Postado em 01/03/2001
Índios guaranis lutam para recuperar terra e cultura nas Missões
LEONARDO SAKAMOTO
No início de 1994, um grupo de guaranis foi enxotado de uma cidade gaúcha, pois os donos do lugar não queriam índios na região. Colocados como carga indesejada em uma kombi, eles foram depositados no município de São Miguel das Missões. De acordo com a prefeitura descontente, dona da kombi e do direito de ir e vir, lá, sim, era terra de índio.
Recebidos pela população local, os guaranis montaram uma aldeia, onde vivem até hoje. Nos finais de semana e dias de grande movimento, como nas festas de fim de ano, famílias inteiras deixam suas casas de lona cobertas com palha que mais se assemelham a barracos de um acampamento sem-terra e caminham alguns quilômetros até atingir as ruínas da igreja. Não falam com estranhos, talvez por se sentirem também estrangeiros nessa terra.
Estendem pelo chão onças, corujas, tamanduás, arcos e flechas, cruzes e outros objetos de artesanato feitos de madeira queimada e bambu, contas e outros penduricalhos. O pouco conhecimento de português da maioria é suficiente apenas para dizer os preços aos turistas: a partir de R$ 4, dependendo do trabalho gasto na confecção da peça. Enquanto os pais negociam, as crianças brincam pelo gramado do sítio arqueológico. Correm e jogam futebol, fazendo de traves dois restos de colunas com mais de 300 anos. A bola vai rolando, ignorando a presença de quem quer que seja, enquanto o sol desce vagarosamente em direção ao horizonte pintando o céu de dourado. Provavelmente um presente da natureza, pois é véspera de Natal. Outras crianças ficam à espera de turistas no estacionamento, correndo em sua direção. "Troquinho, troquinho!" Esmolas nessa noite são mais difíceis de negar.
A concentração de visitantes vai aumentando: afinal de contas, todos querem assistir à missa nas ruínas do povoado jesuíta de São Miguel Arcanjo, Monumento Nacional desde 1938 e declarado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco em 1983. São Miguel era a antiga capital dos Sete Povos das Missões, aldeamentos guaranis que, por conta do trabalho dos padres da Companhia de Jesus, chegaram a reunir milhares de almas pagãs convertidas à fé católica.
Um turista se aproxima, pede licença e abraça uma velha índia enquanto outro bate uma foto. Sai contente, quase se esquecendo de agradecer: "Essa vai ficar para a história!" Depois pára perto de uma parede da igreja e tira outro retrato com o mesmo sorriso no rosto.
Quando a noite cai e a missa começa, já não há mais nenhum guarani nas ruínas. Um refletor ilumina o altar improvisado, cercado pela multidão. Na fala do bispo, vindo da vizinha Santo Ângelo para a cerimônia, agradecimentos aos céus por 500 anos de cristianização e três séculos da ação da Companhia de Jesus.
Os índios retornam à aldeia trazendo de volta as réplicas de cruz jesuítica que, apesar do sucesso entre os turistas, não foram totalmente vendidas dessa vez. O povo que construiu aquela cidade, hoje em ruínas, e que já foi senhor de todas as terras ao redor, sobrevive de relíquias de seu passado.
Conquista espiritual
O crescimento da religião protestante por toda a Europa levou a Santa Sé a criar um movimento de contra-reforma para reduzir as baixas em seu rebanho. Entre as mudanças decretou-se o fim da venda e comercialização de indulgências e adotaram-se medidas que tornavam mais severa a intransigência religiosa.
Não faltaram técnicas de intimidação. A Inquisição percorreu boa parte do velho continente buscando hereges e infiéis, e na península Ibérica e na Itália chegou ao auge, conseguindo, por fim, apagar nesses locais os vestígios do protestantismo.
Em 27 de setembro de 1540, o papa Paulo III deu estatuto religioso à Companhia de Jesus, liderada pelo ex-guerreiro espanhol Inácio de Loyola. Os jesuítas como ficaram conhecidos seus integrantes eram, antes de mais nada, soldados que utilizavam como armas a persuasão e o conhecimento das doutrinas da Igreja. Assim, partiram para os mais distantes cantos do mundo para difundir o catolicismo.
Nessa época, Portugal e Espanha lançavam-se às conquistas de além-mar, invadindo as terras do Novo Mundo e escravizando ou eliminando seus antigos moradores. E um dos locais escolhidos pelos jesuítas foi exatamente a América, com suas legiões de pagãos cujas almas precisavam ser salvas.
