Postado em 01/03/2001
Brasil procura atrativos para evitar o êxodo intelectual
SALETE SILVA e CECÍLIA NATALE
O Brasil pode ser, agora, o que a Índia foi para os Estados Unidos nos anos 90: grande fornecedor de mão-de-obra de alto padrão. No Vale do Silício, região dos EUA em que se concentra a indústria da tecnologia da informação, existe até uma Associação de Profissionais Indianos, segundo a qual já são 2 mil os empresários daquela nacionalidade instalados no Vale e entre 60 mil e 70 mil os empregados na região. Nos últimos cinco anos, cerca de 700 mil brasileiros se transferiram para trabalhar ou morar nos Estados Unidos em todos os setores de atividades, de faxineiros a cientistas e executivos, calcula Marcelo Mariaca, headhunter da Mariaca & Associates, que recruta pessoal especializado para empresas do Brasil e do exterior.
Uma estatística divulgada no fim do ano passado diz que, até 2008, serão abertas 400 mil vagas na área de informação e tecnologia nos EUA, cuja demanda de emprego, no setor, vem crescendo à base de 30% anuais. Bom sinal para os mais bem-preparados profissionais brasileiros. O primeiro foco são os bolsistas, pessoal que faz cursos de graduação ou pós-graduação nos EUA.
Onde é formado esse contingente de pessoal tão disputado pelos maiores grupos empresariais do mundo? Oitenta por cento das atividades científicas brasileiras estão concentradas na região sudeste, informa a Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (Fapesp), uma das mais importantes do país. Dos 300 mil bacharéis graduados anualmente no Brasil, 10% são provenientes de instituições paulistas. Mas é na pós-graduação que a posição de São Paulo se destaca. As cinco universidades públicas paulistas três estaduais: Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual Paulista (Unesp) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e duas federais: Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) formam metade dos doutores no país.
Embora isso não surpreenda ninguém no meio acadêmico, a maioria das instituições de ensino se confessa ainda despreparada para oferecer aos jovens cientistas oportunidades tão atraentes quanto as dos países desenvolvidos. Por isso, assédios desse tipo podem, segundo os especialistas, até ter aspectos positivos: o Brasil perde mão-de-obra especializada no curto prazo, mas terá uma boa razão e urgência para dirigir maior volume de recursos ao desenvolvimento da pesquisa.
Há uma explicação acadêmica para a intensa busca por profissionais altamente especializados, resultado da globalização. Diante da perspectiva de aumento mundial do desemprego e da restrição da oferta de trabalho permanente, manter o maior número possível de mão-de-obra qualificada pode ser uma alternativa para ampliar a oferta de vagas. Profissionais preparados, explica o economista e titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Ladislau Daowbor, são geradores de empregos. "Governo e empresários do mundo inteiro estão conscientes de que um bom técnico cria emprego pelas atividades que gera em torno de si", explica o professor. A procura por mão-de-obra qualificada e a criação de atrativos para sua fixação tornam-se, portanto, processo natural, na opinião do especialista.
Os Estados Unidos, que vivem fase de prosperidade e crescimento contínuo há mais de dez anos, têm condição privilegiada, criada pela hegemonia do dólar na economia globalizada e pela chamada Nova Economia, que favorece a inovação tecnológica. Ganhos de produtividade têm feito com que esse crescimento não resulte em mais inflação, e outro efeito positivo é o aumento do nível de emprego. O índice de desemprego é o mais baixo nos últimos 30 anos, e o que existe, efetivamente, é carência de pessoal especializado, comenta Antonio Correa de Lacerda, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos Econômicos e Transnacionais (Sobeet). "Daí a necessidade que eles têm de atrair talentos de outros países", conclui.
