Postado em 29/05/2015
Kico Santos é cineasta. Formado em Cinema pela Fundação Armando Alvares Penteado – FAAP, é idealizador do projeto Cinema de Rua, que desenvolve microdocumentários urbanos – breves narrativas das cidades, sobretudo a de São Paulo, com linguagem poética e experimental – exibidos nos intervalos de programação do SescTV.
Como começou a trabalhar com audiovisual?
Cinema, vídeo e produção sempre me cativaram muito. Meu pai foi metroviário e, quando se aposentou, passou a se dedicar a produções em vídeo. A referência dele foi muito importante. Eu queria muito estudar cinema, mas não tinha como bancar a faculdade. Só consegui quando fui concursado pelo Tribunal de Justiça, por cinco anos, exatamente durante o curso de cinema. Escrevi muito roteiro no tempo em que ficava ocioso e comecei a fazer curtas. Fui trabalhar no Núcleo de Apoio em Pesquisa Escola do Futuro, da USP, em 2001, onde fazia vídeos documentários pequenos, de três minutos, com professores e alunos. Eram sobretudo com as pessoas falando, algo que tem muito a ver comigo – ouvi-las e transformar isso em um material interessante. Em 2006, montei a Prompt Filmes com a Priscilla Ballarin, que era minha mulher. Foi quando comecei a cuidar de vídeo em tempo integral.
Como surgiu a proposta do Cinema de Rua?
Tudo começou em um trabalho de pesquisa na Bahia, entre 2005 e 2006, para o Instituto Crescer, da Vale do Rio Doce, sobre o sucateamento da rede ferroviária. A pesquisa era toda anotada em papel, mas eu levei uma câmera de mão para filmar também. Em São Félix, cidade do Recôncavo Baiano, editei uma pílula de um maquinista e o resultado foi muito marcante, trouxe um impacto visual para as pessoas, não de imagem, mas da figura. Aí você vê que o que importa mesmo é a vida. Ele, a postura dele, o jeito com que ele me mostrou a estação de trem, a ruína ali. Resumir seus anseios e sua história de vida em três minutos de narrativa foi muito importante. Ali resolvi que trabalharia com vídeo, mesmo com poucos recursos. Poucos anos depois, na produtora, fazendo institucionais para o mercado corporativo, um amigo que trabalhava comigo, o videomaker Fabio Nicolaus, disse que precisávamos fazer alguma coisa autoral, e passei a produzir vídeos curtos, sem pretensão comercial.
Na primeira Virada Cultural de São Paulo, ganhei uma edição temática do Festival do Minuto com o vídeo Saltadores. Em outra ocasião, filmei um passeio de carrinho de rolimã de meu filho, que estava com uns dez anos, pelo Minhocão. Esse vídeo foi um dos primeiros que publicamos no blog do Cinema de Rua, em 2007. Começava a surgir aí a coisa do cotidiano. Um dia fiz um take de um gavião parado na antena do prédio vizinho. De repente, caiu um raio e o gavião saiu voando. As imagens originaram A Chuva, o primeiro vídeo feito especialmente para o projeto. Já fizemos 99 no total.
As ideias dos filmes passaram a ser roteirizadas de alguma outra forma?
Nós roteirizamos mentalmente. É o olho aberto para o momento. Quando filmei um casal de velhinhos em uma excursão na Capadócia, fui roteirizando na hora, no momento da filmagem, porque sabia como deveria contar aquela história. Com atores, você pressupõe o roteiro; com a realidade, é o recorte que consegue fazer. O que faz o filme ficar legal é a intenção, o ímpeto. Se ficar planejando muito, não acontece.
Com relação à temática dos curtas do Cinema de Rua, há um equilíbrio entre pura poesia urbana e discussões sociais?
A visão poética do espaço urbano, para nós, representava uma libertação, a liberdade criativa total. Era, sobretudo, a nossa vontade livre e completamente empoderada
para fazer o que a gente quisesse. É poesia que se vê. Os grandes fãs do Cinema de Rua são mais cativados por esse lado. Mas posso enumerar uma série de filmes que passam uma mensagem social. Há momentos em que assumimos uma bandeira e o filme vira uma ferramenta de denúncia.
Sua relação com a cidade é a de enxergar riquezas ocultas?
O que é transversal em todos os filmes é a cidade, é onde estou, é o meu contexto. Às vezes, estou predisposto a fazer um filme de um jeito, mas é preciso estar aberto. Se você insistir que quer contar a história do jeito que imaginou, o filme não vai funcionar. Fui passar férias na Bahia e fiquei todo o tempo tentando fazer um filme, sobre os mangues, os baianos. Mas ele só se realizou no aeroporto, quando saí para fumar um cigarro, vi um menino jogando um avião de controle remoto e o filmei com o meu celular. A emoção, a energia que funcionou estavam ali. A essência está nas pessoas, no momento, nas relações, no cotidiano. Meu olhar faz a montagem. Adoro manipular também, mas a partir do real, dando um colorido diferente ao que se pescou da realidade.
Seriam, portanto, uma espécie de minidocumentários?
Há essa intenção. Boa parte da nossa essência é a do documentário. O Nicolaus trouxe um caráter mais estético, de grafismo, e fazemos polaroides urbanos com um recorte artístico nosso. Não há muita intervenção, essa coisa de simular, em nossos filmes. Captamos o real e nos apropriamos daquilo. Mas a construção poética às vezes joga contra, ela não pode estar muito presente em documentário.
Qual o veículo ideal para acolher um projeto como o Cinema de Rua: a TV, a internet?
Acho que tem mais a ver com a internet, porque ela é real time. Um filme chamado A Chuva de Ontem só faz sentido se publicado no dia seguinte ao da filmagem. Você assiste à chuva que te molhou, a que vivenciou. Na TV ele continua poético, mas ganha outro significado. A TV é direta, não há tanto espaço para poesia. Ela tem que informar e tem vícios que a fazem funcionar. Quando você faz um filme que, apesar do tempo curto, tem uma elaboração, é poético, e no dia seguinte as pessoas já assistem àquela reflexão, ainda se está na vivência daquele momento. Em geral, quando o filme vai para a TV, ele já não está mais quente. Por outro lado, o formato de curta funciona muito bem na TV. O espectador é pego desprevenido por uma narrativa que não imaginava. Às vezes, funciona melhor que no ímpeto do internauta que quer assistir, quer clicar, porque se torna mais surpreendente. Sob o ponto de vista da intenção do filme, funciona mais na internet. Mas, como esses filmes não têm um tipo de narrativa específico a ser seguido, alguns formatos acabam funcionando muito bem na TV, como no caso dos interprogramas, em que o espectador não sabe o que vai ver. O que mais me motiva é o documentário rápido, menor, mais acessível. O conteúdo dos interprogramas é mais direto, são coisas que se conseguem rapidamente contextualizar para contar uma história.