Postado em 01/03/2001
No final do século 19, lá pelo ano de 1890, o governo da província de
São Paulo promoveu o tombamento da serra da Cantareira. Já naquela época, previa-se o
aproveitamento dos mananciais dessa exuberante região, que no começo do século 20
fornecia água para toda a cidade.
Hoje a Cantareira continua verde, mas sofre constantes ameaças de investimentos
imobiliários, ocupação irregular e de construção de auto-estradas.
Malcolm Forest, ambientalista e produtor cultural, relata neste trabalho as virtudes da
região e descreve as dificuldades para mantê-la livre da poluição e da especulação.
Sua palestra, seguida de debates, ocorreu no Conselho de Economia, Sociologia e Política
da Federação do Comércio, no dia 9 de novembro de 2000.
MALCOLM FOREST Quando tive a oportunidade de estudar em Los Angeles, nos anos 70, a cidade apresentava muita poluição, que vinha desde a década de 40. Havia inversão térmica, que formava uma mancha cinza na linha do horizonte, e o ar era pesado. Quando saíamos da cidade em direção à costa do Pacífico, encontrávamos um clima maravilhoso. No começo dos anos 70 criou-se lá um movimento ambientalista muito forte, em defesa da cidade.
Lembro-me de que em São Paulo até 1968 não havia poluição, ao contrário de Los Angeles. Em pouco tempo, porém, ela apareceu e se acentuou, até chegar aos limites que hoje se apresentam. Concluído o curso em Los Angeles, voltei para o Brasil e comecei a me engajar pouco a pouco num trabalho voluntário pela defesa da qualidade de vida em nosso país, da pureza do ar e da natureza, que é muito pródiga. Naqueles anos, conheci o engenheiro florestal Mauro Vítor, meu vizinho do bairro do Tremembé, que fica num ambiente muito privilegiado. Ele e a esposa, que faleceu recentemente, também se dedicavam à defesa do meio ambiente, o que pouco a pouco configurou um movimento, que se fortaleceu nos anos 80, quando surgiu uma grave ameaça para a região. Queriam fazer ali uma avenida de fundo de vale, que cortaria o bairro e destruiria sua característica de cidade de interior. Era um ambiente bucólico, com cinco fontes produtivas de água mineral. A idéia era ligar as rodovias Dutra e Fernão Dias à Anhangüera, cortando o Tremembé e parte do Horto Florestal. Diante da ameaça, as pessoas se uniram e iniciou-se uma campanha, bem-sucedida, que conseguiu sustar o projeto no Banco Mundial e em outras fontes de financiamento. O argumento utilizado foi provar que o impacto ambiental seria muito danoso para São Paulo e destruiria aquela região.
Alguns anos depois, porém, a ameaça voltou. Surgiu no final dos anos 80 o projeto de uma via perimetral metropolitana. Em seu rastro, a cada 5 quilômetros, a proposta previa a instalação de shopping centers e condomínios. Novamente a comunidade do Tremembé se mobilizou, até porque já tinha experiência.
Foi promovida uma campanha com abaixo-assinado que objetivava a que todo o cinturão verde de São Paulo fosse decretado reserva da biosfera e patrimônio da humanidade, e no qual também se pedia o fim desse projeto de via perimetral metropolitana. Conseguiu-se reunir cerca de 150 mil assinaturas, não só do Brasil como do exterior. Foi feita uma movimentação em Genebra, e obtivemos um laudo que mostrava o impacto ambiental que teria esse segundo projeto, ainda pior do que o primeiro, e as fontes de financiamento da via perimetral foram avisadas em tempo e o projeto paralisado.
Em 9 de junho de 1994, conseguiu-se o tombamento não só da serra da Cantareira mas de todo o cinturão verde de São Paulo, como reserva da biosfera. Isso significa que essa área faz parte do programa da Unesco chamado O Homem e a Biosfera, destinado a delimitar algumas áreas verdes do mundo consideradas de grande importância para a sobrevivência do planeta, e não só para garantir a qualidade de vida hoje.