Os jesuítas permaneceram no Brasil até 1760, data de sua expulsão, cumprindo decreto do marquês de Pombal de um ano antes. Pouco tempo depois, por influência de Pombal, também foram enxotados das terras da Espanha e da França e, por fim, a ordem foi extinta por Clemente XIV em 1773. Após mais de 40 anos ela ressurgiria, por determinação de Pio VII, mas já sem a força de antes.
Com o objetivo de levar a fé católica (e, muitas vezes, propiciar o enriquecimento da companhia) aos mais distantes lugares, acabaram sendo responsáveis por parte de nosso desenvolvimento urbano, fundando vilas e povoações, entre elas a de São Paulo, em 1554. Mas foi o governo espanhol que viu neles a viabilização para suas nascentes colônias na região da bacia do Prata. Civilizar era, além de catequizar, organizar e estruturar politicamente o território. Foi assim que, em 1607, começou a ser criada a Província Jesuítica do Paraguai nas terras que o Tratado de Tordesilhas havia designado à Espanha e que hoje estão divididas entre Paraguai, Argentina e Brasil. Os índios foram convencidos pelos padres a abandonar as aldeias escondidas nas matas e montanhas e a morar em povoados, erguidos por eles mesmos. Ao todo, as Missões foram compostas por 30 povoações jesuíticas, e agruparam dezenas de milhares de índios.
A produção agrícola com destaque para a erva-mate e a pecuária decorrentes dessa organização social foram muito proveitosas para a coroa espanhola. Além disso, as Missões jesuíticas foram responsáveis pela implantação de algumas das primeiras manufaturas do continente americano, que iam desde o trabalho com o couro até a metalurgia.
Simultaneamente às ações da Companhia de Jesus, os bandeirantes partiam país adentro em busca de ouro, pedras preciosas e força de trabalho. A captura e a comercialização de escravos índios constituíam um dos negócios mais lucrativos da época, e o desenvolvimento dos povoados dirigidos pelos jesuítas rapidamente atraiu a atenção dos paulistas. Embora as Missões estivessem sob a proteção de Madri, os bandeirantes, com o consentimento de Lisboa, ignoraram Tordesilhas e avançaram. Por isso, não muito tempo depois, jesuítas e guaranis foram forçados a abandonar a missão de São Miguel Arcanjo, fundada em 1632, em terras que hoje pertencem ao estado do Rio Grande do Sul. Empurrados para o outro lado do rio Uruguai, em direção ao atual território da Argentina, eles acabaram retornando em 1687 e reconstruíram o povoado no local onde hoje se encontram as ruínas, no oeste do estado.
Sete Povos das Missões
São Miguel Arcanjo é um dos povoados criados em território brasileiro que ficaram conhecidos como os Sete Povos das Missões. Os outros são São Borja, São Luís Gonzaga, São Lourenço Mártir, São Nicolau, São João Batista e Santo Ângelo.
Os jesuítas agiam como soldados. O objetivo era forçar os guaranis a mudar seu estilo de vida e aceitar a religião católica como única forma de salvação. Em 1743 havia mais de 141 mil índios nos povoados missioneiros, representando 54% da população da bacia do Prata.
Sem pretender justificar a atuação dos jesuítas, é impossível não reconhecer a produção cultural propiciada por eles no apogeu dos Sete Povos, entre os séculos 17 e 18. Muitos dos padres eram mestres escultores, pintores, músicos, arquitetos ou escritores, e ensinaram aos guaranis técnicas artísticas, tentando reproduzir o que consideravam o padrão de civilização. Assim, construíram-se instrumentos musicais tocados por orquestras indígenas, produziram-se tecidos para vestimentas e nasceram estátuas de santos e anjos em madeira policromada que adornavam o interior das igrejas e catedrais, além de esculturas de arenito e telas pintadas a óleo, criando um estilo novo de arte, o barroco missioneiro.
Os povoados eram projetados e seguiam padrões. O edifício mais imponente era o da igreja, que ficava de frente para a praça, centro de toda a vida social. Em volta dela, situavam-se as casas dos índios e o cabildo, ou conselho dos caciques. De um lado da igreja, localizavam-se o colégio, a residência dos padres e as oficinas. Do outro, o cemitério e o cotiguaçu, uma casa que recebia os órfãos e as viúvas. Atrás, ficavam o pomar e as hortas dos jesuítas. Nas redondezas, fontes de água, olarias, curtumes, açudes e plantações.
