit tanto na balança comercial como na conta corrente.
Finalmente, um outro bloco de problemas que agora está se revelando dramático diz respeito à infra-estrutura do país e ao chamado custo Brasil. Este se relaciona aos impostos, à tributação absurda, à falta de estímulo ao empresário para investir. E também ao custo muito elevado do abastecimento interno e das exportações, vinculado à infra-estrutura deficiente. O caso da energia elétrica, que está se revelando agora, é uma crise anunciada, já vem de algum tempo. Temos problemas com as estradas de rodagem e com as ferrovias, mesmo privatizadas. As privatizações resolvem uma parte do problema mas não tudo, até porque o grande investidor era o governo e, no momento em que ele deixou de sê-lo, as coisas começaram a se deteriorar.
Uma última reflexão: afinal de contas, o que estamos querendo com nossa política econômica? Ou, mais do que isso, será que temos alguma idéia do que pretendemos para o país neste novo século? A maior crise econômica do século 20 foi a de 1929, e atingiu o mundo durante vários anos. Curiosamente, o Brasil tirou partido dessa crise e foi uma das economias que mais cresceram, apesar do cenário externo adverso. Houve mudanças sérias, uma revolução, crises políticas. Mas o Brasil conseguiu se estruturar para modificar o perfil de sua economia e da sociedade. Isso foi evidentemente objeto de acordo político, conflituoso, sim, mas houve uma convergência muito forte das elites políticas, intelectuais e militares. Enfim, todos se uniram em torno de um projeto que hoje é visto como obsoleto, mas na época respondeu às nossas necessidades. Por que depois de 1980 não é possível constituir um pacto político, um entendimento que leve o país a tirar partido das crises em seu favor?
ISAAC – Em 1929 não havia globalização, nem Internet, nem movimentação instantânea de informações, etc. É uma diferença brutal.
BARAT – Tenho uma outra interpretação. A passagem daquele cenário de exportação de produtos primários para a substituição de importações não exigiu uma mudança radical na estrutura social do país. Era possível consolidar o mercado interno com uma população ainda analfabeta, desqualificada e com pouco acesso à cultura. Hoje, uma mudança econômica implica uma alteração social muito séria e profunda. Aí é que está o nó da questão.
JULIAN CHACEL – Gostaria de lembrar o ambiente externo – que nos é neste momento extremamente desfavorável –, e concentro minha atenção nos Estados Unidos, a partir daquela imagem tantas vezes evocada por Delfim Netto de que a economia norte-americana é um elefante confinado em um quarto estreito, com pouco espaço de manobra. Se o animal levantar a tromba ou abanar o rabo, o resto do mundo estremece. Isso para dizer que concordo com Almonacid quando ele afirma que a recessão já está instalada naquele país.
A esse respeito, permitam-me uma pequena digressão. Nos últimos tempos está-se utilizando como indicador algo que me lembra Umberto Eco e a semântica. Há um exercício que se faz a cada trimestre nos Estados Unidos que conta a freqüência com que a palavra "recessão" aparece nos dois principais jornais do país, o "Washington Post" e o "New York Times". O que tem se observado é que essa freqüência está aumentando. O que significa que as expectativas tendem a se realizar.
Em relação à taxa de juros, o chairman do Federal Reserve diz que caiu meio ponto. Se essa baixa dos juros nos Estados Unidos repercutir favoravelmente sobre a retomada da atividade econômica naquele país, isso ocorrerá 12, 14 ou 16 meses adiante. O que nos interessa é o que acontece nesse meio tempo, e é preciso levar em conta também as flutuações alucinantes das Bolsas de Valores, os efeitos riqueza e pobreza, e um país extremamente endividado em níveis pessoais, até mesmo para jogar na Bolsa. De modo que tudo isso me leva a pensar que realmente não existe uma recuperação just around the corner, na próxima esquina, para o caso da economia norte-americana.
