Postado em 22/12/2014
Pensador incansável, o escritor e compositor professa a comunhão entre música, poesia, ciência e filosofia para irradiar originalidade
Não há monotonia numa conversa com Jorge Mautner. Pensador não só da música, mas das artes em geral, considera que tudo está interligado. “Entendo que tudo é entrelaçado: a ciência, a música, a poesia, a filosofia e qualquer tipo de coisa que mexe com os nossos neurônios”, diz sem vacilar.
Carioca, nasceu no Rio de Janeiro em 1941. É conhecido por seu trabalho como compositor e cantor, com sucessos gravados por vários nomes da MPB, entre eles: O Vampiro, com Caetano Veloso; Maracatu Atômico, com Gilberto Gil; Lágrimas Negras, com Gal Costa.
Também publicou livros, como Deus da Chuva e da Morte, – que ganhou o Prêmio Jabuti em 1962. Na sequência Kaos (1964) e Narciso em Tarde Cinza (1966) completaram a trilogia Mitologia do Kaos.,
Acompanhe trechos da conversa de Mautner com a Revista E.
Arte e ciência
Entendo que tudo é entrelaçado: a ciência, a música, a poesia, a filosofia e qualquer tipo de coisa que mexe com os nossos neurônios. Recentemente li um arquivo científico dizendo que os neurônios são pura emoção, então tudo é emoção, até mesmo a álgebra!
A filosofia também está relacionada com a religião. Há um campo muito vasto de inter-relações. Quando eu era criança, passava a maior parte do tempo com a minha babá, que era filha de santo. Durante sete anos eu a acompanhei nos rituais de candomblé, o que me influenciou muito. Vejo isso como o começo dessa simultaneidade em que eu acredito.
O que move tudo é a explicação de por que estamos aqui e cada vez que você responde a essa pergunta ela se desdobra em outras. Estamos num instante de descobertas da ciência. Os cientistas não chegariam às conclusões a que chegaram se não tivessem conversado com os artistas – deixo isso claro no meu livro Fragmentos de Sabonetes (1973/2002, Azougue Editorial). Os artistas os ajudaram a entender um universo tão paradoxal e simultâneo. O poeta é o porta-estandarte do ser.
Contam que, quando Albert Einstein não conseguia resolver um problema, ele tocava Sebastian Bach no violino, dormia e no sonho encontrava a resposta. Isso é uma sensibilidade devotada para resolvermos o mistério da vida. Uma vez você mordido por essa vontade não para nunca. A angústia faz parte da condição do ser humano.
Alguns clássicos
Os discos de 1972, 74 e 76 (LPs Para Iluminar a Cidade, 1972; Jorge Mautner, 1974; e Mil e Uma Noites de Bagdá, 1976). Eles foram relançados ao mesmo tempo em que estou fazendo um disco novo com a produção do [Alexandre] Kassin e do Berna Cerpas.
Todas as pessoas com quem trabalho se tornam amigas naquele momento e há outras com quem mantenho amizade por anos, como Nelson Jacobina (morto em 2012) e Caetano Veloso. Para mim não há competitividade. Não sou um artista neste sentido. Nunca estive na competição artística. Na verdade sou um escritor e um militante, a categoria é outra. Essa opção pode ter tido algum detrimento na minha carreira, mas o importante é irradiar originalidade. O resto...
Sem cansar do tropicalismo
Quando me perguntam o motivo pelo qual o tropicalismo ainda chama a atenção de tanta gente, penso num exemplo que esclarece a sua importância: quando Jorge Ben surgiu, ele não tinha lugar para tocar, pois não se enquadrava nem no samba clássico nem na bossa nova que estava em alta na época. Quem foi abraçá-lo foi o Roberto Carlos, isso antes do tropicalismo, olha que fantástico.
Nesse momento histórico aconteceram várias manifestações importantes, a passeata da guitarra, entre elas. Tudo isso simbolizava a inclusão de todos. Comunicação é comunhão e com isso voltamos ao elementar, nos perguntando o porquê de estarmos aqui. O tropicalismo é a amálgama de José Bonifácio, em sua plenitude [José Bonifácio de Andrada e Silva, figura importante na Independência, usou o termo em 1823 para explicar a mistura de povos existente no Brasil, que originaria o berço da multidiversidade e do multiculturalismo].
Família e poesia
Quando minha mãe se separou do meu pai, nós nos mudamos para São Paulo. Meu padrasto era tão generoso que deixava meu pai conviver com a gente. Ele morou um tempo em nossa casa e depois ao lado. Tomava café da manhã, almoçava e jantava com a gente. Desse convívio surgiam discussões muito ricas. Meu padrasto era uma pessoa maravilhosa e me iniciou no violino – desde meus sete anos de idade –, ao mesmo tempo em que meu pai me instruía na literatura.
A poesia se irradia pelas letras das músicas, não há diferença entre elas. Há vários escritores de que eu gosto e conheci muitos, porque tive muito tempo para ler, o que é um vício fascinante.
Criei a minha filha Amora desse modo. Quando ela era criança falei: dou mesada, mas vou quintuplicar o valor para cada livro que você ler. Primeiro ela lia só a orelha, mas um dia ela começou a ler e ficou fascinada. Comparando, no meu caso era fácil, meus pais estavam lá me ajudando, porém, na criação dela o tempo era outro.
Hoje em dia usamos a internet e temos a síntese, mas para desdobrá-la o problema é outro. O tempo todo a mesma coisa me instiga, mas ela é tão vasta que, por isso, mostra-se diferente sempre. Me interesso por neurociência e astrofísica, mas agora o assunto mais importante para mim é o Brasil, em comunicação e comunhão permanente.
“Os cientistas não chegariam às conclusões a que chegaram se não tivessem conversado com os artistas.(...) Os artistas os ajudaram a entender um universo tão paradoxal e simultâneo”