Cada redução tinha dois jesuítas, um responsável pelos assuntos religiosos, outro pela administração da cidade junto com os caciques do cabildo. Alguns autores consideram as Missões uma experiência teocrática e escravista, sob o comando de padres-soldados que aliavam a manipulação do espírito à cobiça comercial. Outros, que foi uma experiência comunista apesar de a propriedade privada existir livremente. Porém, se considerarmos o contexto histórico, sua organização nos moldes ocidentais de civilização e deixarmos de lado a questão da liberdade da alma, poderemos encará-las como uma das maiores experiências de democracia em todo o mundo. Uma sociedade na qual o bem público realmente estava acima do bem pessoal.
A guerra guaranítica
Dentre os Sete Povos, São Miguel destacou-se entre os demais, tornando-se sua capital. Possuía a mais imponente das igrejas, cujas ruínas, patrimônio da humanidade, ainda existem. Quando, no seu apogeu, atingiu 7 mil habitantes, foi desmembrada e os primogênitos de cada família migraram para uma área próxima, fundando o povoado de São João Batista.
Em 1750, as coroas de Portugal e Espanha assinaram o Tratado de Madri, trocando a Colônia de Sacramento, de posse portuguesa, localizada no rio da Prata, pelos Sete Povos das Missões. Os espanhóis queriam evitar a fuga das riquezas de suas terras, que acontecia através de Sacramento, ao mesmo tempo que almejavam a hegemonia na foz do Prata, um dos pontos mais estratégicos da América do Sul. Agora em terras portuguesas, os Sete Povos não receberiam mais proteção da Espanha. Jesuítas e guaranis foram comunicados que deveriam se mudar, cruzando novamente o rio Uruguai.
Furiosos e sentindo-se traídos por Madri, negaram-se a sair das cidades que haviam erguido e declararam guerra aos colonizadores. Exércitos conjuntos dos dois impérios foram enviados para pôr fim à revolta. A luta ficou equilibrada por muito tempo, até que finalmente os índios, contando milhares de mortos, viram-se derrotados. Com os povoados incendiados, e os guaranis capturados como escravos, a experiência dos Sete Povos estava extinta.
A partir daí as reduções entraram em decadência, acentuada pela expulsão dos jesuítas, e foram sendo invadidas pelo mato do esquecimento. O cacique Sepé Tiaraju, que liderou a revolta e foi morto em combate, lançou aos colonizadores antes de morrer um grito que ecoaria perdido pelas matas e ruínas das Missões nos séculos seguintes: "Esta terra tem dono!"
São Miguel
Mais de 200 anos depois, um pequeno grupo de guaranis volta a São Miguel das Missões cidade fundada em torno dos remanescentes de São Miguel Arcanjo, distante 490 quilômetros da capital Porto Alegre para fazer uma aldeia. Em verdade, os guaranis são um povo tradicionalmente nômade. Vagam pelo mundo em busca da "terra sem mal", um lugar em que nada falta, sem doenças nem dor.
Simplificando, o processo é assim: primeiro o pajé, encarregado de descobrir o lugar, sonha com ele. O sonho depois é compartilhado com a aldeia, que, em conjunto, tenta visualizá-lo. Então começa a busca pelo lugar, na esperança de que seja finalmente a terra prometida.
Desde 1994, o acampamento guarani está na área do parque da Fonte Missioneira, uma bica de água que era usada pelos jesuítas para abastecimento, pertencente ao patrimônio nacional. "No início, houve certa resistência da esfera federal em deixar os índios ficarem em São Miguel", conta Luís Cláudio Silva, diretor da Tekohá, uma organização não-governamental (ONG) que vem cuidando da preservação dos remanescentes das Missões. Segundo ele, o governo temia que a memória histórica da cidade legitimasse um possível pleito dos guaranis pela retomada das terras locais.
Algumas casas de lona, cada uma abrigando mais de uma família, seguem em uma fila malfeita, pulam um córrego atravessando o local onde os jesuítas davam de beber aos bois e cavalos e chegam à plantação de milho que alimenta a aldeia. Ao lado das espigas dos brancos, cresce uma espécie diferente. "Essa é mais robusta, resistente às pragas, e é produzida há muito tempo pelos guaranis", conta Nicanor Benítez Karaí, que prontamente atende os visitantes por ser o melhor conhecedor da língua portuguesa uma espécie de relações-públicas de lá. Ele conseguiu as sementes com outra tribo em um dos encontros do conselho dos povos indígenas do Rio Grande do Sul, em que está sempre presente.