Existem atualmente 360 reservas da biosfera no mundo. No Brasil, infelizmente, temos somente três, embora haja novas propostas. Além do cinturão verde de São Paulo, temos a da Mata Atlântica, que é uma reserva enorme, com uma dificuldade muito grande de gestão por falta de recursos, e a do cerrado, próxima a Brasília. No México são mais de 20, e representam uma grande fonte de turismo.
A reserva da biosfera existe, portanto, segundo legislação internacional, mas não existe oficialmente para o estado de São Paulo. Por isso, um dos pleitos que temos é justamente a regulamentação dessa reserva. Ela tem uma sede dentro do Horto Florestal, muito bonita, uma doação do rei e da rainha da Suécia. E apenas um funcionário. A reserva da Mata Atlântica padece do mesmo mal, deve ter uma ou duas pessoas para cuidar de uma faixa de quase 6 mil quilômetros de extensão ao longo da costa brasileira.
Retornando à questão da via perimetral metropolitana, o projeto não foi realizado, mas voltou mais uma vez, agora com maior agressividade, com o projeto do Rodoanel, desta vez envolvendo as três esferas de governo. É uma coisa que assusta porque ele voltou para valer, com comerciais na televisão patrocinados pela Dersa, governo federal e governo estadual. De onde vem o dinheiro para tanta publicidade se não há recursos nem para colocar mais funcionários nas reservas da biosfera?
A idéia do Rodoanel foi vendida de tal maneira que tenho a certeza de que a maioria acredita que o projeto possa trazer um alívio, senão uma solução para o trânsito de São Paulo. É difícil explicar em poucas palavras todas as implicações, as minudências, o porquê de esse projeto não ser uma solução para São Paulo. Mas posso apontar algumas coisas. São Paulo é o grande pólo gerador econômico da América do Sul, pois aqui chega e daqui sai uma movimentação logística fabulosa. São 20 milhões de viagens por dia na área metropolitana da cidade, isto é, 20 milhões de vezes um veículo é ligado e transita pela região. O tráfego de passagem pelas marginais tem sido sempre uma das questões levantadas para justificar o Rodoanel. Mas ele não é tão expressivo como se julga. As estatísticas variam. Participei de várias audiências públicas, e ouvi secretários de Transportes e diretores da Dersa afirmarem que esse tráfego de passagem está entre 7% e 27% do que se verifica nas marginais. Então não é tão alto assim. Intensa é a circulação interna em São Paulo, devido aos shopping centers, e em artérias como a Paulista, a Berrini, ou em bairros novos que surgem. O Rodoanel não poderia ajudar de nenhuma forma esse centro expandido de São Paulo. Por exemplo, ninguém irá da zona norte à sul via Rodoanel, percorrendo mais de 80 quilômetros. Quer dizer, já se sabe que isso não será uma solução.
Temos hoje mais de 22 montadoras implantadas em São Paulo. O índice per capita de automóveis em São Paulo chega perto de um para um, ou seja, há quase um carro para cada pessoa. A solução estaria na rede ferroviária, juntamente com metrô, ônibus e vans. Não no Rodoanel, que vai se prestar, isso, sim, a aumentar a mancha urbana de uma megalópole de 20 milhões de habitantes, que temos hoje, para 40 milhões, porque vai causar a conurbação de 73 municípios. Será o fim da civilização nessa região.
Além da conurbação, outro problema será a preservação das áreas verdes e do manancial que abastece São Paulo. O cinturão verde é responsável pela qualidade de vida que ainda temos, e que já está depauperada. Juntamente com a Mata Atlântica, ele é vetor de regulação climática. Se ainda temos certo clima ameno em São Paulo, com estações características de inverno, verão e primavera, isso resulta dessa regulação térmica e climática. O delta de temperatura, ou seja, a diferença entre o marco zero de São Paulo, na Praça da Sé, e a serra da Cantareira, chega a 10 graus centígrados.