Para o reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), José Henrique Vilena, essa política de atração de jovens cientistas, adotada não só pelos Estados Unidos como também por outros países europeus, decorre da competição internacional e deveria ser seguida pelo Brasil. "Vamos perder essa briga por não ter uma política eficaz nem para atrair cientistas estrangeiros nem para fixar os nossos aqui", observa. "A competição internacional é boa, o que não é bom é nossa falta de estrutura para manter profissionais qualificados no país", acrescenta. E a competição com estrangeiros também se dá no mercado interno: o Ministério do Trabalho anotou, de janeiro a agosto de 2000, ingresso de mais de 9,5 mil estrangeiros para trabalhar, a maioria trazida por grupos internacionais que começam a operar em prospecção e exploração de petróleo. Vieram do exterior 180% mais químicos que em 1999, por exemplo. De técnicos e engenheiros eletrônicos, o aumento de ingressos foi de 110%. Pesquisa da Catho, consultoria especializada em recursos humanos, revela que, entre os executivos que trabalham no Brasil, 26% dos estrangeiros são mestres ou doutores. Entre os brasileiros, apenas 7%.
Claudio de Moura Castro, consultor da Organização Internacional do Trabalho, diz que a demanda por profissionais bem-formados e treinados provocada pela prosperidade norte-americana supera a capacidade da própria universidade dos Estados Unidos, o que dá chance aos brasileiros com boa formação. Para o especialista, "somos um país muito isolado e com mania de autonomia. As pessoas que perdemos para os grandes centros, como o Vale do Silício, não são realmente perdidas, pois se tornam elementos de contato, os gatekeepers do nosso mundinho com o Primeiro Mundo". Por isso, considerando que a pós-graduação no Brasil é melhor que a graduação, o que se deveria fazer é mandar constantemente gente para se doutorar fora, a fim de romper esse isolamento. As empresas têm aumentado, aos poucos, os projetos de ciência e tecnologia, mas esse é ainda o calcanhar-de-aquiles, pois a universidade tem avançado mais, em diversas áreas, que a iniciativa privada. Para Moura Castro, as empresas brasileiras ainda engatinham no processo de utilização da pesquisa e do capital humano preparado no país. "Há uma quantidade descomunal de Ph.Ds. ociosos na Índia, e ser bóia-fria da programação norte-americana tem sido uma solução brilhante para eles."
Não é, ainda, o caso do Brasil, que "pode utilizar sua capacidade muito menor produzindo para o mercado brasileiro ou para exportação, quando estiver pronto para isso. Será mais nobre", conclui.
"Está ocorrendo uma globalização de carreiras", afirma Marcelo Mariaca, lembrando a facilidade com que a nova tecnologia da informação permite a contratação, senão de pessoas, de serviços de um lado para outro do mundo. "Já não é novidade uma empresa com sede nos Estados Unidos contratar serviços de um engenheiro indiano residente em Nova Delhi, que transmite a custos bem mais baixos na comparação com um colega californiano projetos inteiros, pela Internet, antes de começar o expediente em Nova York", diz.
Porrete e cenoura
A política brasileira para retenção de seus melhores talentos tem sido a do "porrete e cenoura", explica Geraldo Nunes, supervisor de bolsas concedidas pelo Ministério de Educação e Cultura no exterior. O programa, executado pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), criada inicialmente como campanha, em 1951, e instituída como fundação em 1992, tem como principal função subsidiar o MEC na formulação das políticas de pós-graduação, coordenando e estimulando mediante a concessão de bolsas de estudo, auxílios e outros mecanismos a formação de recursos humanos altamente qualificados para a docência em grau superior, a pesquisa e o atendimento da demanda de profissionais dos setores público e privado.
A Capes mantém uma média de 1,6 mil pós-doutorandos em universidades estrangeiras, ao custo de US$ 33 milhões anuais. "É o maior programa de especialização profissional de um país em desenvolvimento", afirma Nunes, "e o Brasil não pode abrir mão desses talentos, mesmo porque é grande o déficit de doutores, tanto na universidade como na indústria brasileira."
O porrete, explica Nunes, é a cobrança, corrigida, de todo o investimento feito com o bolsista, se ele decidir não voltar ao Brasil. A cenoura, embora menos apetitosa que a oferecida por outros países, é uma série de atrativos para o bolsista continuar sua pesquisa no Brasil, principalmente pela oferta de cargos em postos acadêmicos e institutos de P&D.