Muitos na aldeia falam espanhol, mas não português. Quase todos moravam na Argentina, próximo à redução jesuítica de San Ignacio Mini, considerada um dos mais belos remanescentes arquitetônicos das Missões. Mas, como a vida estava difícil por lá, cruzaram o rio Uruguai em busca do paraíso. "Nós, guaranis, não temos fronteira", explica Nicanor.
Próximo às casas, um campo de futebol com traves feitas de bambu. Pequeno, de terra batida, cercado por um punhado de mata missioneira, como é denominada a vegetação da região com árvores de porte alto, que o distinguem da Mata Atlântica do litoral.
Entre o campo e as casas, a escola guarani, que ficou apenas nas fundações de troncos de madeira. O objetivo era criar um lugar em que a língua e a cultura guarani fossem passadas às crianças e onde os adultos tivessem a oportunidade de aprender o português. Atualmente, as crianças podem freqüentar as escolas dos brancos, caso os pais desejem.
Apesar de séculos de ataques à sua cultura, os guaranis das Missões conservaram suas tradições e língua, crenças e, na medida do possível, até o estilo de vida. É claro, também tiveram de se adaptar, e foram adaptados. Em várias tendas, antenas de televisão colocadas no topo de altos bambus abastecem pequenos televisores movidos a bateria.
No final de semana anterior ao Natal, a aldeia inteira seguiu viagem para Porto Alegre em um ônibus cedido pela prefeitura de São Miguel. Tinham algo importante a resolver, um acordo firmado com os guaranis que vivem nos arredores da capital.
Na volta da excursão, os índios estavam um tanto abatidos. Afinal de contas, o time da aldeia havia sido goleado pelo da capital por 6 a 1, num campo lotado de torcedores guaranis que foram assistir ao amistoso.
Sobrevivência
Floriano Verá Sondaro, 36 anos, é cacique de uma aldeia de 53 pessoas, das quais 29 são crianças. Seu pai também era cacique, mas, quando atingiu certa idade e se sentiu preparado, tornou-se pajé a ponte da aldeia com o outro mundo até o dia da morte.
"Dizem que nós, guaranis, deixamos a cultura de lado. Mentira! Mas aqui é muito pequeno, não tem mato, não dá para caçar, não dá para pescar, não dá para fazer nada." De qualquer maneira, involuntariamente, sua cultura vai aos poucos se perdendo, à medida que os velhos morrem e os mais novos, sem a possibilidade de vislumbrar um futuro, descobrem novos interesses.
Esses guaranis, assim como seus antepassados, também fazem esculturas. Não mais dos santos católicos, mas inspirados na fauna da região e nas ruínas das Missões. Não as produzem apenas como pura manifestação artística, mas por questão de sobrevivência.
A agricultura de subsistência não é suficiente para abastecer a aldeia, devido à minúscula área de terras disponíveis. Isso, aliado ao fato de que São Miguel é um grande ponto turístico, faz com que o artesanato acabe despontando como uma solução para a falta de renda. Com o consentimento de proprietários da região, eles retiram árvores como o salso e a guajuvira (para confecção das esculturas) e bambu e raízes de guaimbé (para cestas e outros trabalhos de palha).
Sílvio Reis Karaí faz zarabatanas. Anselmo Ferreira Verá, tartarugas. Todas as famílias produzem em série e vendem o material próximo às ruínas. Nos meses de inverno, cada família consegue entre R$ 200 e R$ 300 com esse trabalho. "Depois temos de guardar para o verão", contam Anselmo, Sílvio e Nicanor. Isso porque, nos meses mais frios, visitam a cidade excursões de estudantes, normalmente mais gastadores que os turistas de fim de ano.
A bem da verdade, a venda de artesanato é responsável pelo sustento de muitas tribos ao longo do território brasileiro. Mas em São Miguel isso ganha outra conotação, devido à sombra dos Sete Povos das Missões.
Ilhas
Nos últimos tempos, soluções que se pretendem mais duradouras começaram a surgir. Há alguns meses, o governo do Rio Grande do Sul comprou três áreas no interior do estado para dar aos grupos guaranis antiga reivindicação de índios e ONGs. De acordo com Luís Cláudio Silva, que participou desse processo, a escolha dos locais se deu em acordo com os futuros moradores e seus pajés. A idéia é criar ilhas de espaço para os índios poderem transitar pelo território gaúcho.
