Postado em 03/04/2015
Marina Abramovic é uma artista performática. Nascida em 1946, em Belgrado, ex Iugoslávia e atual Sérvia, iniciou sua carreira no início dos anos 1970 explorando as relações entre o artista e o público, os limites do corpo e as potencialidades da mente. Sua trajetória foi documentada pela HBO no filme The Artist is Present, registro da montagem e desenvolvimento da exposição homônima realizada pelo Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA). No Brasil até maio, Marina participa de Terra Comunal Marina Abramovic + MAI, uma retrospectiva de sua carreira realizada em parceria com o Sesc São Paulo, com instalações, vídeos, fotos, além de encontros com a artista, em cartaz no Sesc Pompeia. Marina finaliza ainda um novo documentário, Terra Comunal, sobre suas experiências místicas no país.
A força de seu trabalho está no contato direto e imediato estabelecido com o público, contudo grande parte de sua obra está registrada em vídeo. Qual a relação entre a performance e o vídeo?
Para mim, a performance será sempre meu trabalho artístico e o vídeo a documentação desse trabalho. Entretanto, o vídeo também pode existir como uma forma de arte. Você tem sempre de dividir essas duas coisas de modos diferentes. A performance quando documentada em vídeo não está no seu espaço ideal porque a câmera é algo secundário, o público tem de ser o foco principal. Nesse caso, o material que temos do registro em vídeo de uma performance terá sempre menos qualidade e impacto do que a performance original. Mas se o artista pensa e realiza sua performance diretamente para a câmera, então você tem um trabalho diferente de arte, não será apenas uma documentação. Por isso são duas categorias diferentes.
De que forma o vídeo está inserido em seu trabalho?
Eu sou muito interessada em documentar minhas boas performances. Quando eu tenho uma ideia para um trabalho, eu também me empenho muito para achar a posição exata da câmera. Gosto de explorar as melhores possibilidades, não apenas do ponto de vista do público, mas também para uma gravação. No documentário The Artist is Present, a performance no MoMA foi concebida para ser presencial, mas foi também registrada em tempo real. Temos 712 horas de material bruto. Você pode ver a versão editada, no filme, e ainda uma não editada, nas galerias. No vídeo, você assiste ao público participando da performance e assim, pode imaginar, ao menos, como foi a experiência real.
Você já foi dirigida no palco por Bob Wilson, já participou de videoclipes e teve sua vida documentada no cinema. Sua experiência artística também contempla outras artes cênicas. Como você se relaciona com elas?
Teatro, cinema, performance são formas de arte diferentes e eu, na verdade, gosto bastante de poder transitar entre essas possibilidades artísticas. Quando você decide ser um artista, você precisa saber quais ferramentas vai usar e quais são as melhores para expressar seu trabalho. Para um artista de performance, você precisa ter um estado de espírito carismático, você precisa gerar carisma para as pessoas que estão ao redor. Isso é algo específico na performance porque você lida diretamente com o público. A má notícia é que você não tem como aprender isso, tem de ter isso naturalmente. A performance é feita para o público presente, um não vive sem o outro, estão relacionados diretamente. O performer dá energia para o público e o público dá energia ao performer. A minha relação com o vídeo, o cinema, o teatro, a música, a moda e outros tipos de arte é muito simples. Eu divido o mundo todo em 2 categorias: os originais e aqueles que seguem. Eu estou interessada em tudo o que é original, seja nas artes, na ciência ou em qualquer outra área, eu não me importo.
O que a levou a transformar sua experiência mística no Brasil em um projeto audiovisual?
Fiz aqui uma jornada realmente experimental, testando a mim em diferentes tradições, culturas e crenças brasileiras. Viajei por diversos lugares no Brasil, pesquisando comunidades espirituais, pessoas e campos de poder e natureza. Conheci João de Deus, em Goiás, o Vale do Amanhecer e os cristais de Minas Gerais, os xamãs da Chapada Diamantina, o candomblé da Bahia. Durante toda essa caminhada, ganhei inspiração, ganhei ideias e todo esse processo se finaliza com a exposição Terra Comunal, quando compartilho com o público meu método Abramovic. Assim, tudo estará conectado e eu quero levar o resultado dessa experiência a mais pessoas com o filme. A princípio, o documentário se chamaria A Corrente, mas foi rebatizado com o nome da exposição porque decidimos concluí-lo ao fim da mostra, registrando a participação do público que visitou do evento e vivenciou o método.
Por onde transitará depois do projeto Terra Comunal?
Pelo cinema. Estou preparando um filme completamente novo que se chama As Setes Mortes, dedicado à Maria Callas, uma de nossas maiores cantoras líricas no século XX. Convidei sete diretores diferentes para dirigir cada uma das mortes em uma ópera, porque em toda ópera uma mulher morre. Então, eu vou morrer sete vezes e a pessoa que vai me matar será o ator Willem Dafoe. Um dos diretores, inclusive, será Alejandro González Iñarritu, entre outros que terão diferentes visões da mesma morte. Esse é um dos grandes projetos em que estou trabalhando.