Isso significa também que vai haver repercussão sobre as demais economias. Estamos numa época em que as correias de transmissão das flutuações cíclicas de um país imperial como os Estados Unidos para o resto do mundo são muito diferentes, muito mais amplas, muito mais diversificadas do que no caso clássico da Grande Depressão dos anos 30. Como aquela crise nos atingiu? O país era praticamente exportador de um único item, o café. Dentro de certos limites, trata-se de um produto supérfluo, e assim caíram as exportações para os Estados Unidos. Em conseqüência, diminuiu a renda brasileira, e a depressão se instalou nos anos 30. Hoje as redes de transmissão no mundo globalizado são muito mais diversificadas.
Robert Appy se referiu à taxa cambial, e uma das questões que talvez pudesse ser levantada é em que medida uma variação dessa taxa, no sentido da desvalorização, seria perpassada para os preços internos. Qual seria o limite aceitável de desvalorização que não prejudicasse a meta inflacionária, ainda que essa meta, como todos sabemos, tenha um intervalo de confiança extremamente alto?
Outro comentário: o sociólogo Roberto DaMatta sempre verbera contra os economistas afirmando que eles são incapazes de fazer qualquer intervenção ou palestra sem recheá-la de números. Eu diria que, para satisfazer o sociólogo, uma das preocupações minhas neste momento é exatamente o quadro político conturbado do Brasil, justamente quando a continuidade do crescimento depende do fluxo externo de investimentos diretos. A estabilidade política, independentemente de comissões parlamentares de inquérito, é condição fundamental para garantir o fluxo dos investimentos, que nos permitam equilibrar as transações correntes. O quadro político pode influir negativamente sobre o aporte de investimentos externos, e é preciso prestar muita atenção nisso.
Por último, gostaria de relembrar um ponto levantado por Josef Barat quando falou da infra-estrutura. De modo geral, os economistas concentram muito sua atenção nas questões econômicas e financeiras, e se preocupam pouco com o lado físico da economia. Existe uma expressão que pode ser referida entre aspas, utilizada nos livros de teoria econômica, sobretudo os que explicam a teoria keynesiana, e que pode ser sintetizada assim: condições físicas da oferta. Pelas razões apontadas por Barat, tais condições não levam neste momento a pressupor que o crescimento verificado nos últimos tempos vá se manter. E aqui a questão da energia elétrica é fundamental. Mário Amato deve se lembrar de que no Conselho para Assuntos de Energia da Confederação Nacional da Indústria fazíamos estudos sobre a crise energética, e se verificava que as soluções apresentadas eram postergadas simplesmente porque a economia continuava trabalhando em regime de baixa rotação. No momento em que a economia passou a trabalhar a 9 mil, 10 mil giros, o problema veio à tona, e não há solução a curto prazo.
Temos certamente aí uma falha de governo, Executivo e Legislativo sobretudo, ou seja, a incapacidade de se antecipar àquilo que o futuro nos estava reservando e que, dentro dos quadros técnicos, era absolutamente previsível. A solução de curto prazo seriam as termoelétricas a gás. O gás de repente passou a ser a panacéia para a crise energética, mas é bom lembrar que as turbinas a gás de ciclo combinado não estão disponíveis para o Brasil. As grandes empresas fornecedoras estão lotadas de pedidos. As soluções que estão sendo encontradas são saídas de emergência e certamente vão repercutir sobre as tarifas, constituindo, quem sabe, um elemento, ainda talvez moderado, de inflação de custos.
CLÁUDIO LEMBO – Quero fazer um registro. O Parlamento brasileiro foi transformado na "Geni" da história. E não é. No caso da crise energética, houve parlamentares que fizeram o alerta a tempo e hora. Creio que o Executivo tem de assumir, num regime presidencialista, seus equívocos. O Congresso comete seus erros, como certas figuras cujo comportamento tem sido pouco apropriado ao exercício ou à dinâmica da democracia. Mas creio que não é tão culpado como tem sido apresentado. Ele vem funcionando com respeitabilidade, continuidade e eficiência. Tanto assim que aprovou o Plano Real e todos os outros de que o Executivo necessitava para modernizar o país.
