Postado em 31/03/2015
Masculino ou feminino? Se por muito tempo se considerou o gênero apenas com essas duas categorias, hoje as possibilidades se têm multiplicado. No ano passado, por exemplo, o Facebook incluiu as denominações “neutro” e “customizado”, em que o usuário pode escrever o gênero com o qual se identifica.
No mesmo caminho, desde 2012 a Argentina permite que travestis e transexuais escolham o gênero na carteira de identidade. No Brasil, também surgem iniciativas do tipo: por exemplo, desde 2010 a Prefeitura de São Paulo reconhece o uso do nome social de travestis e transexuais em serviços públicos, como prontuários e registros escolares.
Outro exemplo é a resolução do Conselho Nacional de Combate à Discriminação, de março deste ano, em que travestis e transexuais poderão solicitar o uso do nome social em estabelecimentos de ensino de todo o país. O Sesc São Paulo, desde novembro do ano passado, reconhece, igualmente, a opção pelo uso do nome social em seu sistema de matrícula.
O conceito de que o gênero não é algo determinado no nascimento, porém, não é novo. Criado nos anos 1970, surgiu para diferenciar o aspecto biológico do social, baseando-se na ideia de que a maneira de ser homem ou mulher é, muitas vezes, definida pela cultura em que vivemos. Assim, enquanto o sexo se refere ao aspecto biológico e a orientação sexual trata da atração sexual e afetiva, a identidade de gênero diz respeito à percepção que uma pessoa tem de si como sendo do gênero masculino, feminino ou de uma combinação entre ambos.
A professora de sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero Maria Lygia Quartim explica que o uso do termo se tornou mais frequente na década de 1990, quando foi introduzido em universidades de várias partes do mundo ocidental, inclusive no Brasil. “O termo veio à tona e se espalhou por pressão das feministas, que sempre denunciaram a ‘naturalização das diferenças sexuais’”, explica. “Em outras palavras, o que chamamos de homem e mulher não é o produto da sexualidade biológica, mas sim de relações sociais baseadas em distintas estruturas de poder.”
Para a socióloga, uma das razões para a discussão sobre gênero ainda provocar dúvidas em boa parte da população se explica porque o termo tornou-se uma referência à mulher ou ao homem, sem considerar as demais possibilidades. “Por outro lado, essas dúvidas talvez sejam um primeiro momento para pensar que, na vida real, existem homens femininos, mulheres masculinas, homens maternos, mulheres que não querem ter filhos etc.”, analisa. “Em resumo, hoje, na vida social, não existe nenhum setor ou atividade exclusivamente feminina ou masculina. O gênero remete a essa dificuldade de pensar o homem e a mulher como substâncias predeterminadas biologicamente.”
A assistente da área de diversidade cultural da Gerência de Programas Socioeducativos do Sesc Ligia Zamaro observa que o respeito à diversidade de gêneros contribui para um aprendizado: “Transgêneros, transexuais e travestis são pessoas que exercem o desafio cotidiano de transgredir sua forma biológica, entendendo e assumindo que sua forma de ser não se estabelece nem se encerra no sexo feminino ou masculino. Sua forma de ser ilumina como nossa sociedade é muitas vezes rígida, ditando padrões de comportamento estritos de ‘natureza’ feminina ou masculina”.
Estudiosa de gênero e teoria feminista, a filósofa Djamila Ribeiro acredita que falta uma educação não sexista que contemple a diversidade. Para ela, o mais indicado seria sempre deixar que cada pessoa fique à vontade para dizer qual é o seu gênero, em vez de serem feitas suposições: “Se você não sabe como a pessoa se identifica ou se ela não é necessariamente a favor de identificação, como pessoas que vão além dos estereótipos de gênero, o bom é não supor nada e respeitar o modo pelo qual a pessoa se constrói”.
Categorização complexa
Segundo o Manual de Comunicação da Associação Brasileira de gays, lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), alguns termos utilizados para se referir à identidade de gênero são:
Androginia: utilizado para descrever qualquer indivíduo que assuma postura social comum a ambos os gêneros.
Drag queen: homem que se veste com roupas femininas de forma extravagante por questões artísticas, para realização de shows e eventos. Uma drag queen não deixa de ser um tipo de transformista (ver o termo abaixo).
Drag king: mulher que se veste com roupas masculinas pelas mesmas razões da drag queen.
F to M / FTM / F2M: expressões em inglês que se referem à mudança biológica do órgão sexual feminino para o masculino.
M to F / MTF / M2F: expressões em inglês que se referem à mudança biológica do órgão sexual masculino para o feminino.
T-Lover: pessoas que sentem atração por travestis e/ou transexuais.
Transexual: pessoa que possui uma identidade de gênero diferente do sexo designado no nascimento.
Transformista: pessoa que se veste com roupas do gênero oposto com motivações artísticas.
Transgênero: abarca pessoas cuja identidade de gênero transcende as definições convencionais.
Travesti: pessoa que tem sua identidade de gênero oposta ao seu sexo biológico, assumindo papéis diferentes daquele imposto pela sociedade. Muitas travestis modificam seus corpos por meio de terapias hormonais, aplicações de silicone e cirurgias plásticas, mas diferentemente das transexuais não desejam realizar a cirurgia de redesignação sexual.
Discussão necessária
Programação incentiva reflexões sobre corpo, gênero e feminismo
Generalidades: sexualidades em trânsito Sesc Interlagos
Com oficinas, apresentações teatrais, exibição de filmes e bate-papo com convidados especiais, a programação busca expandir a discussão sobre gênero. Entre as atividades de abril, há a oficina Bonecas [Trans]formadas e o bate-papo Quem é que faz a voz, com Tiely Queen (rapper transexual) e Luana Hansen (rapper feminista).
Intervenção Negahamburger Sesc Santana
Com ilustrações, grafite, lambe-lambe e frases de apoio, a artista Evelyn Queiróz percorre a diversidade de corpos femininos, ajudando as mulheres a se reconhecerem, aceitarem, e se apropriarem de seus corpos como são.
Mulheres em Pauta Sesc Bom Retiro
Em atividades durante todo o mês, curadores, historiadores e outros especialistas analisam filmes e discutem questões como a representação das mulheres na arte, a figura feminina no cinema e personagens que instigaram mudanças comportamentais. Entre os convidados estão Tadeu Chiarelli, Hugo Possolo, Mary Del Priore e Verônica Stigger.
Mulheres em Cartaz Sesc Belenzinho
Durante o mês de abril, a programação traz uma série de atividades que referenciam o protagonismo feminino em diferentes áreas culturais. Na programação há oficinas, palestras e ateliês abertos, entre outras atividades.
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