Postado em 15/09/2015
Marina Abramovic iniciou sua carreira nos anos de 1970. Ao longo das quatro décadas de sua carreira, consolidou a performance como uma forma autônoma de arte, ao introduzir novos conceitos como reperformance e performance de longa duração. Artista de intensa atividade criou obras que exploraram os limites físicos e mentais, a exaustão, a dor, o perigo. Entre os meses de março e maio, esteve no Brasil para a realização do projeto Terra Comunal – Marina Abramovic+MAI no Sesc Pompeia. A exposição apresentou a maior retrospectiva da artista já realizada na América do Sul e a mais abrangente experiência aplicada por seu instituto – Marina Abramovic Institute (MAI), além de encontros com o público. A curadoria abordou três pontos focais na prática de Abramovic: o Corpo Artista, referindo-se à presença de seu próprio corpo em suas performances; o Corpo Público, que se torna evidente pela desconstrução dos limites entre performer e observador; e, finalmente, o Corpo Estudante, que cria espaços de colaboração para artistas, pesquisadores e o público.
mais60: Você declarou em uma entrevista “Quanto pior sua infância, melhor sua arte” o que você reconhece da sua infância em sua produção artística?
marina abramovic: Crescendo na Ex-Iugoslávia, você realmente aprende a lidar com a disciplina e para mim foi realmente extremo. Com a ausência de liberdade, você encontra uma maneira de criar sua própria realidade paralela. Ambas as condições influenciaram meu processo e também se tornaram tema de meu de trabalho.
mais60: Como foi o percurso entre uma infância cheia de regras e disciplinas para uma vivência, já quase aos 30 anos, de liberdade e independência?
marina abramovic: Liberdade e independência são ilusões em qualquer país. Cada cultura tem seu conjunto de regras e restrições, apenas algumas são mais óbvias do que outros. De muitas maneiras eu senti mais liberdade quando eu estava crescendo porque conhecia meus limites e restrições. De certa forma, sentia mais liberdade do que agora, embora viva na América uma democracia, porque, para mim, aqui os limites da liberdade não são realmente claras ou bem definidas.
mais60: Apesar de seus pais terem dificuldade em entender sua arte, após a morte da sua mãe você encontrou, em sua casa, livros sobre seu trabalho. De alguma forma ela estava perto de você. Não é?
marina abramovic: Fiquei comovida quando encontrei meus livros, que minha mãe tinha guardado, mas quando eu os olhei, descobri que ela os havia editado pesadamente. Ela sempre sentiu vergonha da exposição de meu corpo no meu trabalho e ela realmente nunca aceitou minha arte performática.
mais60: Vislumbramos, na contemporaneidade, uma sociedade que promete - por meio da tecnologia - a permanência da juventude dos corpos. Como você percebe essa resistência ao corpo velho? O corpo tem seus próprios limites. Cresce, envelhece e eventualmente morre. A tecnologia nunca vai elevar os seres humanos acima de outros seres, como pássaros, abelhas, animais e árvores. Como você percebe, nesta sociedade que quer manter a vida a todo custo por meio da ciência e da tecnologia, a morte. Qual lugar ela ocupa na sua arte?
marina abramovic: Isso não ocupa um lugar no meu trabalho. Estou mais interessada em entender a temporalidade do ser humano e o meu trabalho reflete isso.
mais60: Como você relaciona envelhecimento e finitude?
marina abramovic: Minha avó sempre tinha roupas preparadas para a sua morte. Ela começou a fazer isso quando era muito jovem e alterava o que usaria conforme a moda mudava ao longo dos anos, estaria sempre preparada para a possibilidade de morte a qualquer momento. Como ela, eu já organizei e dei todas as instruções para o meu funeral, porque a morte pode vir a qualquer momento e temos que aprender a aceitá-la.
mais60: Você está sempre rodeada de pessoas, o que você pensa sobre a relação com o outro e sobre a solidão?
marina abramovic: De certa forma estou na solidão voluntariamente por ser uma artista e, embora não sejafácil viver assim, eu aceito. O que tento aprender é o amor incondicional, independentemente da idade, sexo, raça ou religião. Se você ama o amor para todos no planeta, você nunca vai estar sozinho.
mais60: Chegando aos 69 anos, quais potencialidades e quais fragilidades você percebe em si?
marina abramovic: Estou realmente ansiosa para chegar aos 70 anos. É um momento sério na minha vida e eu não posso envolver-me com besteiras. É importante refletir sobre o passado, aprender com as fraquezas e os erros, para abraçar o momento presente como ele é. Isso é tudo que temos.
Marina nasceu em 1946, em Belgrado, Sérvia (parte da República da ex-Iugoslávia), recebeu uma educação rígida que, segundo suas palavras, influenciou sua obra e seu método de performance. Seus pais, Vojo Abramovic e Danica Rosi, foram combatentes na guerra - lutaram contra os nazistas - e, mais tarde, membros ativos do Partido Comunista. Em sua casa mantinha-se uma rígida disciplina, a mesma disciplina que Marina transportou para suas performances, que confrontam seus limites físicos e psicológicos.