CLÁUDIO CONTADOR – Julian Chacel é um pessimista moderado. Eu sou um misto de otimista com pessimista. Ruben Almonacid citou aquela mudança de 1999, que foi muito importante. Mas, mais determinante do que a guinada cambial, foi a alteração institucional dentro do Banco Central (BC), em que saímos do misticismo imobilista de Gustavo Franco para o pragmatismo de Armínio Fraga. Tenho acompanhado a ação do BC. Eles conseguiram introduzir mudanças muito importantes, inclusive imunizando a economia brasileira contra choques futuros, como é o caso do sistema brasileiro de pagamentos. Lamentavelmente, sua implantação foi postergada para 2002, mas a medida é uma forma de privatização da grande câmara de compensação, com sistemas muito mais avançados. O impacto disso em relação a futuras crises de solvência e liquidez é muito importante. O Brasil vai ficar bastante imune, salvo quando houver uma grande crise sistêmica, daquelas gigantescas. Esse ponto me deixa um pouco mais otimista. Apesar de nem sempre concordar com o BC, vejo que eles estão fazendo algumas mudanças estruturais que são muito importantes para o futuro.
Quanto à taxa de juros hoje no Brasil, não há dúvida de que afeta a atividade econômica. No passado isso não era muito visível, mas hoje é. Elaborei, num trabalho, um gráfico que mostra com clareza a relação entre a taxa real de juros em desconto de duplicata e o crescimento do PIB. Há um reflexo, e a taxa de juros permite prever o que vai se passar nove meses depois. Isso significa que um aumento hoje da taxa básica de juros vai repercutir no custo de duplicatas, e lá na frente, no final do ano, início de 2002, teremos uma apertadinha na economia.
Um segundo item muito importante, crucial principalmente para o comércio, é a questão da insolvência de pessoas físicas, que vem crescendo no Brasil. A do comércio nem tanto, a da indústria está caindo, mas a de pessoas físicas está aumentando muito.
Nesse aspecto mais uma vez a taxa de juros tem um impacto pesado. É mais um componente da desaceleração da atividade econômica.
É interessante notar que ninguém mais fala no Brasil sobre uso da política de juros para atrair capital externo. No passado, era comum fazer cálculos de taxa interna e externa. O principal obstáculo, hoje, é essa grande confusão que está surgindo no governo, mencionada por Chacel, que tem impacto sobre a entrada de capitais externos muito maior do que qualquer outra coisa. E é bom lembrar o seguinte: já estamos com um fechamento de contas do balanço de pagamentos bastante apertado este ano. Se tivermos redução de ingresso de capitais externos, vamos ter de diminuir o estoque de reservas ou contrair empréstimos. Se o ambiente externo não estiver favorável, certamente perderemos reservas, o que vai deixar a economia brasileira um pouco mais frágil na passagem de 2001 para 2002. E é bom não esquecer que 2002 é um ano eleitoral.
O desaquecimento da economia brasileira para mim não é surpresa. Digo isso com muita segurança, porque desde novembro de 2000 nossos indicadores já comprovavam que no primeiro semestre deste ano haveria um desaquecimento. Na época em que apresentei um trabalho em que abordava esse assunto parecia loucura, pois a economia estava bem.
JOSUÉ MUSSALÉM – Vou tratar da questão da inserção competitiva do Brasil no mundo globalizado. Listei quatro fatores que chamo de balança comercial, balanço de pagamentos, dívida externa e competitividade internacional, este último subdividido em seu aspecto tecnológico e em relação ao impacto do custo Brasil.
A previsão do saldo da balança comercial mostrava inicialmente um valor positivo de US$ 1,2 bilhão, mas deve chegar a um número negativo de US$ 1,5 bilhão, como disse Robert Appy. Hoje, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) considera que o saldo positivo projetado para o Brasil será da ordem de US$ 200 milhões, um valor muito pequeno, incapaz de mudar pelo menos a trajetória do balanço de pagamentos.
