Postado em 02/12/2014
Produção crítica de Susan Sontag evoca a vitalidade de seu pensamento
Intelectual polivalente, Susan Sontag extravasava de diversas formas seus pensamentos e convicções: ensaios, romances, textos críticos sobre arte ou palavras precisas que abordavam feridas políticas. Sua atuação forte e constante a fez ir além do círculo intelectual norte-americano, tornando-se uma voz internacional, por certo uma das mais expressivas do século 20.
“Com certeza, foi atípica para o campo intelectual norte-americano”, afirma a professora do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Lilian Santiago. A pesquisadora a define como intelectual selvagem, justamente por contemplar em sua produção temas tão amplos, de disciplinas distintas e de modo tão intenso.
Considerada um paradigma teórico, Sontag se insere de modo marginal para os norte-americanos, porque, segundo Lilian, ela “é a mais europeia deles, apresentando uma produção escrita com um viés de análise influenciado por uma corrente de filósofos como Immanuel Kant, Roland Barthes, Walter Benjamin”.
Pensamento voraz
Sontag nasceu em Nova York, em 1933, mas viveu a infância em Tucson, no estado do Arizona. Desde muito jovem era patente a intimidade com as letras e a curiosidade pelo saber. Uma das primeiras evidências foi o fato de concluir o ensino médio com três anos de antecedência, aos 15 anos de idade. A maturidade intelectual dividia opiniões. Enquanto na época o diretor da escola não hesitou em dizer que a jovem estava perdendo o seu tempo lá, a mãe, Mildred Jacobsen, dizia que, se a filha não parasse de ler, jamais se casaria.
A garota, por sorte, não deu ouvidos à mãe. Formou-se em Filosofia e Literatura pela Universidade de Chicago e pós-graduou-se em Teologia em Harvard. Durante os estudos na Universidade de Chicago conheceu o psicólogo e historiador Philip Rieff, seu primeiro marido e pai de seu único filho, David Rieff, que se tornou editor da obra de Sontag e hoje mantém a Susan Sontag Fondation, em Nova York (http://www.susansontag.com).
O casal se divorciou em 1958. Em 1963, Susan lança sua primeira ficção, The Benefector. Outro romance de sucesso foi O Amante do Vulcão (Companhia das Letras, 1993), que ganhou o prêmio espanhol Príncipe das Astúrias.
Sontag viveu um relacionamento com a renomada fotógrafa norte-americana Annie Leibovitz, conhecida pela famosa foto do casal John e Yoko (John Lennon e Yoko Ohno), destaque da revista Rolling Stone em dezembro de 1980.
Em 2012, Leibovitz lançou Pilgrimage (Editora Random House). O livro era uma ideia de ambas e seria um registro visual de suas viagens. Com a morte de Sontag, Leibovitz retomou o projeto clicando lugares marcantes da história dos Estados Unidos, como Gettysburg, campo de batalha da Guerra Civil, e Graceland, mansão de Elvis Presley. Também visitou as casas de personalidades como Virginia Woolf e Sigmund Freud.
Modos de ver
Um dos marcos de sua produção associada aos estudos contemporâneos da imagem é Sobre Fotografia (Companhia das Letras, 2004). Sontag contribuiu profundamente para o pensamento sobre a fotografia em suas diversas possibilidades e ações. “Ela situa a fotografia como um ritual social e um instrumento de poder, uma forma de atestar a experiência nos seus diversos âmbitos, transformando-a num modo de ver”, analisa a coordenadora e professora da Pós-graduação em Fotografia da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), Lívia Aquino.
Para ela, na visão crítica de Sontag, uma das principais atividades da sociedade moderna consiste em produzir e absorver imagens. “Sobretudo as fotográficas, em uma lógica de consumo sem fim – quanto mais produzimos e consumimos, mais precisamos das imagens para viver –, um projeto que ela considera autodevorador”, completa.
Outro trabalho importante nesse percurso intelectual é Diante da Dor dos Outros (Companhia das Letras, 2003). “Em Sobre Fotografia, Sontag explicita que a força da imagem de guerra estaria neutralizada pelo excesso de exposição, anestesiando o leitor”, analisa o professor de fotografia da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), Atílio Avancini. “Já em Diante da Dor dos Outros, escreve que tudo dependeria da consciência do leitor ao redimensionar a sua função, sendo muito atual nesse sentido, porque convida o leitor a se colocar. Hoje em dia temos essa possibilidade de escolha.”
Rigor estético
Além dos livros e artigos, nos quais se posicionava livremente, Sontag também foi absorvida pela cultura popular americana. Fez uma participação especial em Zelig, filme dirigido por Woody Allen em 1983, juntamente com o escritor vencedor do Prêmio Nobel Saul Bellow, o autor político Irving Howe, o historiador John Morton Blum e a empresária da noite de Paris Bricktop. Também foi citada no filme Gremlins 2, quando um dos monstrinhos reivindica a civilização para seu bando: Queremos civilização, queremos Susan Sontag!. E virou cartoon da revista The New Yorker, da qual ela era colaboradora. Para Lilian, ela reuniu prazer acadêmico com rigor estético. “Oficializou o pensar como um ato estético e se tornou uma espécie de diva do pensamento, o que, para o contexto latino-americano, é quase impossível de acontecer”, compara.
