Postado em 05/11/2014
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Tomie Othtake é considerada a “dama das artes plásticas brasileiras” pela carreira consagrada e construída ao longo dos últimos cinqüenta anos e também pelo estilo ímpar de enfrentar a obra e a vida, nas quais força e suavidade têm o mesmo significado. A fama conquistada, desde a década de 60, nunca modificou o desafio a que se propõe: o eterno reinventar. Muito gentilmente, Tomie nos recebeu em sua casa, onde, aos 90 anos de idade, trabalha intensamente em seu ateliê, e nos concedeu uma agradável e descontraída entrevista.
Revista - Conte-nos um pouco de sua história. Suas lembranças da infância e adolescência vividas em Kyoto.
Tomie – De minha infância lembro bem que, com cinco anos, fiquei doente. Tive pneumonia e, naquela época, era uma doença muito grave. Minha mãe ficou muito triste e preocupada e, para me agradar, me perguntou o que eu mais queria naquele momento. Eu respondi: comer sushi! Depois disto eu sarei e nunca mais fiquei doente.
Revista - Fale-nos sobre seus pais. Como eram? Como viviam? O que faziam?
Tomie - Minha mãe era muito boa e eu tenho saudades dela. Morávamos em Kyoto numa casa bem grande e meu pai era um empresário de madeira. Minha mãe era dona de casa. Éramos seis, cinco homens e eu, caçula, a única mulher. Meu pai morreu quando eu era pequena, no dia do casamento de meu irmão mais velho. Foi chocante e por isso ainda me lembro deste dia.
Revista - Como e quando descobriu seu talento para as artes plásticas?
Tomie - Sempre gostei de desenhar, desde pequena. Na escola, o que eu mais gostava era da aula de artes, rabiscava a todo instante. Havia a pintura japonesa tradicional, com tinta de terra, mas eu não gostava daquilo, da linha fina e dos detalhes. Mas, nunca pensei em ser pintora. Isso aconteceu quando eu já era uma mulher de 39 anos.
Revista - O acaso de ter ficado no Brasil, em razão da II Guerra, foi responsável pelo despertar de seu talento artístico? Como ocorreu o ingresso na vida artística?
Tomie - O Brasil me possibilitou ser a artista que sou hoje. Cheguei aqui, acabei me casando e quis por opção, só cuidar da casa e de meus filhos. E eu era uma boa dona de casa, tinha dois filhos, mas sempre gostei de fazer pinturas. Mas, isso em meu caminho é uma coisa pequena, o casamento é muito maior, mais importante. Depois, quando as crianças estavam maiores e me sobrava um pouco de tempo, pensei que então poderia começar a pintar com mais dedicação. Eu estava contente e pintava com alegria. Eu nunca pensava em estilo. Agora tem que ser assim, não é? Nunca pensei nessas coisas. O meu desejo era só pintar. Queria pintar o que vinha do coração e não apenas o que via.
Revista - Já pensou em voltar para o Japão e morar em Kyoto?
Tomie - Nunca. Eu amo São Paulo, gosto muito de São Paulo. Aqui tenho o meu trabalho, aqui tenho muitos amigos e amigas e principalmente minha família está toda aqui. Para passear eu vou para o Japão. Já fui várias vezes para me encontrar com meus irmãos e conversar. Mas, agora meus irmãos faleceram todos, por isso não quero nem pensar nessa viagem. Para mim já valeu o bastante.
Revista - Além das artes plásticas, quais são as outras formas de expressão artística que mais despertam seu interesse, que mais lhe emocionam? Por que?
Tomie - Gosto muito de dança, cinema e música. Acho que todas estas experiências como espectadora me sensibilizam e acabam inconscientemente influenciando a minha criação. Acredito na arte como forma de melhorar a vida das pessoas.
Revista - A senhora acha que o Brasil valoriza os seus artistas? Ou apenas os estrangeiros? Aliás, como a senhora se coloca? “Nacional” ou “estrangeira”?
Tomie - Eu adoro o Brasil e repito isto todos os dias. Sou naturalizada brasileira. Acho que o Brasil é um país generoso e sabe valorizar quem é bom no que faz. Nunca pensei nisto - brasileira ou estrangeira - não passa pela minha cabeça este tipo de coisa.
Revista - A senhora está com muitos projetos de trabalho?
Tomie - Muitos. Agora, até 11 de janeiro estava fazendo uma grande exposição. Estou, então, um pouco preocupada com que pode vir. De repente surge um outro trabalho e eu tenho que já começar a trabalhar nesse projeto. A gente não pode parar, quando para é pior, né?
Revista - A senhora planeja o seu trabalho ou ele “brota”, repentinamente?
Tomie - Na maioria dos casos as solicitações vem de fora. São convites para fazer esculturas, pinturas, é mais ou menos assim. Então, são encomendas para exposições, tudo vem por convite. E aí é preciso ver o local, principalmente quando é para fazer escultura, tem que adapta-la ao local. Tem que sentir o ambiente.
Revista - Qual sua opinião a respeito da atual situação social e política do Brasil? O que tem achado do governo Lula?