A constatação de que as importações estão aumentando nos remete a três observações. Primeiro, a economia brasileira continua crescendo, mesmo com a turbulência internacional. Recentemente o Ministério da Fazenda divulgou um estudo em que mostra que a formação bruta de capital fixo no Brasil, entre janeiro e fevereiro de 2001, comparada com a do mesmo período do ano passado, cresceu 10,06%. Ou seja, gastamos 10,06% mais na compra de máquinas e equipamentos do que no ano passado. Note-se que o item mais pesado em importação normalmente são as matérias-primas, e logo depois vêm as máquinas e equipamentos, o que significa que há um processo modernizador na economia. Em resumo, eu diria que a balança comercial não está contribuindo para diminuir a dependência externa do Brasil.
O segundo fator, balanço de pagamentos, já foi tratado aqui. No ano passado conseguimos fechar as contas graças à privatização do Banespa, que contribuiu com alguns bilhões de dólares. Neste ano, de um total estimado em US$ 26 bilhões, há uma projeção de US$ 25 bilhões de investimento direto estrangeiro. É possível, assim, que se consiga fechar a conta, apesar do processo de endividamento.
O terceiro fator é dívida externa. A questão mais relevante levantada por Robert Appy e que considero também fundamental é que essa dívida hoje é grande, é de prazo mais longo, e não é mais estatal como nos anos 80. Hoje é privada – é do Itaú, do Bradesco, dos bancos estrangeiros instalados no Brasil e das grandes empresas –, mas representa em seu conjunto uma forte saída de juros e de amortização a médio e longo prazo. Ou seja, talvez estejamos construindo uma dependência maior de entrada de capitais no Brasil, e isso preocupa bastante. E é interessante notar também que, apesar de o país ter chegado a um limite máximo de pouco mais de 22% de investimento com relação ao PIB, segundo estudos de Cláudio Contador, a projeção para este ano estaria em torno de 19,5%. Mas esse é o prognóstico para o investimento geral na economia brasileira em relação ao PIB. E o setor público não contribui com absolutamente nada. Ou seja, temos um processo de despoupança.
Quanto ao aspecto tecnológico, temos um calcanhar-de-aquiles, que é a falta de tradição em investimento em pesquisa básica e aplicada. A pesquisa no Brasil está centrada na universidade pública, nos institutos como Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo) e Itep (Instituto Tecnológico do Estado de Pernambuco), e o Brasil somente tem competitividade exportadora em nichos de mercado, como no caso da Embraer.
O fator custo Brasil, também já tratado, é outra questão fundamental. São quatro itens: taxa de juros interna, que nos deixa pouco competitivos; carga tributária, hoje estimada em 33%, um modelo absurdo, que transfere renda do setor privado para o público, onde o dinheiro é pessimamente aplicado; transporte interno, do qual não preciso nem falar; e o elevado custo de operações de infra-estrutura no Brasil.
CARLOS ALBERTO LONGO – Gostaria de dizer que os economistas que me antecederam não me convenceram, em relação à análise quantitativa ou financeira da economia, se estamos crescendo ou em recessão. Assisti a uma palestra de Afonso Celso Pastore dias atrás em que ele justificava a elevação da taxa de juros com o aquecimento do setor industrial, especificamente devido ao aumento do crédito ao consumo. Estava defendendo a política atual do Banco Central, que é de desaquecimento da economia.
Devo dizer que Josué Mussalém tocou num ponto crucial para o impasse em que nos encontramos hoje: como voltar a crescer no contexto de globalização.
Vejo na questão da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), por exemplo, e da União Européia, e na discussão sobre o protecionismo nos Estados Unidos, Japão e China, a necessidade que tem o Brasil hoje de duplicar ou triplicar as exportações dos setores primário e secundário. É preciso que haja uma discussão política no Parlamento, e dentro e fora do país, sobre a necessidade de exercer pressões em torno dos interesses que podem ser convergentes. Poderíamos exportar hoje duas vezes mais do que o atual em soja, suco de laranja, açúcar, álcool, e não o fazemos porque a proteção lá fora é deslavada, explícita, declarada. Então, se o Brasil cresce ou não, depende muito mais do que está acontecendo no Planalto, como disse Julian Chacel, do que propriamente de uma pequena variação na taxa de juros, como afirma Cláudio Contador.