A professora Magda Lombardo criou o conceito de ilhas de calor, segundo o qual temos, no centro, como o olho do furacão ou o epicentro de uma explosão atômica, uma ilha de calor que forma ondas, as quais vão se esmaecendo à medida que nos aproximamos do verde da Mata Atlântica. Sem a regulação climática, poderemos ter um verão de 44 graus, chuvas torrencialíssimas, invernos mais rigorosos, coisa que já acontece no hemisfério norte. E o cinturão verde também faz o seqüestro dos poluentes, convertendo a poluição em ar respirável, retirando o gás carbônico da atmosfera e fazendo a purificação através das folhas e da sedimentação no solo. E impede a erosão, que causaria o assoreamento dos principais rios.
Água pura
A reserva da Cantareira foi o primeiro núcleo a abastecer de água a cidade de São Paulo, no local chamado Engordadouro, hoje aberto à visitação pública. É um lugar maravilhoso. Lá ficavam os primeiros reservatórios, e em1890 o governo do estado, naquela época provincial, fez o tombamento da serra da Cantareira, já prevendo o aproveitamento desse manancial que vem do rio Jundiaí. A água da serra é puríssima, e felizmente ainda não chegamos ao ponto de ter invasões ao redor das represas e não há igualmente a contaminação industrial, como acontece no sistema Guarapiranga-Billings, onde a água passa a custar sete a oito vezes mais por causa do tratamento.
Diante desse manancial, que abasteceu quase 80% da capital paulista, pode-se ver a importância do cinturão verde e o risco que corre com o Rodoanel e a ocupação irregular do solo. É o crime organizado que o ameaça, mancomunado com políticos, levando à especulação imobiliária.
Uma proposta é cercar essa área com tela e sistema de vigilância, para termos tempo de reverter a situação.
O discurso dos ambientalistas tem sido muito defensivo. Temos de mudar essa atitude e passar para uma pró-ação. São Paulo é uma das piores cidades do mundo em termos de área verde por habitante. Entretanto, entra governo, sai governo e não se faz nada para reverter esse quadro.
A serra da Cantareira abriga cerca de 200 espécies de aves, quase o dobro da avifauna de toda a França, que tem 120 em todo o seu território. Existem quatro espécies de macacos, várias de felinos, como a jaguatirica, o gato-do-mato, a onça parda e a parda vermelha, que estão seriamente ameaçadas. É considerada a maior floresta urbana do mundo, com seus 80 quilômetros quadrados, que é o número fornecido pelo Instituto Florestal. Só que está sendo comida pelas beiradas, para usar um termo vulgar, por causa das invasões, que vêm não só do lado da capital como também de Mairiporã, de Caieiras, ou seja, da megacidade paulista. Há também condomínios de classe média alta no meio da serra, que a destroem, manifestando uma grande falta de conscientização. Os grandes vilões nessa questão ambiental são a desinformação, a ignorância, a ganância imobiliária, enfim, interesses econômicos que não levam em conta a questão mais importante que é nossa sobrevivência.
A reserva da biosfera de São Paulo recebeu um prêmio de US$ 200 mil da Ted Turner Foundation, que a considerou a mais importante do mundo, por ser a única encravada num contexto metropolitano da proporção de São Paulo. O Brasil, aliás, é campeão mundial de biodiversidade, o país onde há mais espécies em todo o planeta. Mas infelizmente também é um dos campeões da destruição.
Um pouco de história
De onde vem a palavra Cantareira? As versões são muitas. Há quem diga que o nome se deve aos cântaros, porque havia muita água no local. Pode vir também de cantaria, no sentido de cortes de pedra, porque também há muita pedra na região. E também pode ter origem no canto dos pássaros ou na cantoria dos macacos.
É interessante pesquisar também a origem do local. Os livros de história não relatam isso, mas há descobertas recentes, como as publicadas nas obras A Saga de Aleixo Garcia e Chão de Piratininga, uma tese de Wilson Maia Fina, arquiteto do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo já falecido. O trabalho versa sobre a questão de Piratininga, que sempre consideramos o nome original de São Paulo, e que seria a região do centro velho de São Paulo, incluindo a Sé e o Pátio do Colégio.