E a América Latina não escapou de sua curiosidade. Tinha fascínio por escritores como Jorge Luis Borges e Machado de Assis. Este último foi tema de um artigo para a revista The New Yorker, em 1990. Afterlives: The Case of Machado de Assis reforçou o olhar atento de Sontag sobre as manifestações diversas da literatura e seus criadores. “Há o encanto dela pela Europa, mas existe algo de mundialista e inclusivo em seu pensamento, colocando o que era marginal dentro de uma história. Para ela, Machado de Assis apareceu como uma leitura memorável e importante para o cânone literário”, explica Lilian.
Munida de posições políticas de vanguarda, Sontag fez uma pausa em seu tratamento (teve câncer de mama e sofria de leucemia) para comentar os ataques de 11 de setembro de 2001. Referindo-se ao episódio como um reflexo da política externa norte-americana, afirmou que o discurso de vítima tinha que ser olhado com espírito crítico. “Dessa forma lançou para o futuro que a autocrítica era extremamente importante aos pensadores e formadores de opinião”, relembra Lilian, apontando esse fato com um dos mais marcantes em sua memória sobre Sontag.
A vida da intelectual, que morreu em consequência do câncer em 2004, logo ganhará um registro minucioso por meio de uma biografia oficial que está sendo escrita por Benjamin Moser, autor de uma obra sobre a escritora brasileira Clarice Lispector.
Vitalidade teórica
Nada permanecia sem reflexão se captado pelo radar de Susan Sontag. Conheça alguns livros importantes da autora
Sobre Fotografia (1977)
Composto por seis ensaios, ganhou o National Book Critic Circle Award no ano de seu lançamento e foi publicado pela primeira vez no Brasil em 1983. Os ensaios sobre Leni Riefenstahl e o nazismo, acerca da experiência de ver as imagens de guerra, e especialmente um dos últimos, no qual aborda as fotografias de tortura em Abu Ghraib, são, na opinião da coordenadora e professora da Pós-graduação em Fotografia da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), Lívia Aquino, os destaques da obra.
Diante da Dor dos Outros (2003)
Por meio de momentos que renderam imagens impactantes, como fotos da Primeira Guerra Mundial, campos nazistas de extermínio durante a Segunda Guerra ou relatos fotográficos mais recentes, entre eles o 11 de setembro de 2001, faz uma nova reflexão sobre o universo da imagem. “Não dá para discutir fotografia sem esse livro, que revela maturidade e coragem do ponto de vista intelectual”, diz o professor de Fotografia na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) Atílio Avancini.
Diários (1947-1963) (2009)
Com textos selecionados por David Rieff, filho de Sontag, e publicado após a sua morte, o livro é poderoso e íntimo, deixando as ideias da pensadora mais próximas de seus interlocutores. “Ao ler os diários é possível entender que a vida de Sontag foi totalmente voltada para o exercício do pensamento”, comenta a professora do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Lilian Santiago.
Desdobramentos da imagem
Ciclo Diálogos recebeu pesquisadores em encontros temáticos para discutir textos centrais para a pesquisa em fotografia no Brasil
Com o objetivo de discutir textos centrais para a pesquisa em fotografia no Brasil, o Sesc Belenzinho recebeu pesquisadores e importantes articuladores no campo da fotografia para o ciclo Diálogos sobre a Pesquisa em Fotografia no Brasil.
Nos encontros temáticos – ocorridos no mês de novembro –, foram abordados pensadores como Roland Barthes, Philippe Dubois, Vilém Flusser e Susan Sontag, que tem em Sobre Fotografia uma obra seminal que transborda questões primordiais para a reflexão desta arte e dos estudos da imagem sem se perder no tempo. A versão original do livro teve a sua primeira publicação em 1983 e até hoje serve de parâmetro quando o assunto é a fotografia e seus desdobramentos imagéticos.
A coordenadora e professora da Pós-graduação em Fotografia da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo, Lívia Aquino, responsável por intermediar o contato do público com o texto da pensadora norte-americana, diz que o ciclo de debates parte do projeto E agora, fotografia?, coordenado em parceria com Ronaldo Entler, Eder Chiodetto e Pio Figueiroa, e propõe uma discussão sobre textos fundamentais para a reflexão. “Cada texto é debatido em dois momentos. Primeiro uma apresentação do autor e da obra escolhida, buscando apontar o seu contexto de produção e também os principais conceitos e ideias contidos ali. No caso de Sontag, apresentei sua aproximação com a fotografia e os ensaios do livro como uma crítica acerca do lugar que a fotografia ocupa na vida social e na cultura moderna”, explica.
Houve, também, uma segunda etapa de conversas sobre o livro no Sesc Consolação, desta vez mediada pela jornalista e mestre em fotografia pelo International Center of Photography/New York University, Susana Dobal.