Postado em 29/04/2015
Ator-mímico, diretor e autor. Formado pela Desmond Jones School of Mime and Physical Theatre, em Londres, Luis Louis trabalha com mímica há mais de 20 anos e teorizou sua experiência no livro A Mímica Total (Giostri Editora, 2014), que mapeia a arte da mímica e do teatro físico, sua história, seus mestres e os processos de comunicação no corpo. Luis também construiu trajetória acadêmica, trabalhando como professor em instituições como Royal National Theatre, The School of the Science of Acting (ambas em Londres) e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Durante o curso A Linguagem do Corpo e das Emoções na Mímica Total, ministrado no Centro de Pesquisa e Formação (CPF) no mês de março, o especialista conversou com a Revista E sobre a mímica e sua abrangência nas artes.
O corpo fala
Mais do que um gênero, no entendimento contemporâneo, mímica é um ato de corporificação. Toda vez que você transforma um pensamento, uma ideia ou um sentimento em ação você está fazendo mímica. Então não tem jeito, todos somos mímicos. No entanto, há a mímica cotidiana, a mímica do bailarino, do cantor e assim por diante, até chegarmos à mímica do mímico, que transforma esse fenômeno da comunicação em arte.
Podemos citar como exemplo o entendimento do próprio corpo. Sem a divisão entre pensamento e emoção. O corpo não é um instrumento, e sim o próprio pensamento, ou seja, você é seu corpo e não você tem um corpo. Nisso entra o corpo pensante. Veja uma situação radical: se alguém nos ameaça com uma arma, a primeira ação é se contrair numa posição de defesa, tremer, então a emoção é algo que vemos, não é oculta. Depois do processo da emoção vem o sentimento, pois nós sentimos a emoção. Esse sentimento muitas vezes é um segredo, porque estamos sempre negociando o que vamos falar ou mostrar. Após isso encontramos a nossa consciência, que é sempre uma representação. Vivemos numa sociedade que enfatiza demais a importância da consciência e com isso elimina todo o processo do corpo.
A mímica acontece no gestual que não percebemos. Quando chegamos ao estágio da consciência tudo já foi pensado, e o corpo nos dá sinais, o que na neurociência é chamado de marcador somático. Por exemplo, você tem que entrar numa sala, daí seu coração começa a bater mais forte e você muda de ideia, acha melhor não entrar. O corpo disse alguma coisa. Você tem ideias, aparecem insights e o corpo adianta esse processo sem percebermos.
Se pensarmos assim, a mímica acompanha a história do homem desde os ritos primitivos, passando e se transformando no teatro grego, romano, teatro medieval, até a mímica clássica representada pelo performer de rosto branco que conta as histórias sem mediação da fala, chamada de pantomima, um gênero dentro da mímica.
Vertente contemporânea
A mímica contemporânea possui o hibridismo do concreto com o abstrato entendendo o corpo como um organismo vivo integrado ao pensamento e à voz. Dessa forma, envolve a parte mecânica, filosófica, psicológica, é uma área que precisa de muita prática e muito estudo. Hoje temos em todo o mundo laboratórios que se dedicam a essa linguagem.
O fantástico é que qualquer informação que atravessar seu corpo vai cruzar com as informações que você já tem, e o que sai daí é sempre algo inédito, mesmo nas artes mais codificadas e mais tradicionais. Há uma persona, uma qualidade única que nos caracteriza. A partir do momento que o performer explora o que pensa ser uma fragilidade e a reverte numa grande qualidade, começa a ser um artista muito interessante.
Estilo de vida
Mudei para a Inglaterra nos anos de 1990 e não tinha nenhuma intenção de estudar mímica. Naquela época achava chato, tinha preconceito mesmo. Lá em Londres eu conheci por acaso a Desmond Jones School of Mime and Physical Theatre, que me apresentou esse novo entendimento da mímica e tudo mudou.
A mímica me levou além, pois dou vivências, crio espetáculos de teatro, faço preparação de elenco e me aprofundo nas diversas maneiras pelas quais posso me aprimorar como artista. Trabalho com mímica há mais de 20 anos e me sinto começando, tenho o frescor do amadorismo que me deixa empolgado em cada atividade que realizo. A primeira coisa que aparece para o mímico é seu desejo expressivo. A mímica para mim não é um trabalho, é um estilo de vida. Tenho o olhar do mímico e considero essa arte apaixonante.
"Mais do que um gênero, no entendimento contemporâneo, mímica é um ato de corporificação. Toda vez que você transforma um pensamento, uma ideia ou um sentimento em ação você está fazendo mímica"