"Felizmente, não temos aplicado o porrete nem em 1% de nossos bolsistas", diz Nunes, reconhecendo, entretanto, não ser a cenoura brasileira muito atraente, quando se comparam os salários oferecidos aqui e no exterior. Há quem calcule uma diferença de 1 para 5. Mas há outros componentes que melhoram o cenário: por exemplo, a possibilidade de o bolsista dar continuidade a seu próprio projeto e inserir-se em um mercado com excepcionais condições de crescer, resultado da expansão econômica provocada pela conjunção de fatores como globalização, privatização e aumento do investimento estrangeiro direto no país.
O assédio das empresas norte-americanas sobre os profissionais brasileiros se intensificou nos últimos anos também por um motivo muito simples: o conhecimento do idioma inglês no Brasil, que até algum tempo atrás era privilégio de poucos, mesmo entre os profissionais altamente qualificados. "A maioria deles hoje detém domínio perfeito da língua", observa Daowbor, da PUC-SP.
Desde o início da década de 90, alunos da Unicamp participam do que os professores chamam de estágio "sanduíche" em multinacionais da França, Inglaterra e Alemanha, onde permanecem por um ano e, na maioria das vezes, recebem convites para voltar e integrar seus quadros de funcionários. Além disso, alguns desses países fazem dupla diplomação, ou seja, oferecem ao aluno que começou a estudar no Brasil a opção de dar continuidade a seu curso no exterior e concluí-lo no Brasil. "O aluno obtém diploma nos dois países", explica Ângelo Cortelazzo, pró-reitor de graduação da Unicamp, de cujos institutos saem 15% da produção científica do país. A universidade, criada em 1966, tem 2 mil professores, 10,5 mil alunos de graduação e 10 mil de pós-graduação.
Estudantes das áreas de engenharia e telecomunicações são os mais requisitados nos programas citados. Não é só o bom desempenho desses estudantes no exterior que faz elevar o interesse de empresas estrangeiras pelos jovens cientistas brasileiros. Segundo Cortelazzo, o cruel sistema de seleção das universidades acaba contribuindo para isso, uma vez que apenas os alunos mais bem-preparados da sociedade conseguem uma vaga em algum dos cursos.
Uma demonstração efetiva da boa reputação dos alunos da Unicamp no exterior, na análise do professor, é a recente concentração de empresas de alta tecnologia na região de Campinas. "Empresas são como circo, montam e desmontam onde lhes é mais conveniente", afirma. Apesar de ter chegado atrasados, os Estados Unidos estão hoje em primeiro lugar no ranking de países que atraem estagiários da Unicamp. Em seguida vêm França, Alemanha e Inglaterra, que haviam começado antes. Cortelazzo estima no mínimo em 10% do total de alunos das áreas de engenharia e telecomunicações os que fazem estágio no exterior. "Temos pelo menos uma centena de estudantes fora todos os anos", calcula. Todos voltam, segundo ele, para concluir o curso.
O assédio das multinacionais sempre foi mais focado em alunos de engenharia. Mas a tendência tem mudado nos últimos anos. O mercado para engenheiros no exterior, segundo o professor, já está um tanto saturado, embora ainda haja boa demanda por profissionais de engenharia elétrica e telecomunicações. O interesse das empresas cresce, segundo os especialistas, mais rapidamente pelos alunos de biotecnologia, física e química. Um novo mercado de trabalho internacional, além disso, começa a despontar para a área de serviços. "A indústria mundial de entretenimento e lazer não pára de crescer, e as empresas do setor precisam também de mão-de-obra de alto padrão", cita o professor da Unicamp. Geraldo Nunes, da Capes, assinala ser crescente a preferência por estágios e bolsas em economia, resultante, segundo ele, da sofisticação que o mercado financeiro vem registrando no Brasil, além de sua internacionalização.
São Paulo na frente
Com tantas oportunidades de trabalho, infra-estrutura para o desenvolvimento de pesquisa e ascensão profissional e salários iniciais até cinco vezes maiores do que os pagos no país, as empresas estrangeiras não vão ter dificuldades para roubar jovens cientistas brasileiros, se depender dos programas de universidades e fundações para evitar a evasão. O governo terá de adotar uma política eficaz de retenção desses profissionais, concordam os acadêmicos. A primeira providência, apontam os especialistas, é elevar de forma significativa os recursos destinados à pesquisa.
