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Dramaturgia
Os dilemas de um autor

Postado em 01/04/2001

Neste depoimento, o autor Lauro César Muniz fala da recém-criada Associação de Autores e Roteiristas, das atuais dificuldades de se criar uma novela, de sua relação com a TV Globo e de sua participação no evento, realizado no Cinesesc, que discutiu a dramaturgia brasileira

A Associação de Autores e Roteiristas foi fundada em julho do ano passado, com sede no Rio de Janeiro, e congrega todos os autores ligados a cinema, TV, rádio, enfim, todos os roteiristas que se comunicam através do audiovisual. Criamos quatro comissões para implantarmos a associação: uma de estudos de direitos dos roteiristas, constituída por um grupo de colegas que estão estudando todos os nossos direitos do ponto de vista jurídico; uma outra para a elaboração de um código de ética, que nos norteie para que não haja invasão de um autor na área do outro; há a ainda a comissão de estudo de proposta de lei de cota de tela, que, na verdade, trata-se de uma série de reivindicações aos poderes constituídos, governo federal e Ministério das Comunicações, para que eles estudem a possibilidade de estabelecer uma cota mínima de exibição de dramaturgia brasileira nos vários veículos de comunicação; a quarta comissão é a de cultura, que fará eventos como esse debate, criará uma biblioteca etc. A intenção é começar a dialogar com um público que esteja interessado em nos ouvir.

Processo mercadológico

Uma das nossas maiores preocupações no início de um trabalho é saber o que interessa ao grande público no momento em que ela será exibida. Com isso, é claro que você sente que o telespectador exerce uma influência muito forte sobre a obra e a sua criação. Isso é fascinante mas ao mesmo tempo atemoriza. Na medida em que o espectador está cada vez menos passivo e mais inquieto, é difícil ele não intervir. Essa intervenção atual tem de ser avaliada. Nós temos de entender as medidas dessa interatividade. A medição de audiência é um bom exemplo. A queda dos pontos influencia nos caminhos do trabalho e isso acontece porque o processo é mercadológico. Se a base é mercadológica isso significa que você tem de servir a um mercado. Porém, isso, às vezes, me assusta. O meu último trabalho, por exemplo, a minissérie Aquarela do Brasil, tinha uma audiência que não era considerada ideal. Esperava-se 30 pontos de média e nós tínhamos 22. Ou seja, estava distante da meta inicial. Com isso começou a haver uma série de intervenções no processo, que atrapalham e até mesmo desfazem o processo original. Eu fiquei chocado tamanho o grau de interferência da direção do programa, que, por sua vez, estava sob pressão. Isso tudo machucou muito. Eu vi, por exemplo, partes do trabalho serem reduzidas para se obter uma dinâmica que se acreditava ser capaz de provocar uma audiência maior. E isso nem aconteceu. É a esse processo que nós, autores, devemos ficar atentos para evitar que ele nos engula.

TV Globo

Uma participação mais forte do autor no processo de produção gera qualidade. Hoje, na Globo, por exemplo, nós estamos muito nas mãos dos diretores de núcleos. Quem tiraniza o produto são eles, o autor pouco faz. Só que isso pode ser equilibrado. O nosso objetivo é equilibrar o nosso poder, ou seja, criar uma forma para que o autor possa pesar mais no produto final do que hoje. Isso acontecia há vinte anos, mas nós perdemos o rumo, porque industrialmente o processo cresceu muito. Eu nem sei se a cúpula da emissora tem consciência disso, talvez tenha, eles são muito ligados em todos os problemas. Eu acho que é preciso valorizar mais os autores. Dar a ele a atenção que se dá ao diretor de núcleo. É preciso respeito ao autor, à autoria e ao seu processo de criação. Se isso não acontecer o processo vai se industrializar cada vez mais e vai ficar um pastel. Nesse processo, nós iremos, com certeza, ganhar alguns desafetos. Nós recebemos e-mails indelicados de autores que se negaram a participar da associação. E-mails com a seguinte clareza: "Os assuntos discutidos por essa associação não me interessam". Foi surpreende, mas cada um sabe o que quer.

O evento no CineSesc

Nós sempre sentimos que o público tem muita curiosidade em saber como é construir uma telenovela, a mais popular das formas de dramaturgia que existe no Brasil hoje. É um público ávido em saber como ela funciona. Por isso, a minha participação no evento do Sesc teve duas partes: uma palestra e em seguida um debate. No meu grupo, além de mim, participaram Marcílio Moraes, autor de algumas telenovelas, colaborador em outras e meu co-autor em mais outras; e Rosane Lima, colaboradora em novelas e minha colaboradora em Aquarela do Brasil. Nós expusemos ao público presente como nasce uma telenovela desde a idéia inicial até a formulação dos capítulos. Explicamos como uma telenovela se desenvolve, abordamos as enormes dificuldades que encontramos pelo caminho e o processo de interatividade entre a telenovela e o seu público. Este último mereceu atenção especial, porque à medida que a obra é escrita ela é assistida. Ou seja, nós escrevemos capítulos que são gravados e exibidos muito pouco tempo depois de escritos. A telenovela é uma forma comunicação em aberto que propicia uma interatividade entre o autor, a produção, ou seja, o espetáculo em si, e o público.

 

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