ROBERTO PENTEADO – Gostaria de falar sobre os cuidados que deveriam ser tomados para a criação de uma tecnologia auto-suficiente. No caso do trigo, por exemplo, o Brasil nunca será auto-suficiente porque não temos uma variedade tropical. No entanto, o país já tinha desenvolvido a tecnologia da farinha de milho integral desengordurada, que patenteamos nos Estados Unidos. O Ital (Instituto de Tecnologia de Alimentos) e a Embrapa fizeram todo o trabalho de tirar o pigmento amarelo da farinha de milho, uma padaria em São Paulo realizou os testes, a imprensa divulgou o fato e os próprios padeiros pediam que saísse logo essa farinha, para poderem ter lucro, uma vez que o pão se desenvolvia mais, tinha rendimento muito maior do que com o trigo. Mais: por determinação do então presidente Ernesto Geisel criou-se uma comissão para estudar o assunto. Mas nunca mais se tocou no assunto.
Outro detalhe: o biodiesel foi desenvolvido na indústria automobilística, tendo como matéria-prima soja e álcool etílico. Hoje esse produto é utilizado no mundo todo. Na Alemanha há 350 postos, e os Estados Unidos, Japão e Suécia usam o produto. Mas nosso biodiesel não saiu do papel. Tive a oportunidade de instalar em Campinas (SP) o processo contínuo de produção. Mas nada foi aproveitado. Parece que no Brasil os programas não duram. Eles evaporam.
VAMIREH CHACON – Em relação à Alca, temos uma data fatal, que ocorrerá no máximo no ano de 2005. Os Estados Unidos, como todos sabem, têm déficit crônico com a União Européia, Japão e China. Então a possibilidade que eles têm de se recompor está na América Latina. Não acredito que seja possível adiar para depois de 2005 nossa plena participação na Alca.
Não se trata propriamente do fim do mundo, como algumas pessoas dizem, mas apenas de uma nova fase. A Alca não será ainda e talvez nunca venha a ser uma união aduaneira, como o Mercosul já é. A implantação da Alca não significará necessariamente a extinção do Mercosul, da mesma forma que não há nenhuma certeza de que a união aduaneira do Mercosul se transforme numa união econômica, que já exigiria várias outras etapas, como a compatibilização dos sistemas tributários internos, das políticas econômicas e até uma moeda única. Esse processo vai se multiplicar, se ampliar e se aprofundar, o mais tardar a partir de 1º de janeiro de 2005. Eu gostaria de deixar esse lembrete, até histórico, registrado na revista Problemas Brasileiros.
MUSSALÉM – Segundo um artigo de Mário de Almeida na "Gazeta Mercantil", podemos até ter vantagens, se compararmos a Alca com a própria União Européia. Na Europa os países mais ricos foram obrigados a investir no chamado fundo compensatório europeu em benefício dos países mediterrâneos, os mais pobres, como Espanha, Portugal e Grécia. Portugal, por exemplo, mudou depois que começou a receber recursos a fundo perdido da União Européia. Houve inclusive muitos desvios, uma série de escândalos, mas os portugueses mudaram o perfil estrutural de seu país. Dentro dessa conceituação, Estados Unidos e Canadá teriam igualmente de repassar investimentos para a América Latina.
ISAAC – Vamos cutucar um pouco os políticos. Prisco, como você vê essa turbulência política atual, a aproximação do problema sucessório e as repercussões desses fatos nos investimentos estrangeiros no Brasil e na economia em geral?
LUIZ HUMBERTO PRISCO VIANA – O professor Cláudio Lembo fez um reparo que eu gostaria de reforçar. O Congresso não pode realmente ser responsabilizado pela falta de reformas, pois fez todas aquelas que lhe foram propostas. Certamente, como a discussão é econômica, Robert Appy se referia à reforma tributária. Não está havendo omissão, muito pelo contrário, pois foi o Congresso que teve a iniciativa de propor essa reforma, houve discussões longas e o presidente da República até tem colocado obstáculos a essa iniciativa. É claro que ela não interessa ao Executivo, já que levaria ao reexame da questão da distribuição da renda nacional. Aí entrariam interesses de estados e municípios, e a União está muito bem contemplada na divisão desse bolo. De outro lado, o presidente vem fazendo as reformas tributárias de interesse do governo, através de leis, medidas provisórias e até atos administrativos. Uma delas, que tem dado renda extraordinária, é o imposto sobre o cheque, que é hoje uma contribuição, e já se pensa em transformá-la em permanente.