Apenas o estado de São Paulo tem condições financeiras mais firmes para isso. No ano passado, a Fapesp investiu quase R$ 300 milhões, enquanto a verba do Conselho Nacional de Pesquisa não passou de R$ 12 milhões. "O Brasil, com exceção de São Paulo, sofre de carência de recursos para o fomento da pesquisa", diz Ricardo Gapas, pró-reitor de graduação e pós-graduação e pesquisa da UFRJ. Investir em pesquisa, segundo ele, ainda não faz parte da cultura brasileira. A maioria das empresas no país que mantêm núcleos de desenvolvimento de pesquisa, cita o professor, são multinacionais, como IBM, At&T, entre outras.
José Fernando Perez é diretor científico da Fapesp em um de seus melhores momentos: há um ano, todo o mundo acadêmico celebrou a conclusão do seqüenciamento do genoma do amarelinho (a Xylella fastidiosa), obtida por uma exemplar equipe de cientistas brasileiros ou que trabalhavam no Brasil, comandada pela Fapesp e capitaneada pelo cientista inglês Andrew Simpsons, que não dá mostras de querer voltar a seu país. ("Eu me sinto entusiasmado com o ritmo dos trabalhos no Brasil", comentou ele ao fazer o relato do seqüenciamento do DNA da Xylella, no ano passado.) O projeto envolveu 196 cientistas, dos quais 172 de universidades públicas em geral e, destas, 144 eram paulistas.
Identificar o DNA dessa doença que afeta árvores cítricas é ponto fundamental para o seqüenciamento do genoma do câncer humano, também em curso na Fapesp, e que fez voltar ao Brasil um cientista que há anos estava em Harvard, Sandro de Souza.
Falar sobre estímulo ao cientista no Brasil é, portanto, assunto a que Perez não se nega. "O ambiente atual é entusiasmador como nunca, mesmo que os salários ainda fiquem bem abaixo da concorrência", diz, ressaltando a chance que o país tem de vitalizar e melhorar a graduação, aproveitando a excelência obtida por um grande número de pós-graduados. "Esse movimento começa a se firmar agora no Brasil, com os egressos de pós-graduação encontrando boas oportunidades de continuar o desenvolvimento do trabalho iniciado fora ou mesmo em escolas brasileiras de alto nível."
São essas algumas das "jóias da coroa" da Fapesp, que já há seis anos parou de conceder bolsas de graduação ou doutoramento no exterior, numa clara política de estímulo a pós-doutoramento e estágios fora, com o propósito de complementar com experiências e atividades a pesquisa iniciada aqui. Assim, esse é o primeiro ponto de uma estratégia exemplar capaz de fazer o Brasil explorar seus melhores talentos. Perez indica outros pontos básicos dessa estratégia, que também resulta em melhora dos cursos de graduação no país. Um deles é desenvolver uma série de programas que estimulem a atração e a permanência dos "pós doc" em universidades e instituições públicas ou privadas. Entre essas iniciativas, Perez menciona o Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas. "Posso contar no mínimo 127 bons casos recentes de especialistas egressos de pós-graduação que conceberam projetos e processos merecedores de continuidade. A idéia é criar condições para o interessado ganhar dinheiro com o resultado da pesquisa, desde que apresente um plano de negócios capaz de colocar seu projeto na carteira de empresas contemplada pela fundação."
A Fapesp também desenvolve um programa de interação com o exterior, pelo qual atrai cientistas principalmente da França e da Alemanha para projetos temáticos, geralmente concebidos fora, para ser desenvolvidos aqui.
Mas a menina-dos-olhos da Fapesp é o projeto Jovens Pesquisadores em Centros Emergenciais universidades novas, principalmente as particulares, e instituições com pouca tradição de pesquisa recebem apoio técnico e financeiro para criar e consolidar sua estrutura de pesquisa. Perez cita como bom exemplo o convênio assinado há poucos anos com a Universidade de Mogi das Cruzes (UMC). A Fapesp paga bolsas para pesquisadores e pessoal de apoio, financia a instalação ou reforma de laboratórios, mas em contrapartida exige, além das rotinas de controle, um "compromisso de sucesso" pelo qual a instituição beneficiada se obriga a oferecer carga horária, pessoal técnico habilitado e recursos físicos suficientes para o êxito do estudo. Em cinco anos, o programa atendeu cerca de 250 jovens especialistas.
