Postado em 27/01/2015
O filósofo e professor colombiano fala da chave de sua pesquisa, ligada ao pensamento visual
Pesquisador colombiano com respeitada trajetória acadêmica, Armando Silva se dedica ao estudo do pensamento visual. Passou pela Universidade da Califórnia, fez mestrado em semiótica e psicanálise na École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris e estudou filosofia e estética na Faculdade de Filosofia da Universidade de Roma. Além de filósofo e semiólogo, o professor é colunista do jornal El Tiempo, de Bogotá, e colaborador das revistas D’Ars, de Milão; Arte e Cultura, de São Paulo; e Discursos, do México.
No Brasil acaba de publicar dois livros pela Edições Sesc: Atmosferas Urbanas: Grafite, Arte Pública, Nichos Estéticos e Imaginários, Estranhamentos Urbanos.
Acompanhe a conversa de Armando Silva com a Revista E.
A cidade e o urbano
Tenho algumas obsessões de trabalho e uma delas é a cidade. A base de minha tese é que cidade não é a mesma coisa que urbano. A cidade representa a parte física, já o urbano é identificado pela mentalidade. Logo, meu trabalho é relacionado à mentalidade urbana e a hipótese seria que na cidade (física) nós vivemos dependendo da mentalidade.
Nesse sentido, podemos pensar que temos medo na cidade porque as mentalidades sentem esse medo. A cidade pode ser perigosa, mas a mentalidade é que tem medo primeiro. Por exemplo, Santiago (Chile), uma das cidades mais seguras do continente, é um lugar onde as pessoas sentem muito medo, porque é um medo correspondente ao imaginário. Porém, há cidades que são perigosas e ao mesmo tempo imaginadas como tal, a exemplo de Caracas, na Venezuela.
O imaginário é produzido quando o sentimento domina a percepção. No livro (Imaginários, Estranhamentos Urbanos) há muitos exemplos disso. Falo de como funciona o imaginário urbano e social. Acho que encontrei a minha chave, no caso, o sentimento. Quando o sentimento domina a percepção social, nós temos o imaginário.
Produção artística contemporânea
Outro assunto que me atrai muito em minhas pesquisas é a arte, em especial a contemporânea, que trabalho de maneira mais histórica, aliada à semiótica da imagem.
Um dos meus focos está no fato de a arte contemporânea não ter mais a força do suporte físico, e sim um suporte imaginário. Então relaciono os estudos tendo um ponto no trabalho imaginário da cidade e outro na arte, articulando ambos.
Meu olhar para o cotidiano também é forte. Para isso, trabalho como colunista no jornal colombiano El Tiempo. Escrevo sobre assuntos variados e temas da cultura popular, turismo, intervenção de arte, quadrinhos e gastronomia.
A urbe e sua atmosfera
No livro (Atmosferas Urbanas: Grafite, Arte Pública, Nichos Estéticos) estabeleço as diferenças entre o que é arte, arte pública, arte urbana, grafite, pós-grafite, pichação, nicho urbano, todos bem diferentes entre si.
Por exemplo, se a prefeitura da cidade tem a iniciativa de convidar artistas para desenhar num muro, essa ação faz parte da arte urbana, em contraste com o grafite que é considerado ilegal, ou seja, sem permissão. Como não é arte exposta na galeria eu chamo de arte pública ou urbana; a diferença entre elas é que a arte urbana é figurativa e a arte pública já é mais filosófica.
No Brasil, há um gênero muito próprio, que é a pichação. São Paulo é a cidade mais dinâmica em grafite e pichação. Se há uma evolução do grafite, posso dizer que desde 1978 é um grafite muito mais composto de palavras. Depois dos anos 1970, se compararmos com Nova York (morei lá nesse período), é um grafite bem figurativo. Lá fizeram um grafite revolucionário porque não era ideológico, mas remetia diretamente à arte visual. Para mim esse é o segundo momento do grafite. O terceiro momento é a partir dos anos 1990, em que se destacam São Paulo, Bogotá, México e Buenos Aires. É notória a vinculação de São Paulo com a arte, especialmente a relação entre arte moderna e grafite.
Fico muito honrado que meu livro esteja agora em português, porque São Paulo está bem presente em meu trabalho.
Nas intervenções urbanas há três impactos nítidos: a pessoa que mora na cidade, a própria cidade e o criador da intervenção. E nesse fluxo vemos que a pessoa que trabalhava na rua veio para a galeria, mas há pessoas que antes só trabalhavam para galerias que agora estão fazendo grafite, porque tem mais público, além de ser muito importante para o cidadão, que, geralmente, não é um público especializado em arte.
Cidade versus nação
Hoje podemos falar que a cidade é mais importante do que a nação, porque o sentido de nação é muito abstrato. As cidades parecem mais próximas, são identificadas com a nossa luta diária. A ideia de nação é usada quando há um acontecimento de grande dimensão, uma guerra, por exemplo. A ideia de cidade, não. Podemos pensá-la cotidianamente. O impacto é diário. A vida na rua é a conquista do espaço público. A cada dia se toma mais consciência das diferenças sociais e, também, de que organizações como sindicatos e partidos políticos não são funcionais, porque não atendem prioritariamente às demandas dos cidadãos. Agora o que vemos são as pessoas agindo sem mediação. É parte de uma luta cidadã por mais democracia e menos privilégios.
“Tenho algumas obsessões de trabalho e uma delas é a cidade. A base de minha tese é que cidade não é a mesma coisa que urbano. A cidade representa a parte física, já o urbano é identificado pela mentalidade”