Cláudio Lembo colocou bem a questão do Congresso, e eu diria apenas que o país tem estabilidade institucional, tem uma ordem jurídica, e o Congresso funciona, apesar das deficiências naturais em um país de instituições políticas muito novas, sem muita tradição. E, no particular, é interessante observar que nos últimos seis ou sete anos, mais no governo do presidente Fernando Henrique, do total de leis aprovadas pelo Congresso, cerca de 70% foram propostas pelo Poder Executivo. Se o Congresso não tem feito muitas leis por iniciativa própria, não tem, por outro lado, negado ao governo os instrumentos legais para que ele possa cumprir seu programa. Em resumo, o Congresso não tem sido um elemento perturbador da governabilidade do país.
Quanto à sucessão, ainda é muito cedo para falar dela. Discordo de que a antecipação dessa discussão seja um elemento perturbador. É necessário conhecer os candidatos e discuti-los para decidir melhor. Mas penso que é preciso que se proceda, no campo político, a alguns ajustes da legislação. Poderíamos experimentar o sistema de financiamento público, mas devemos mudar o sistema da eleição para o Congresso. Os partidos se enfraquecem em função desse sistema que aí está – proporcional de lista aberta –, em que todos se candidatam num distrito único. Não há com isso a menor condição de os partidos se afirmarem e, na medida em que eles não se afirmam, a democracia se desenvolve com dificuldade. Deveríamos adotar um sistema em que os partidos pudessem ter uma influência na organização da lista de candidatos, para melhorar a qualidade da representação política no Congresso brasileiro.
CHACEL – Gostaria de deixar claro que em nenhum momento o Legislativo foi reticente em relação à reforma tributária. Mas convém talvez fazer uma certa rememoração e explicar qual foi, ao início desse processo por enquanto abortado, a posição do empresariado nacional. Lembro que a Constituição de 88, ao estabelecer o princípio da partilha das receitas tributárias, deslocou receita da União para os estados e municípios. Pouco depois, houve a criação de contribuições que seriam arrecadadas pela União, sem que fossem objeto de partilha. Isso em parte explica o aumento da carga tributária. Eu diria que nos últimos cinco, seis anos, a partir do primeiro mandato do atual presidente da República, a carga tributária deve ter subido uns seis pontos percentuais. A posição do empresariado era pela redução da carga tributária, já que, rondando os 33%, é considerada, para o nível de desenvolvimento do Brasil, comparativamente elevada. Defendiam uma simplificação do sistema tributário através do amálgama de impostos e a eliminação da guerra fiscal. Esses seriam os principais pontos. A dificuldade toda talvez tenha se centrado na questão do ICMS, porque absorveria o atual IPI, algo similar ao Imposto sobre Valor Agregado e a repartição com os estados a partir de uma legislação federal. Isso encontra, evidentemente, a oposição dos governadores e sobretudo da Câmara, na medida em que (e essa expressão não é minha, é uma constatação do vice-presidente da República) o representante na Câmara tem sido muito mais representante do estado do que dos indivíduos que formam o seu colégio eleitoral. Não me refiro a governo, mas sim a Executivo, Legislativo e Judiciário, fato que os políticos esquecem de diferenciar. Para eles o governo é o Executivo. Não. Nós estamos ainda num regime de três poderes. O Executivo não tem realmente interesse neste momento em fazer a reforma tributária. Como bem disse Appy, o equilíbrio fiscal está sendo buscado através de um aumento de arrecadação tributária e não de corte de despesas.