Jair Ribeiro Chagas, diretor de pesquisas e pós-graduação da UMC, é ele mesmo um bom exemplo dessa estratégia. Formado em farmácia pela Universidade de São Paulo, trabalhava em laboratórios da então Escola Paulista de Medicina (EPM) enquanto estudava. Atuou em múltis (Hoechst e Ciba) por quase dez anos, incluindo um período na Suíça. Convidado a ficar na Europa, trocou uma razoável diferença em dólares pela possibilidade de fazer mestrado e doutoramento na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp, ex-EPM) e, depois, pós-graduação na França. Agora, licenciado da Unifesp, está cuidando da pós-graduação na UMC, com especial atenção para os convênios firmados com a Fapesp.
Não é fácil, diz ele, pois ainda é recente e incipiente a cultura de investimento em pesquisa na iniciativa privada, tanto nas empresas como nas universidades, em que é grande, também, a resistência a alguns tipos de mudança. Nem por isso os resultados são pequenos, e já neste ano começam dois novos mestrados na UMC, o de engenharia biomédica e o de biotecnologia, aprovados pela Capes.
O apoio da Fapesp foi decisivo, relata Jair, para atrair pelo menos 25 pesquisadores de instituições tradicionais de ensino paulistas, como USP, Unicamp, UFSCar, e de outros estados, para instalar núcleos de pesquisa e prestação de serviços em bioquímica, biotecnologia, pesquisas tecnológicas e ensino. Nessas unidades, estão em curso importantes estudos, como o referente à identificação de produtos com potencial cancerígeno, ou o de desenvolvimento de equipamento auxiliar para transplantes do coração, que amplia em quatro horas o tempo normal de sobrevida do órgão a ser transplantado, ou o de produção de cimento (silicato) com a utilização de casca de arroz. Outro projeto em curso na UMC é o de identificação de espécies de peixes em extinção na região do alto Tietê, onde fica a universidade. Seleção e tratamento de resíduos e controle orgânico de pragas agrícolas também são objeto de pesquisas nessa instituição, propostas por jovens bolsistas da Fapesp.
"A verba permite boas realizações em alguns casos chega a R$ 300 mil , pois é suficiente para instalar equipamentos modernos", diz Jair, mencionando como exemplo o biochip, equipamento que faz análise automática de DNA, do qual há poucas unidades no país e uma das primeiras está desde 1999 na UMC.
Resultado disso tudo, conclui Jair, é que um número crescente de pós-doutorandos encontra mais espaço no país para desenvolver seu talento, mesmo estando a demanda desses profissionais pelas empresas ainda abaixo do potencial. Além disso, faz questão de salientar, vai sendo aperfeiçoado o próprio ensino de graduação, cada vez mais entregue a professores realmente bem-preparados.
Berçário do desenvolvimento
Outro projeto de sucesso da Fapesp citado por seu diretor científico, José Fernando Perez, como indutor da pesquisa no país, é o Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas, o Pipe, que libera financiamentos de até R$ 300 mil para projetos capazes de ser transformados em plano de negócios que gere lucro. Iniciado em 1997, o Pipe é o primeiro programa da Fapesp para pesquisa diretamente na empresa, por concessão de financiamento ao pesquisador a ela vinculado ou associado. Alvo do Pipe são empresas com até cem empregados, dispostas a investir na pesquisa de novos produtos de alto conteúdo tecnológico ou processos produtivos inovadores, capazes de aumentar sua competitividade e dar boa contribuição socioeconômica ao país.