Martim Afonso de Sousa, com a ajuda de João Ramalho, fundou a Vila de São Vicente, e Pero Lopes de Sousa, seu irmão, era o escrivão dessa expedição. A 9 léguas de São Vicente, de acordo com o documento segundo outros são 10 léguas , fundou a Vila de Piratininga, às margens do rio do mesmo nome. Esse rio Piratininga nunca foi encontrado. Há quem diga que seria outra designação do Tamanduateí, e para terceiros poderia ser o Anhembi ou Tietê, porque dependendo do local ou da situação do rio os índios lhe davam um nome diferente. Piratininga significa, segundo alguns etimólogos, peixe seco, ou o local onde o peixe seca. O professor Emanuel Rodrigues, por exemplo, acredita que seria o Tamanduateí, porque como a várzea ali alagava muito é possível que nas lagoas o peixe secasse. Há quem ache que seria um córrego na região de Paranapiacaba, no alto da serra do Mar. A verdade é que nunca se encontrou com certeza esse rio. Há também quem defenda a tese de que seria o local onde viviam os piratinins, uma tribo indígena.
No entanto, Wilson Maia Fina fez uma análise cuidadosa no Arquivo do Estado de São Paulo e também no Arquivo Municipal, onde há referência a Piratininga. Realizou levantamentos dos primeiros registros cartoriais da Vila de São Paulo de Piratininga, desde 1570, e traçou um mapa seguindo as divisas estabelecidas naqueles documentos. As referências são o rio Juqueri, a serra da Cantareira, ao norte do rio, no termo da Vila de São Paulo, e os rios Cabuçu e Santa Inês. A Estrada do Juqueri seria possivelmente a atual Rua Doutor Zuquim ou a Voluntários da Pátria.
A Vila de Piratininga se dispersou depois de sua fundação e permanece o mistério relativo a esse rio. Talvez houvesse interesse em despistar o local da fundação por causa do Tratado de Tordesilhas, para não ferir a coroa espanhola, mas isso são conjeturas. A verdade é que havia um assentamento provavelmente no ponto extremo de São Paulo, no alto da serra, um local estratégico para o acesso às Minas Gerais.
Outra constatação interessante: na Cantareira existe uma espécie de carvalho nacional, o Euplassa cantareirae. Onde essa árvore nasce, acreditava-se que existia ouro. Houve então mineração nessa região. Conclusão: Piratininga possivelmente ficava na Cantareira.
Wilson Maia Fina estabelece que a Vila de São Paulo estava situada no campo de Piratininga, ou seja, para os portugueses, vencida a serra do Mar, o planalto passa a ser um campo, porque logo em seguida vem o maciço da Cantareira. Assim, o campo de Piratininga seria onde vivemos hoje, e São Paulo de Piratininga significa a igreja de São Paulo, que atendia a Piratininga. Anchieta também escreveu, em torno de 1560, que havia portugueses vivendo em pecado na região da Cantareira, em Piratininga, porque lá não havia igreja. Essa é uma notícia interessante, que merece ser pesquisada. É possível que no subsolo dessa região haja algum indício arqueológico que prove essa tese.
Debate
Nota do Editor: As colocações dirigidas ao palestrante foram algumas vezes reunidas em blocos, para ser respondidas de forma concentrada.
EDUARDO SILVA Trabalhei na construção da Rodovia dos Imigrantes, e já naquela época havia a preocupação de respeitar a serra. Os projetos foram desenvolvidos em grande parte com túneis, porque o túnel afeta menos a estrutura do maciço e quase nada da vegetação. Hoje, na pista nova que se faz, o conceito é de mais túneis ainda. Quer dizer, o problema não é de incompatibilidade entre o ambiente e a engenharia, mas de educação. Podemos recompor eventuais pontos que possam ter sido afetados. As pessoas que passaram a residir nos bairros-cota não são originárias da construção. Os empreiteiros levaram seus funcionários para outras obras.
HÉLIO DE BURGOS-CABAL O que foi descrito sobre a destruição do meio ambiente pode ser estendido a todo o Brasil. Há 10 milhões de favelados à margem das cidades que destroem a natureza. Isso não foi uma catástrofe que adveio do céu pelos nossos pecados. Temos uma cegueira do futuro, o tempo para nós só tem presente, não tem passado. A cultura brasileira se caracteriza por um desprezo pela educação.