Lembro também, para terminar esta intervenção, que a discussão entre carga tributária elevada ou moderada tem certos elementos de subjetividade. Tenho a impressão de que ela é considerada elevada no país porque as prestações sociais do Estado são deficientes. O que o contribuinte recebe em troca? Daí talvez a percepção de uma carga excessiva, quando em outros países, sobretudo na Europa, ela vai a 40% ou mais, sem que eles sejam necessariamente socialistas.
Quanto à corrupção, penso que convém insistir sobre o dano que a forma como ela é percebida no país pode trazer para a continuidade de nosso crescimento econômico. Existe uma instituição em Berlim chamada Transparency International que faz, com critérios talvez discutíveis por sua subjetividade, um ranking de como a corrupção é percebida nos diversos países. No topo, com grau 10, por conseguinte praticamente zero de corrupção, está a Dinamarca. O Brasil está com anotação 4, ligeiramente melhor do que Filipinas e Indonésia.
APPY – Quando falei sobre a responsabilidade do Legislativo, tomei o cuidado de não citar a reforma tributária, porque estou convencido de que realmente o governo não quer isso. Lembro, entretanto, que a responsabilidade do Legislativo, ao recusar a reforma da previdência social, foi total. Recusou a proposta do governo. Ora, o déficit da previdência é de R$ 40 bilhões. O famoso imposto execrável que se quer manter arrecada R$ 18 bilhões. A reforma política também está proposta pelo governo e tenho a impressão de que não será aceita pelo Legislativo. Só isso.
MÁRIO AMATO – Sou contador e não tenho a percepção dos economistas. Como empresário, já fui responsável por 13,8 mil empregados. Hoje, por causa das modificações na economia, são apenas pouco mais de 4 mil. Nestes 72 anos de atividades empresariais, tenho passado por inúmeros pacotes, pacotinhos e pacotões. O maior inimigo que temos a vencer é o governo. Mas sou otimista. Penso que por estar com 82 anos e com plena saúde tenho de ser otimista. Este país tem mostrado desenvolvimento descontinuado mas progressivo.
Uma coisa de que ninguém falou é a Lei de Responsabilidade Fiscal. O Brasil sempre gastou mais do que arrecada. A sonegação é um de nossos problemas mais graves, embutido no íntimo de nossos empresários e das pessoas em geral, de qualquer nível cultural. No dia em que o país atingir o equilíbrio entre receita e despesas, vai encontrar seu caminho, não tenho dúvida nenhuma. E as reformas sairão espontânea e regularmente.
Mas tenho uma preocupação maior com a guerra civil da violência. Hoje você sai à rua e não sabe se chega vivo em casa. Dizia Sócrates que os bem-nascidos têm a oportunidade de melhorar a sociedade. Os malnascidos, numa sociedade boa, melhoram. Mas os bem-nascidos numa sociedade ruim pioram, e os piores pioram mais ainda. Não existe governo ruim, existe povo que não merece o governo que ele precisa e quer.
MALCOLM FOREST – Fala-se muito em dívida do ponto de vista contábil, tradicional. Mas temos uma dívida social gigantesca, uma dívida ambiental e uma infra-estrutural enormes, um atraso muito grande.
Não sou especialista, não acompanho de perto todos os detalhes dessa área, mas a privatização dos bens públicos tem sido usada para contrabalançar a dívida que temos no país, e me preocupa o que vai acontecer a médio e longo prazo em termos do governo. Vamos chegar a um ponto em que não haverá mais patrimônio público para vender e pagar as dívidas que temos.
EDUARDO SILVA – Estamos habituados a ver tabelas com dados preparadas por economistas. Isso não significa porém que o mundo físico as acompanhe. Para se fazer uma nova usina levam-se dez anos, uma reforma de plano rodoviário requer outros dez. E ficamos envolvidos basicamente na discussão numérica. Precisamos nos dedicar mais aos gargalos do desenvolvimento físico. Apesar de nossas estruturas institucionais apresentarem fragilidades, elas não impedem o progresso, pois temos capacidade profissional e técnica e uma população ativa. O que está faltando talvez seja a vontade de vencer os desafios.
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