Postado em 22/12/2014
Ivana Jinkings é natural de Belém, Pará. A paixão pelos livros começou na infância, quando o pai abriu uma livraria em casa. Em 1995, fundou a Boitempo, uma das mais importantes editoras no meio acadêmico no país. O nome, inspirado em um poema de Carlos Drummond de Andrade, é uma homenagem ao poeta brasileiro e também ao criador da primeira Boitempo, o dirigente comunista Raimundo Jinkings, pai de Ivana. A seguir, os melhores trechos do depoimento da editora, no qual ela fala sobre os caminhos da Boitempo e o mercado editorial brasileiro.
Trajetória
Eu praticamente nasci dentro de uma livraria, pouco antes do golpe de 1964. Meu pai perdeu o emprego, na época como funcionário do Banco da Amazônia em Belém, no Pará. Então ele montou uma livraria em casa. Uma opção natural, pois lia muito e tinha contato com as principais editoras. Minha infância foi em parte dentro dessa livraria; depois, segui outros rumos. Cursei biologia na faculdade e vim para São Paulo para trabalhar com genética.
No meio do caminho, fui trabalhar na editora Novos Rumos e de lá fui para a Ática; trabalhei também na Atual, até que resolvi, 19 anos atrás, depois de ter passado um pouco pelo jornalismo também, abrir a Boitempo. O cenário, naquele momento, já não era, digamos, otimista para uma editora independente. O mercado editorial já estava, embora não tanto quanto agora, dominado pelos grandes grupos. Todas as pessoas que eu consultava diziam: “Não faça essa loucura”. Mas o investimento inicial era pequeno e a vontade de ter uma editora venceu.
A Boitempo
O primeiro livro publicado foi um texto inédito de Stendhal sobre Napoleão. A ideia, naquele tempo, era ter uma editora que fizesse esse resgate de obras importantes que nunca haviam sido publicadas em língua portuguesa. A estreia foi uma surpresa para mim, porque, mesmo sem grandes contatos com a imprensa, a cobertura desse lançamento foi enorme e muito positiva. A editora começou com o pé direito sem que eu tivesse nenhum know-how para isso.
A partir daí, seguiram-se mais alguns lançamentos, inclusive de clássicos franceses e russos, sempre nessa linha do resgate. Até que comecei uma coleção de sociologia do trabalho, que ajudou a definir o perfil e que talvez seja a responsável pela sobrevivência da Boitempo hoje. Sem que eu tivesse, àquela altura, feito essa escolha, minhas relações traçaram naturalmente o caminho. Além das obras de cunho predominantemente político, a editora promove eventos, como seminários, cursos e simpósios, sempre públicos e gratuitos.
Mercado editorial
Existe um número cada vez menor de editoras do porte da Boitempo que não se associou a nenhum dos conglomerados editoriais. O mercado editorial é muito concentrado no mundo todo e, no Brasil, temos o agravante de ausência de regulação. Editoras espanholas e agora as portuguesas, por exemplo, aportam por aqui sem nenhuma dificuldade. O governo brasileiro é um grande comprador de livros, e isso representa, para algumas editoras, 90% de sua produção. Isso distorce o mercado e termina sendo um atrativo para editoras que, se não vendessem para o governo, deixariam de existir.
A Boitempo integra uma associação de editoras independentes no Brasil, a Libre, e uma internacional, a Alliance internationale des éditeurs indépendants, que têm lutado fortemente contra essa dominação. Em 2005, a Unesco classificou o livro como um bem cultural e não apenas uma mercadoria. Mas isso não basta, os governos precisam ter políticas públicas nacionais, estaduais e municipais que façam com que isso se torne uma realidade.
Políticas públicas
Tem de haver incentivo para a diversidade editorial, que chamamos de bibliodiversidade. As bibliotecas, no Brasil, compram pouco. Na Europa, mesmo nas editoras pequenas, a primeira edição de um livro é, em geral, absorvida pelas bibliotecas. Geralmente, quando sai a edição em brochura, a primeira em capa dura, que é a mais cara, já foi toda vendida. Aqui nós não contamos com isso, o risco é todo do editor.
Precisaríamos de políticas públicas para formar leitores, proporcionar grupos de leitura, ter livros e bibliotecas abertas à noite, mas também no sentido de garantir que as editoras independentes existam. Porque a bibliodiversidade é garantida principalmente pelas editoras que não têm como centro de sua linha publicar best-sellers. Há editoras que têm linhas editoriais bem definidas e apostam nelas.
Isso é importante para se contrapor à lógica das grandes editoras, que definem catálogos a partir das planilhas de vendas e só publicam o que compensa financeiramente. Mesmo um livro muito bom, se em um ano não atinge uma curva x de vendas, no ano seguinte poderá estar fora do catálogo. A garantia da bibliodiversidade e da manutenção de uma cultura nacional, livre, não pode, portanto, ser relegada ao mercado. Precisamos de planos governamentais, da organização dos editores de obras de conteúdo e também de uma maior conscientização das pessoas para o futuro da leitura em nosso país.
“Existe um número cada vez menor de editoras do porte da Boitempo que não se associou a nenhum dos conglomerados editoriais. O mercado editorial é muito concentrado e, no Brasil, falta regulação.”
A editora Ivana Jinkings esteve presente na reunião do Conselho Editorial da Revista E no dia 13 de novembro de 2014