Para o grupo de São Miguel foi adquirida uma área preservada de 236 hectares nos limites do rio Nhacapetum, dentro do município. O falecido proprietário e as terras já eram velhos conhecidos dos habitantes da aldeia, pois de lá era retirada parte da madeira para a produção de artesanato.
Gumercindo Vargas, coordenador da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) na região, informou que o objetivo é, até o fim do primeiro trimestre de 2001, que os guaranis deixem a aldeia/acampamento de lonas pretas e se instalem em definitivo na nova área. "Eles pediram para construir as moradias de duas maneiras: de alvenaria e também no seu estilo, com palha e madeira. Para isso, o governo já concedeu a utilização de madeira apreendida devido a extrações ilegais." Para Gumercindo, um dos cuidados mais importantes é tentar preservar sua cultura, trabalhando ao máximo com elementos próprios dela.
O programa também fornecerá verba para a compra de bois, cavalos, galinhas, além de preparar 10 hectares para a agricultura. Vão ser utilizados o milho, o feijão e a mandioca tradicionais dos guaranis, plantadas espécies de bambus para uso em artesanato e cipó e capim para cobrir as casas. A prefeitura entrará com as instalações de fornecimento de água e com mão-de-obra para ajudar a construir o conjunto. Gumercindo sugeriu a implantação de painéis solares, energia elétrica limpa e ecologicamente correta. "Mas a palavra final, assim como em todas as decisões sobre a área, será deles." A verba destinada ao projeto é considerada a fundo perdido.
No local do atual acampamento, será criado um parque arborizado e instalada uma casa de passagem para facilitar a venda de artesanato, uma vez que a reserva, apesar de ligada por estrada ao município, está distante do centro. A nova área fica perto de um assentamento de 28 famílias de trabalhadores rurais sem-terra. Discute-se agora se as crianças guaranis estudarão na mesma escola em que os filhos dos assentados ou terão a sua própria na aldeia sonho antigo, que permanece nas fundações de madeira do acampamento de lona.
Terra sem mal?
Apesar de os guaranis serem um povo nômade, a aldeia de São Miguel decidiu ficar na reserva, criando laços com a terra. O mesmo vínculo que seus pais, gerações atrás, tiveram de estabelecer por intermédio da ação dos jesuítas.
Atrás do sítio arqueológico de São Miguel Arcanjo, fica um lugar chamado ironicamente de Vila da Alegria. Casas pobres, de gente humilde, muitas delas feitas com dificuldades. Lá moram muitos descendentes dos guaranis da época das Missões que, com o tempo, se misturaram ao branco. Hoje, vivem na triste situação de não ser nem brancos e por isso destituídos das facilidades do colonizador (que se mantêm até hoje) nem índios ficando assim sem alguns direitos garantidos pelo Estado, como o não-pagamento de vários impostos e taxas. Chamados de guaranis invisíveis, estão numa espécie de limbo, relegados ao esquecimento, cobertos pelas largas sombras das ruínas da igreja.
"Os guaranis foram usados e depois expulsos. Conseguiram manter sua identidade cultural, mas ainda não possuem estrutura organizada para defender seus direitos", desabafa Luís Cláudio Silva.
Museu das Missões
O sítio arqueológico de São Miguel Arcanjo é de responsabilidade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Dentro dessa área podem ser vistas as ruínas da antiga catedral, construída entre 1735 e 1745 de acordo com projeto do arquiteto jesuíta João Batista Prímoli. Em estilo barroco, era toda branca e possuía rica ornamentação interna de quadros pintados a óleo e estátuas. Foi feita com tijolos de arenito, moldados para que as saliências de um se ajustassem perfeitamente às de outro, sem a utilização de cimento, cal ou argamassa para uni-los. Ruínas do cemitério, oficinas, escola, casas dos índios também estão espalhadas em torno da praça central do antigo povoado.
O Museu das Missões foi criado em 1940. Projetado por Lúcio Costa pai da planta urbanística de Brasília , tem inspiração nas antigas habitações dos índios da época. Possui um acervo com mais de cem peças de madeira policromada, sinos e esculturas de arenito. Várias de suas obras foram emprestadas à exposição comemorativa dos 500 anos do Brasil em São Paulo.
Todas as noites, há um espetáculo de luz e som em que a história das Missões é narrada por atores de teatro e televisão brasileiros.
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