Iniciado um pouco antes, em 1995, o programa de Parceria para Inovação Tecnológica (Pite) apóia projetos de pesquisa para o desenvolvimento de novos produtos com alto conteúdo tecnológico ou novos processos produtivos, propostos conjuntamente por uma empresa de qualquer porte e uma instituição de pesquisa do estado de São Paulo. A Fapesp financia a parte do projeto a cargo da instituição, enquanto a empresa parceira deve oferecer uma contrapartida financeira para custear a pesquisa que lhe cabe desenvolver.
Uma das empresas beneficiadas por esse programa é a Anod-Arc, criada em 1998 e cujo sócio diretor, Gerhard Ett, disse, em depoimento à revista da Fapesp, estar desenvolvendo, como empresário, uma série de experiências em tratamento de superfície de alumínio trazidas de seu doutoramento. Ele vem conseguindo ótimos resultados em relação à dureza desse metal, utilizado em revestimentos nas indústrias metalúrgica, têxtil e aeronáutica.
Como a Anod-Arc, outras seis de 15 empresas instaladas no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec) recebem financiamento da Fapesp. Metade delas desenvolve projetos iniciados na universidade. Dos proprietários, 75% têm doutorado, informa Sérgio Wigberto Risola, gerente do centro. No ano passado, diz ele, pelo menos duas dezenas de grupos de investidores, entre pessoas físicas e bancos, foram ao Cietec em busca de informações.
O Cietec é um galpão, cedido pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), no campus da USP, e nele se instalam por dois a seis anos empresas com projetos capazes de ganhar corpo nesse espaço. Quando amadurecem, saem da incubadora e deixam lugar para outras iniciantes.
Quando foi lançado, previa-se para o Cietec um prazo de três a quatro anos para atrair os 15 empreendimentos de base tecnológica que o projeto pretendia abrigar. Um ano bastou, e já estão em fila de espera mais de 80 pretendentes. O efeito se multiplica no país, comenta Luís Afonso Bermúdez, presidente da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tecnologias Avançadas (Anprotec). Tem sido essa, continua, a base para lançar "a ponte de transferência de tecnologia elaborada nos laboratórios de universidades e centros de pesquisa para o mercado de produtos e serviços. Em um país não acostumado a fazer pesquisa dentro das empresas, o crescimento de 35% no número de incubadoras instaladas, a partir de 1999, é sem dúvida uma boa notícia", comenta em artigo da revista da Fapesp.
Esse sistema de incubadoras apóia 1,1 mil empresas brasileiras, que estão em diferentes estágios: da gestação à juventude empresarial. Todas têm menos de cem funcionários, perfazendo um contingente de 5,2 mil pessoas trabalhando, incluindo os sócios. Quase todas têm apoio do meio acadêmico ou de órgãos públicos universidades federais e estaduais, prefeituras e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), principalmente.
A Anprotec calcula serem 135 os condomínios empresariais no país, número que não pára de crescer: dos 4 de 1989 passou-se a 19 em 1994, subindo para 60 em 1997. A origem desse aumento está no acelerado salto das pequenas e médias empresas, as quais encontram espaço crescente no ainda carente grupo de empresas brasileiras de base tecnológica. "As incubadas ajudam-se tanto no intercâmbio de informações tecnológicas como nas questões burocráticas", afirma Ett, da Anod-Arc, incubada em 1998. Do total de incubadoras, 57% mantêm vínculo formal com universidades e centros de pesquisa e 20%, informal.
Essa é uma forma de reter cérebros e fazê-los contratar mais mão-de-obra especializada, evitando sua evasão para outras partes do mundo. Além de perder mão-de-obra qualificada para países desenvolvidos, o Brasil pode arcar com problemas mais graves devido à falta de investimento em pesquisa, alerta Gapas, da UFRJ. Um deles é o descompasso tecnológico nacional em relação ao exterior. "Já vamos sentir essa defasagem no mercado interno, em que o setor de petróleo, onde foi injetado algum recurso recentemente, vai avançar muito mais do que as demais áreas da indústria", compara. A maior dificuldade, segundo ele, surgirá quando os cientistas brasileiros tiverem de aplicar aqui técnicas desenvolvidas no exterior. "Os transplantes, por exemplo, precisam de competência na área de células. Não vamos ter condições de acompanhar e usar técnicas desenvolvidas lá fora, porque não temos o básico aqui", acrescenta.