JOSUÉ MUSSALÉM Na Fundação Joaquim Nabuco o professor Clóvis Cavalcanti é pioneiro no estudo da visão econômica da ecologia, quer dizer, de como é possível investir para melhorar o meio ambiente. Você tem conhecimento desses estudos?
Gostaria também que falasse sobre a visão ideológica do meio ambiente, até porque a esquerda é contraditória a esse respeito. A União Soviética, por exemplo, quando existia, não tinha respeito nenhum pelo meio ambiente. Chernobyl é um exemplo.
Quero ouvir sua opinião também sobre o ecoturismo, em termos nacionais. E sobre a produção cultural.
ROBERTO PENTEADO Quando eu pertencia à Associação Brasileira de Gemologia, fiz várias prospecções na região da Cantareira e pude constatar a formação rochosa típica e diferenciada do local. Encontrei autunita, um minério radioativo, 62% de óxido de urânio, que, quando coloquei no laboratório sob luz ultravioleta, iluminou a sala. Com grande freqüência encontra-se ali também o epídoto, um conglomerado de mica lepidolita. A reserva tem ainda quartzo amorfo que vai servir para bulbos de televisão no futuro, e para fabricação de vidros. E também drusas de ametista, ametistas muito bem formadas. Então realmente é um solo muito diferenciado, como mostra na superfície pela excelente vegetação.
FÉLIX MAJORANA As Centrais Elétricas de Furnas talvez sejam a empresa brasileira que mais se preocupa com a preservação do meio ambiente, e têm um quadro de engenheiros e técnicos de altíssimo nível. A linha de alta tensão que vem de Itaipu segue para Guarulhos, onde fica a central de distribuição. Para passar pela serra da Cantareira foram construídas torres sem cortar um arbusto, que foram levantadas até passar a copa das árvores. Somente daí para cima é que se iniciou a medição, como se fosse a altura normal da torre. O material foi levado em lombo de burros para que não houvesse necessidade de abrir picadas. Nada foi destruído para fazer a passagem de alta tensão.
ARI ALBANO Um urbanista e sociólogo francês, especialista também em comunicação, diz que a questão ambiental agora é urbana. Há menos de um mês os jornais publicaram dois documentos importantes, um ato ambiental e o mapa da inclusão e exclusão social de São Paulo. Há uma ligação entre os dois. Na última década perdemos 30% das áreas verdes da cidade. Nesse período houve migração interna, a cidade não cresceu, ou cresceu pouquíssimo, e os bairros centrais sofreram o esvaziamento de 25% de sua população. Houve um avanço sobre as áreas verdes e rurais. Mas isso não aconteceu espontaneamente, não foram invasões. Foram loteamentos irregulares.
O que interessa à cidade é que o verde da Cantareira é essencial no que diz respeito à questão climática. O clima de São Paulo está se alterando muito. Alguns vão dizer que é a globalização, em todo o mundo é assim. Mas São Paulo mudou bastante. Basta comparar as fotografias do começo do século com as de hoje. Houve uma mudança radical no vestuário das pessoas, pois o calor é muito grande. Além das alterações climáticas, houve um aumento da área pavimentada. E há uma diferença muito grande de temperatura entre os bairros de São Paulo. A zona leste é talvez a mais quente, por causa da impermeabilização do solo.
Outra coisa: os túneis também provocam problemas. As passagens sob o rio Pinheiros e o Ibirapuera canalizaram a circulação de automóveis para a região, e aumentaram muito a concentração de monóxido de carbono nela. Temos agora no Ibirapuera a mesma quantidade de monóxido de carbono da Praça do Correio, a mais alta de São Paulo.
Outro problema são as enchentes. Magda Lombardo fez um estudo há cinco anos, concluindo que, se a serra da Cantareira fosse desmatada, teríamos durante todo o verão a zona leste inundada. Isso já aconteceu, aliás. Aquelas alterações que aconteceram ao longo da Avenida Sezefredo Fagundes, os loteamentos irregulares patrocinados por vereadores e o desmatamento provocaram o aumento da impermeabilização. Muito barro foi levado para a região do Tietê, para o vale do rio Cabuçu, e tivemos problemas maiores de enchentes nessa região no ano que passou.
