Postado em 06/08/2015
Do porto de Santos parte a catraia rumo à Ilha Diana. Logo os navios colossais começam a se distanciar enquanto a paisagem do Monte Serrat, cada vez mais longe, desaparece no horizonte que se alarga mais à frente na confluência dos rios Pedreira, Sandi e Diana. A embarcação segue pelo pequeno lagamar que abraça a cidade de Santos abrigando pontes e trilhos dos terminais retroportuários. A primeira parada é na Base Aérea, onde a bandeira brasileira trêmula em frente ao histórico casarão branco e azul construído na porção continental que já pertence ali ao município de Guarujá. Após alguns minutos no deck para desembarque de passageiros, a catraia continua o caminho pelo rio Diana circundando uma área de manguezal ainda preservada.
Logo à frente se avista um pequeno píer amarelo onde os barcos encostados combinam suas cores fortes com as casas de madeira da vila. O azul oceano, o amarelo sol e o vermelho mangue desenham a primeira impressão de quem chega à ilha. Os moradores desta pequena vila de pescadores retomaram recentemente um projeto de turismo com passeios agendados e orientados pelos próprios integrantes da comunidade. Os visitantes são recepcionados com um café da manhã caprichado onde os bolos são carinhosamente preparados para adoçar o dia e a conversa.
O passeio que revela um pouco da história da comunidade percorre as pequenas ruas, a cozinha, o viveiro, o canteiro de plantas ornamentais, além do campo de futebol e o salão da comunidade repleto de troféus conquistados pelo time da ilha. O modo de vida na ilha se espelha na tranquilidade das águas do rio Diana - os barcos voltando da pesca, as voadeiras (pequenas embarcações) encostadas nos quintais, as roupas secando ao lado das redes de pesca, penduradas na varanda.
Ainda antes do almoço, os visitantes realizam uma navegação pelo Rio Diana para observação do ecossistema presente na região. E não precisa ficar apreensivo ao saber que o nome do barqueiro é Seu Avaria, porque apesar de não revelar para ninguém a origem deste apelido, ele garante que isto não procede de nenhuma manobra marítima infeliz. Ao contrário, este antigo pescador da Ilha Diana é certeiro não só nas curvas do rio, mas como também nos nomes dos animais e plantas, nas memórias e causos da região. Dono de uma sabedoria adquirida em anos de lida com o mar, o rio e a mata, Seu Avaria confirma esta experiência nas marcas de expressão desenhadas em seu rosto pelo sol.
No ritmo lento da maré o barco segue pelo rio revelando em suas margens espécies de mangue branco e vermelho, refúgio e berçário de muitas espécies. Uma infinidade de caranguejos, peixes (robalo, tainha, mero, caratinga, parati, dentre outros), camarões, moluscos, mexilhões, ostras e mariscos. Aves como as garças, os guarás, os socós, as saracuras e os colhereiros encontram ali um habitat com alimento farto. A garça-moura, ou maguari como é conhecida, é a maior garça brasileira. Ela e o guará-vermelho, que ganha esta cor ao se alimentar de caranguejos, se destacam pela beleza exuberante. Com muita sorte pode-se até ver alguns mamíferos como o macaco mão-pelada ou a lontra.
Após o passeio de barco, os visitantes são convidados a conhecer e provar as delícias da culinária local, traço marcante da cultura caiçara. A preparação do almoço é quase sempre feita pelas mãos de Sidnei Fernandes, pescador de 49 anos que aprendeu a preparar com maestreza iguarias tipicamente caiçaras. Os pratos variam no cardápio de acordo com a época pois são à base de ingredientes naturais e característicos do local, como pescados e mariscos coletados pelos próprios moradores. O peixinho frito, a panqueca de marisco, a polenta de camarão ou o famoso arroz azul marinho são reservados para o final do roteiro.
A Ilha Diana encontra-se estreitamente ligada à área continental do município de Santos, apenas a 20 minutos do centro urbano e somente a 8km do Porto. O impressionante é encontrar tão próximo da cidade um local que mantém os traços da cultura caiçara ainda fortemente presentes. O bairro tem aproximadamente 56 famílias, com 205 moradores que não alugam nem vendem suas casas para pessoas que venham de fora, pois a permanência na ilha é restrita aos seus descendentes ou cônjugues. "Só casando com alguém daqui que você ganha o direito de ficar! Aí ganha um pedacinho deste paraíso!" - nos conta sorrindo a Adriana que foi morar na Ilha Diana após se casar e hoje é uma das guias que recebe os grupos de visitantes. As atividades de turismo na ilha são protagonizadas pelas mulheres da comunidade.
A festa do padroeiro local, Bom Jesus da Ilha Diana, trazida pelas famílias oriundas de Iguape, acontece no início do mês de agosto e chega a reunir quase cinco mil pessoas nesta pequena vila. Mas no restante do ano os passeios à ilha devem ser agendados com, no mínimo, três dias de antecedência, e apenas um grupo é atendido por dia. Não há hospedagem com pernoite no local. Todo este cuidado revela a preocupação dos moradores com a manutenção da cultura local e do modo de vida tradicional. Esta perspectiva de um turismo de base comunitária realizado com o protagonismo dos moradores de forma sustentável e não predatória, contribui para cultivar os saberes locais e ao mesmo tempo complementar a renda familiar dos moradores, na qual a venda de pescados e a extração de mariscos exerce papel importante, apesar de vir diminuindo a cada ano por conta da poluição, do desmatamento dos mangues, da ampliação das atividades portuárias, da pesca predatória, entre outros fatores.
Nem todos os moradores da Ilha Diana tem na pesca sua principal atividade, mas essa é uma tradição passada de pai para filho e fortemente presente no cotidiano da comunidade, mesmo quando apenas com intuito de lazer ou alimentação. Nesta pequena faixa de terra esta população luta para manter suas tradições e modo de vida entrelaçados como uma raiz de mangue na terra e água que há muitas gerações constituem sua casa e sustento. As moradias estão de portas e abraços abertos para quem deseja também transpor os mares e ilhas que guarda dentro de si, para encontrar do outro lado, na diversidade desta experiência, o que se aproxima de sua própria história e essência.
Bem-vindo à Ilha Diana!
o que: |
Cultura Caiçara - Ilha Diana
Brasileiro que nem Eu: |
quando: |
Datas diversas. Acompanhe a programação para saber dos próximos roteiros: http://sescsp.org.br/turismo |
onde: |
Várias unidades do Sesc em São Paulo |
ingressos: |
Informações na Central de Atendimento das unidades. |