Fechar X

Opinião
Crônica do nosso tempo

Postado em 01/04/2001

Quando eu cheguei aqui em São Paulo encontrei uma cidade maravilhosamente habitável. Havia 3 milhões de habitantes, o que equivale hoje à capital de Minas. Fiquei muito encantado. A cultura mineira é caldatária da cultura paulista. De vez em quando digo que Minas foi inventada por São Paulo e foi uma invenção tão bem-feita que preservamos lá as tradições que tinham aqui.
Eu comecei a escrever jornal porque o diretor do jornal O Estado de Minas disse que para quem sabia escrever a melhor forma de ganhar algum dinheiro era trabalhar num jornal. E isso de fato aconteceu historicamente no Brasil. É difícil encontrar algum escritor brasileiro, digamos das grandes cidades, que não tenha sido jornalista ou pelo menos articulista ou colaborador.
Mais tarde, vim para São Paulo trabalhar no Jornal da Tarde, que foi uma espécie de idéia nova em termos de jornalismo na cidade, era muito criativo. Hoje, em paralelo com minha carreira de escritor, faço comentários sobre a programação de televisão.

Novos escritores

Há umas duas ou três correntes dos chamados "escritores novos". Uns adotaram uma visão irônica e corrosiva da história do Brasil, o que não faz bem nem para literatura, nem para história do Brasil nem para quem lê esse material. Uma outra vertente está muito voltada para a aventura, para o romance policial, com um certo desejo de alcançar o best-seller. As pessoas não desejam apenas ser lidas por uma parte da sociedade, mas sim em volumes enormes. A literatura, nesse caso, é vista como negócio, fonte de dinheiro. Há ainda uma outra vertente, bastante intelectual, às vezes um pouco sombria, densa. Esses escritores não estão muito preocupados com o sucesso, e sim com a expressão, em representar o indivíduo e os segmentos da sociedade. Já na literatura infanto-juvenil, a arte de escrever é muito desprezada. Existe muito escritor trabalhando nessa área e que privilegia o aspecto mais didático em detrimento de valores literários. Há também muitos contadores de história pura e simplesmente, e muitos que apenas exploram o filão, que é o que mais vende livros hoje no mercado brasileiro.

Jornalismo social

Essa imprensa do fato sensacional, oriunda do que era feito nos Estados Unidos, tende para a abordagem do mundo dos negócios. O espaço dado à economia e ao consumo cresceu muito. Até nos suplementos de cultura, a arte de consumo tem muito mais espaço do que a arte menos comercial, voltada para a expressão. Fala-se do romance best-seller ou do livro de auto-ajuda. O jornalismo atual poderia levar mais em consideração um elemento muito presente nos anos 60 e 70, que é contar histórias sobre a população. Não se vê isso hoje no jornal. Essas histórias não merecem mais a atenção do público. E, quando aparecem, são pouco exploradas: todos usam as mesmas fontes, e ninguém procura aprofundar as razões, o comportamento humano. Não se humaniza mais a notícia. O jornalismo enveredou por uma área que não tem um interesse muito social nem uma preocupação com a população de fato. As atenções estão voltadas para setores muito fechados da sociedade.

Televisão

Apesar de ser um meio popular muito desprezado por algumas figuras da intelectualidade, a televisão é um meio revelador de muitas coisas da sociedade brasileira. Algo que me preocupa muito é a linguagem, em especial a de cunho violento. A violência hoje é usada na atitude do herói e do bandido. Isso legitima a violência como elemento válido. Outra coisa a se pensar é a violência das palavras: os personagens das novelas, por exemplo, se dirigem umas às outras com muita grosseria. É claro que isso existe na sociedade, mas a televisão não é uma reprodução da sociedade: ela tem a possibilidade de escolher comportamentos da sociedade. E o escolhido não precisa ser necessariamente o pior da sociedade. E, quando usada, a atitude negativa deve ser empregada de maneira didática, para mostrar que aquilo é um comportamento pouco civilizado.
Criticar a televisão
Um público que vê uma ficção na televisão não é o que lê a ficção nos livros. Não há ilusões de que o público de televisão leia qualquer coisa. Primeiro porque é um público semiletrado, que não entende 80% do que lê. A crítica que os jornais e revistas podem fazer não é dirigida ao grande público, e sim ao público mais selecionado e aos fazedores de televisão. Cada vez que se critica o conteúdo dos programas, de certo modo, isso será lido por alguém que trabalhou naquele programa. Cada vez que eu faço uma crítica não quero ser lido pelo grande público, já que este não lê. E, de certa forma, a intenção é melhorar a televisão e o jornalismo por ela veiculado.

Viver das palavras

Há pessoas que podem viver do que escrevem. Mas outros que trabalham com literatura, mesmo tendo uma obra extensa e muitos livros publicados, não conseguem sobreviver só desse trabalho. É preciso organizar primeiro a sua sobrevivência. E o tempo que sobra vai ser aquele dedicado à atividade que remunera espiritualmente. Esse é o conflito que o artista tem que resolver todos os dias. A não ser que o escritor se entregue à literatura como se entregasse a um negócio rentável. Mas, nesse caso, ele se torna um "aplicador da bolsa": é necessário saber quando e como vender. Antigamente a renda era muito pequena e os escritores se mantinham com algum trabalho jornalístico ou algum mecenas que subsidiava a produção de um livro. Hoje em dia você recebe ajuda para escrever livros institucionais.
Já o autor que vai sair do mundo editorial para o mundo da televisão tem uma perda extraordinária, tanto de linguagem quanto de conteúdo. Ele agora tem uma responsabilidade, que na verdade é satisfazer o dono da emissora, servir ao público que interessa ao patrão. A linguagem da televisão procura imitar a realidade da maneira mais fácil de ser reproduzida. O público se reconhece nas personagens televisivas. Mas o público está acostumado a consumir folhetins e melodramas. O autor literário não deve entrar nesse caminho, uma vez que a linguagem televisiva é cheia de truques.

 

Escolha uma rede social

  • E-mail
  • Facebook
  • Twitter

adicionar Separe os e-mails com vírgula (,).

    Você tem 400 caracteres. (Limite: 400)