O mais grave, porém, é a questão da água. Não temos mais água, e a área de impermeabilização está avançando para a zona rural. A importância da Cantareira é que essa água que vem de Minas circula ao longo dessa região, e além disso os mananciais, os pequenos córregos e regatos, correm para essa bacia. Por isso é preciso preservá-la. Na virada do século passado, a cidade de São Paulo recebia água do sistema da Cantareira e das nascentes do rio Ipiranga, que ficam no Parque do Ipiranga e no Jardim Botânico. O rio Ipiranga, que agora corre ao longo da Ricardo Jafet, recebia a água dessas nascentes. Então a importância da preservação desse sistema da Cantareira é muito grande.
MALCOLM As obras de engenharia não têm de ser necessariamente antagônicas ao ambiente, elas podem ser coadjutoras na manutenção de um meio mais agradável, melhor, mais sensato, mais inteligente. São as obras verdes.
A destruição em todo o Brasil é fato notório. Ligada a isso está a falta de educação e informação, aliada a interesses de curtíssimo prazo. É um convite que fazemos para repensar in totum essa situação.
Quanto à visão econômica da ecologia, é lógico que se tivermos mais capital e ele for bem empregado teremos melhores resultados. Mas não é só uma questão de recursos. O mesmo problema existe na educação: até pouco tempo atrás apenas 20% de cada real investido na educação chegava à sala de aula. Muito se perde no meio do caminho. Acredito que economia e ecologia são palavras praticamente sinônimas. Havia no passado uma crença de que a qualidade industrial implicava mais custo, e esse mito caiu por terra. Hoje se sabe que, se uma fábrica produzir com mais qualidade, o custo irá cair, porque haverá menos desperdício. Então economia, ecologia e segurança são palavras sinônimas. Temos é de achar o denominador comum.
O ecoturismo representa um grande potencial de desenvolvimento econômico. Enquanto a cidade de Veneza recebe 12 milhões de turistas por ano, o Brasil até há pouco tempo recebia 1,2 milhão. Hoje esse número é maior, mas é muito pouco.
Quanto às informações de Roberto Penteado sobre o solo, achei interessantíssimas. Gostaria de conhecer melhor esse trabalho, porque existe também nesse caso uma mitologia ao redor da Cantareira, e há no meu entender uma proto-história ainda não investigada. Essa mitologia está ligada ao que é o modismo do século, a ufologia. Existem várias histórias ligadas a discos voadores, a vértices energéticos, o que talvez se explique estudando um pouco essa fantástica geologia, com 62% de óxido de urânio.
PENTEADO Era uma ocorrência habitual. Inclusive procurei muito e não consegui encontrar uma pequena estrada na qual se dizia que havia ocorrência muito grande de magnetita, que é um minério com propriedade de imantação. Quando os carros passavam por lá, caía a potência do motor, por causa da atração da magnetita.
MALCOLM Esse fenômeno existe em Minas Gerais, em São Tomé das Letras, e na chapada Diamantina. Se você deixa o carro sem acionar o freio numa ladeira, ele não desce e às vezes até sobe.
JULIAN CHACEL Mas, quanto a esse aspecto, teríamos uma situação de conflito. A exploração mineral provavelmente iria afetar o revestimento florístico.
PENTEADO E já está afetando. Há muitas frentes de jazida abertas, de avião é possível vê-las.
MALCOLM Isso tem de ser feito com muito critério. É o desafio, para a engenharia, de fazer uma coisa sustentável. Ari Albano mencionou a água. É importantíssima a preservação do lençol freático e do manancial que temos na Cantareira. Quanto às linhas de alta tensão, fiquei satisfeito em saber da preocupação usada na construção. Mas há ainda uma conseqüência negativa dessas linhas. Muitos macacos são eletrocutados porque sobem pela torre e são queimados vivos. Talvez, se houvesse uma pequena corrente elétrica junto à própria torre, o animal, ao receber um choque fraco, deixasse de subir mais, o que resolveria o problema.
Quanto à Cantareira, volto a frisar a necessidade de cercar essas áreas para que o desenvolvimento não seja aleatório, sem critério, com invasões, roubo de terra e tudo o mais.
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