Tomie - Sou uma artista e da política só desejo que a cultura tenha cada vez mais espaço. Acredito na política que cria muitos milhões de empregos e na educação, como saída para os problemas sociais. Acho que o governo está também preocupado com isto, o que é muito bom.
Revista - Num mundo marcado por violências de todo tipo, políticas, econômicas, etc, a senhora é otimista quanto ao futuro da humanidade? Como enfrentar tantos problemas sociais? A arte pode ser uma alternativa, um caminho? De que modo?
Tomie - Sou otimista sempre. A arte, sem dúvida, faz bem para o dia-a-dia das pessoas e, por isso, cada vez mais, gosto de produzir obras públicas para que todos possam ter contato com o meu trabalho.
Revista - Quais são as finalidades e as estratégias de ação do Instituto Tomie Ohtake?
Tomie - O Instituto Tomie Ohtake foi construído pelo Grupo Aché e um de seus dirigentes freqüentava a minha casa quando era criança. Ele me viu pintando telas de minha primeira fase, no início dos anos 50. Agora, generosamente, deram ao Instituto o meu nome. Meu filho Ruy fez o projeto de arquitetura e meu filho Ricardo é quem comanda a política do centro cultural. Portanto, ele é quem sabe o que fazer. Eu não planejo nada, só vou obedecendo. O importante para mim é que nesse espaço com meu nome muitos artistas possam mostrar os seus trabalhos. Isto é o que me deixa bem contente.
Revista - São Paulo está comemorando 450 anos de existência. Qual sua relação com a cidade? Quais de suas obras espalhadas pela cidade são suas preferidas? Como a senhora se sente na cidade e o que acha dela?
Tomie - As coisas ruins não quero pensar, só coisas boas. São Paulo é a minha cidade e este é o meu país também. Estou morando aqui há quase 70 anos. Eu adoro São Paulo. Quando saio da cidade gosto de voltar logo. É difícil dizer quais são as minhas obras preferidas, gosto do conjunto de painéis na estação Consolação do Metrô, da escultura na Avenida 23 de Maio, enfim gosto de muitos trabalhos, pois, como já disse, me deixa feliz saber que o meu trabalho está perto dos paulistanos.
Revista - Em relação às suas obras expostas em outros países, quais lhe são mais significativas?
Tomie - A exposição retrospectiva no Museu Hara em Tokyo em 1988; as individuais em Londres, Nova York, Washington, Miami; em coletivas, a Bienal de Veneza, quando fui convidada para a Graffica d´Oggi; as salas especiais nas Bienais de Havana e Cuenca.
Revista - A senhora considera que há diferenças no tratamento que a sociedade dispensa aos idosos no Oriente e no Ocidente?
Tomie - Acho que tudo isto é uma questão de cultura e o Brasil está amadurecendo neste sentido. No entanto, a renovação muito rápida que se faz nos empregos, não só tira a oportunidade dos mais velhos permanecerem na ativa, como se desperdiça a experiência.
Revista - Como é que a senhora se sente aos 90 anos?
Tomie - A minha saúde é a mesma, o meu trabalho é o mesmo. Não tem outras coisas, diferenças não tem. É saúde e trabalho, que para mim é o suficiente.
Revista - O que a senhora acha da situação dos idosos e dos aposentados no Brasil?
Tomie - Acho que vai melhorar, se houver a possibilidade de trabalho para todos e atividade mesmo que seja lúdica.
Revista - A cidade de São Paulo está preparada para as limitações físicas dos idosos? O que deve ser feito?
Tomie - Sou uma idosa privilegiada, pois não tenho limitações. Sobre isto não seria justo julgar. Mas pelo que leio e ouço falar, a sociedade está empenhada em resolver estas questões. No entanto, não podemos esquecer que existe uma porcentagem muito grande da população com problemas de limitações físicas, como muitos idosos. A maioria desta população ainda não tem as mínimas condições de uma vida digna.
Revista - O fato de ter iniciado sua carreira aos 39 anos de idade, seria responsável por sua longevidade como pessoa e como artista?
Tomie - Acho que trabalhar e ter novas metas são o segredo. Trabalhar sistematicamente é muito bom. Eu nem penso nestas coisas de idade, pra mim isso não é importante. Eu sempre estou mudando. Não penso “Quero mudar”, mas estou sempre mudando.
Revista - A senhora sente diferenças na receptividade do seu trabalho por parte do público jovem e do público idoso?
Tomie – As pessoas jovens aplaudem, mas as pessoas idosas não gostam porque não entendem, é muito avançado para elas.
Revista - O que acha da morte? A senhora se preocupa com ela?
Tomie – Acho uma coisa natural. Eu não me preocupo com ela.
Quais são seus planos para o futuro?
Tomie – Trabalhar. Agora estou envolvida com duas telas de 2x3 metros para a exposição “Trama Espiritual da Arte Brasileira” no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, em fevereiro. Em 2005, o Paulo Herkenhoff está me propondo outra exposição. Vamos ver.