Postado em 06/08/2015
A distinção entre informação e comunicação tem sido destacada em certos âmbitos da sociedade contemporânea. Entre outras conclusões derivadas dessa distinção, a mais comum é a de que não há uma relação automática entre o aumento da geração e circulação de informações e o enriquecimento dos cenários comunicativos produzidos pelas relações sociais. A conjuntura brasileira atual em suas dimensões social, cultural e política é pródiga de demonstrações dessa relação complicada entre informação e comunicação. No entanto, se num domínio de discussões (filosófico e acadêmico, por exemplo) essa relação é vista de forma problematizadora, o mesmo não se dá em termos sociais mais amplos, o que por si só comprova a falta de trânsito comunicativo entre os "mundos culturais" de nossa sociedade.
O que predomina socialmente é a representação que assimila a informação à comunicação. O indicativo mais forte dessa fusão é a crença (que não deixa de ser ideológica) de que a prevalência do direito constitucional de livre expressão e de manifestação por si só comporia quadros comunicativos razoáveis em nossa sociedade. Ora, esse direito é, antes de tudo, privado e não garante o direito geral da população à informação plural e de boa qualidade, esse sim de caráter público capaz de alimentar discussões mais razoáveis em nosso país. Não há garantias de que a junção de toda a informação gerada e posta em circulação pelo nosso sistema midiático convencional e pelo novo representado pelas redes sociais, resulte na realização aceitável do direito à informação da população em geral.
Um quadro social comunicativo digno desse nome pressupõe o conflito e o debate totalmente livre de ideias, onde a liberdade de expressão opera, mas pressupõe também a disposição de ouvir o outro e de mudar de opinião, a operação de uma razão comunicativa que entende que opiniões mais razoáveis surgirão dos embates. Tendo em vista a relação da sociedade brasileira, seus quadros de comunicação e o mundo informacional, o que temos assistido é a formação de "enclaves semânticos e ideológicos" de grupos sociais que se manifestam pela mídia tradicional ou pelas redes sociais que estão mais interessados em arregimentar forças do que debater sinceramente, conhecer e compreender a posição do outro. É uma razão estratégica se sobrepondo à razão comunicativa. Nossos ambientes de discussão são marcados pela convergência de ideias. São espaços onde a divergência é hostilizada e expulsa e não é vista como elemento natural de qualquer discussão social.
Essa ausência de cultivo da razão comunicativa não é um defeito de apenas alguns setores, ela é mais ou menos generalizada e está presente em "três ordens" de grande importância, responsáveis pela iniciativa de geração de informações e pela intermediação civilizadas dos debates públicos: 1. encontra-se no nosso sistema político, que não produz e nem repercute discussões políticas de fato, substituindo-as por acordos estratégicos de bastidores; 2. se manifesta fortemente no nosso sistema midiático tradicional, marcado pela banalidade e pela parcialidade; 3. também impera, de forma desoladora, no mundo universitário, produtor e reprodutor do conhecimento científico.
No âmbito acadêmico, em tese, não se poderia conceber as práticas do ensino e pesquisa científica sem a contraposição de ideias, sem o domínio de uma razão comunicativa. Contudo, são fartos os exemplos de funcionamento interno do nosso sistema universitário para demonstrar a supremacia de uma razão estratégica sobre a comunicação aberta e desinteressada. Mas, também é notório o fracasso comunicativo desse sistema com a sociedade de um modo geral. Um exemplo significativo é o do conhecimento gerado pelas chamadas ciências humanas e/ou sociais, que, junto a seus produtores, tem tido seu prestígio apagado nos debates públicos existentes. Nem são interlocutores do que está posto e pautado por outras ordens (os sistemas midiático, político e econômico), como muito menos conseguem pautar os debates que se entende, no mundo da pesquisa, como relevantes e que estão ausentes das discussões públicas. Nesse caso, ou estamos diante de uma incapacidade de origem desse tipo de conhecimento, ou de um desperdício de um repertório que teria um papel importante nos debates e na busca de soluções para as grandes questões sociais.
Não é plausível que o problema seja de qualidade do conhecimento gerado no mundo universitário, que, aliás, deve ser "desentocado" como um dos meios de seu maior aperfeiçoamento. Então, onde estaria a dificuldade dessa "ordem cultural" inserir-se produtivamente nos debates públicos? A discussão é complexa, multifacetada e longa. Por ora, vale refletir sobre o ambiente de hostilidade que se instaurou entre a academia e o sistema midiático. Não é de se espantar que a comunicação entre esses dois mundos esteja tão deteriorada e que o ponto de desacordo maior encontra-se justamente entre os conhecimentos das ciências humanas e o sistema midiático? É necessário refletir sobre as razões desse abismo que se expande e construir, urgentemente, pontes que restabeleçam essa comunicação.