Postado em 12/12/2014
Em entrevista à EOnline, Gui Martelli fala sobre ser dirigido por Antunes Filho , sua experiência como ator no grupo Macunaíma, e reflete sobre o processo de reconstrução de “Nossa Cidade”, do norte-americano Thornton Wilder, ganhador do prêmio Pulitzer, e que será encenada no teatro do Sesc Sorocaba
Encenar uma das peças teatrais mais montadas no século XX e fazer com que haja uma provocação atual é um desafio que poucos dramaturgos podem alcançar. Mas quando se trata de Antunes Filho – mais de 60 anos de teatro, 30 deles à frente do Centro de Pesquisa Teatral do Sesc em São Paulo e do grupo Macunaíma, um dos mais relevantes e experimentais do país – essa tarefa é atingida com louvor. Não é à toa que a crítica teceu elogios desde a estreia do espetáculo em questão, "Nossa Cidade", em 2013.
O texto é articulado na cadência de um diretor de cena que apresenta a cidade de Grover’s Corners, seus personagens, e narra as pequenas experiências que foram, são e serão vividas.
Gui Martelli é um dos atores do grupo, saído diretamente dos tablados de Sorocaba para encarar a peça, que teve dois anos de montagem, metade deles dedicada apenas aos ensaios. “Ensaiávamos seis horas por dia, de segunda a sábado, durante a montagem da peça”, explica. O ator enfrentou uma seleção de quatro fases, com mais de 800 inscritos, sendo um dos 20 selecionados. Ele, que vive o personagem Dr. Gibbs, comenta sobre a experiência de ser dirigido por um dos mais importantes dramaturgos do país. “Antunes é bastante exigente, sobretudo em relação à técnica do ator. É uma pessoa que transborda conhecimento e vivência no teatro”.
A “reconstrução” de Antunes foi crucial para que a peça, encenada pela primeira vez em 1938, ganhasse contornos atuais e a identidade do Macunaíma. Martelli aponta que a peça “é toda calcada na atuação dos atores, na técnica, sobretudo a vocal”. São 16 atores em cena. A questão da atualidade fica por conta das inserções que o diretor fez no texto. “Antunes coloca dados estatísticos sobre os mortos e feridos em todas as guerras que os EUA criaram ou se meteram desde o início do século”, exemplifica o ator ao contar que a montagem trabalha paralelamente com duas dramaturgias, “a do autor e a de Antunes-Macunaíma”.
A beleza está nas coisas simples
Mesmo inovadora, a montagem mantém características solicitadas pelo próprio Thornton Wilder no texto original. O aparato cênico faz uso de um “não cenário”. Isso colabora para que a dramaturgia seja reforçada, com foco na característica existencialista do texto. O discípulo recorre novamente às palavras do mestre para expressar o intento da peça: “Antunes sempre falou que queria trabalhar a precariedade das personagens e suas pequenas e nobres aspirações”.
Em “Nossa Cidade”, com apresentação marcada para o dia 12/dez no Sesc Sorocaba, as efemeridades do cotidiano são exploradas. Martelli destaca que “ao trabalhar o ordinário, a peça busca cutucar o público para uma reflexão sobre o que geralmente é passado despercebido”. Na opinião do ator, dois lados da mesma moeda são revelados. “Ao mesmo tempo em que mostra a nobreza das nossas pequenas aspirações, de querer uma vida simples e confortável, também mostra a precariedade da nossa força, que quanto mais achamos ter controle sobre tudo, sobre nossa vida, a própria vida (ou então, a morte) nos diz que não, que somos mais frágeis do que imaginamos”.
Em meio à exploração dessa fragilidade, o narrador ganha ares de protagonista da história ao trabalhar o ordinário no cotidiano dessa cidade. “Uma figura mítica, que tem o poder de comandar o tempo e o espaço, com liberdade para transitar entre os mundos físico e metafísico”, destaca Martelli. Esse fato contribui para o desfecho da história.
“Nossa Cidade” é feita para inquietar o espectador em todos os seus momentos, como instiga Martelli, ao dar pistas sobre o desfecho. “A peça não acaba no último ato, ela permanece após as cortinas se fecharem”, conclui.