Mudança de perspectiva
Falta política de fomento à pesquisa tanto nas fundações como nas universidades e no Ministério de Tecnologia, alertam os especialistas. Há, no entanto, uma luz no fim do túnel, diz Vilena, reitor da UFRJ. Os fundos setoriais, criados com as privatizações nas áreas de energia elétrica e telecomunicações, deverão injetar já a partir de 2001 cerca de R$ 1,2 bilhão nos programas de pesquisa e desenvolvimento científico. O destino desses recursos está previsto nos contratos de privatização. Segundo Vilena, o volume de investimento hoje não chega a R$ 150 milhões, e boa parte dessa verba deverá ir para a infra-estrutura de ensino e pesquisa. "Isso significa não só compra de equipamentos como construção de locais, adequação de redes elétricas, entre outras necessidades para o desenvolvimento da pesquisa básica", explica. Desde já o professor inicia um debate que deverá esquentar nos próximos anos: "Vamos discutir muito se o país vai canalizar esses recursos para a pesquisa básica, como fazem os Estados Unidos, ou para a pesquisa aplicada, como em outros países, como o Japão". Jair, da UMC, também põe fé nos efeitos dos fundos setoriais, que devem começar a atuar a partir deste ano.
Grande expectativa dos especialistas é a criação de atrativos para fixar cientistas no Brasil, assim como a preparação de mão-de-obra também para o mercado doméstico, onde o número de profissionais qualificados ainda é insuficiente para atender à demanda interna, como lembra o presidente do Centro de Integração Empresa-Escola, Luiz Gonzaga Bertelli. "Não há recursos humanos preparados na quantidade exigida para atender às oportunidades criadas", observa. Isso sem contar as privatizações, que transferiram empresas nacionais a companhias estrangeiras, agora em busca de mão-de-obra especializada em seus países de origem.
Essa defasagem, segundo Bertelli, reflete a falta de estímulo aos cursos de doutorado e mestrado no Brasil. "Os países desenvolvidos e até alguns do Mercosul têm uma política muito mais agressiva do que a nossa nessa área", afirma. Para ele, falta também maior adequação dos currículos acadêmicos às exigências e necessidades das empresas. A demanda é por profissionais com formação voltada para procedimentos tecnológicos e científicos, e as universidades, na sua avaliação, com algumas exceções, não preparam os profissionais para isso. Uma das iniciativas que vêm suprindo essa necessidade de mão-de-obra é a criação de centros de desenvolvimento pelas empresas.
Um dos mais antigos é o Centro de Excelência para o Desenvolvimento da Pesquisa da Copersucar, criado, segundo Bertelli, há cerca de 20 anos. Uma de suas principais pesquisas trata da genética da cana-de-açúcar, com o objetivo de melhorar a qualidade da produção do setor. Outras empresas seguem o mesmo caminho, como a Volkswagen do Brasil, que está recrutando cerca de 500 universitários de administração e tecnologia para ser submetidos a treinamento intensivo, ou a Gessy Lever, que investe em programas de treinamento no exterior. "Há algum movimento, mas ainda é incipiente", observa Bertelli.
Pesquisa da Sobeet indica que as múltis instaladas no Brasil (que representam 15% do PIB) investem 3% de seu faturamento em inovação e capacitação para adaptar produtos e processos criados no exterior, em suas matrizes. Isso mostra que a globalização e a abertura econômica não eliminam esforços de inovação tecnológica no Brasil, mas indica quanto ainda é preciso investir para o país tornar-se competitivo.
Alocar mais recursos para a pesquisa, oferecer melhores condições de progresso e salários mais adequados aos cientistas e estimular a integração escola-empresa são essenciais para a retenção desses profissionais no país, mas sem a melhoria da qualidade de vida em geral não haverá programa capaz de persuadir um jovem profissional preparado a trocar boas oportunidades nos Estados Unidos, ou qualquer outra parte do mundo, por um emprego no Brasil. O alerta é de Daowbor, titular da PUC-SP. "Montar programas de incentivo à pesquisa, melhorar a qualidade de vida e criar horizontes de atividade é essencial", conclui.
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