Postado em 30/10/2014
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RESENHA:
O autor reuniu neste livro três ensaios: "A Invenção Social da Velhice". "A Nova Questão Social - Velhice e Classes Médias" e "Velhice - A Produção Social das Imagens". Examinou os trabalhos que surgiram em São Paulo, no SESC, que foram e continuam sendo o principal referencial de uma nova prática de estímulo à sociabilidade, à comunicação, aptidão física e mental dos idosos. O processo biológico do envelhecimento é cercado de determinantes que lhe imprimem características decisivas, peculiares e .cada sociedade, a cada momento histórico da mesma sociedade, a cada classe, grupo étnico, de parentesco, etc. Donde se conclui que a velhice e o envelhecimento são socialmente construídos.
O conceito de idoso, segundo o autor, envolve múltiplas dimensões, entre as quais ressalta-se a biológica, a cronológica, social, demográfica, econômica, cultural, psicológica, ideológica e política. A Idade biológica, a idade das "artérias", frequentemente não coincide com a Idade cronológica, nem com as de mais construções sociais sobre a velhice, já que a medida cronológica é também socialmente construída. Todas são o produto dinâmico permanentemente transformado e transforma dor da idade.
A questão social da velhice é produzida pela expansão das classes trabalhadoras assalariadas e desprovidas, fazendo com que o idoso, antes circunscrito ao meio familiar e ao âmbito da assistência religiosa, seja transformado em questão pública a exigir a ação institucionalizada do Estado e da Sociedade Civil. A evolução biológica do ser humano, em seu processo vital, é decisivamente afetada pela classe social, pelo grupo profissional, pela cultura e demais determinantes, encurtando ou prorrogando a vida.
Deve-se considerar a idade social dos indivíduos, a qual não coincide com sua idade cronológica nem muito menos com sua idade biológica. Um trabalhador de 50 anos, no meio rural, pode ter biologicamente idade mais avançada devido ao desgaste produzido pela vida e o trabalho adverso, enquanto que um galã de cinema, com essa mesma idade, faz papel de jovem.
Em países desenvolvidos verifica-se que o prolongamento da vida e a queda da natalidade têm criado um ciclo de vida onde o período de formação se alonga, o período de atividade e produção se encurta, e o período de inatividade e
cessação da atividade cada vez aumenta mais com a expansão e multiplicação das aposentadorias, pré-aposentadorias e aposentadorias progressivas, criando a morte social antes da morte biológica, com o isolamento a que ficam relegadas as pessoas que se aposentam.
Cria-se o idoso rico, com qualidade de vida idêntica ou assemelhada à dos países desenvolvidos e o idoso pobre e hipodotado que sobrevive graças aos avanços e à difusão dos benefícios da medicina e da saúde, mas sem condições mate-
riais e sociais para assegurar-lhe qualidade de vida. Cronologicamente, o prolongamento da vida se expande nas camadas mais elevadas e nas regiões mais desenvolvidas do país, coexistindo com a massa de indivíduos de curta existência das regiões e camadas mais pobres do país. Para efeito de levantamento demográfico, a população idosa no Brasil é computada a partir de 60 anos; alcançando 6,5% em 1980, com projeções de 6,8% para 1990 e 7,6% para o ano 2000.
Somando-se as duas tendências, prolongamento de vida, queda da natalidade e fecundidade, certamente caminha-se para a situação já prevista pela ONU, de ser nos próximos 40 anos o país mais envelhecido do continente latinoamericano. A atividade econômica tem produzido no país o fenômeno da velhice excluída e do pseudo-idoso. A velhice excluída é aquela que sobrevive nos meios rurais, suburbanos e urbanos após o êxodo, as migrações e. de modo geral, após a exaustão de sua capacidade produtiva.
A figura do indivíduo ainda Jovem: mas marginalizado da produção é o pseudo-idoso. Ele não se confunde com idoso precoce.
A velhice precoce, a velhice excluída e o pseudo-idoso são a face anônima e a consequência cruel do envelhecimento vivido nas atuais condições ou produção e organização econômicas.
Não se pode negligenciar o isolamento e a marginalidade do idoso que as transformações sociais estão produzindo em outros setores e níveis da sociedade brasileira.
O trabalhador rural, assalariado forma um contingente anônimo onde a velhice hipodotada, biologicamente acelerada pelas condições precárias da vida e do trabalho, é certamente dominante. Grande parte vive da mendicância, da assistência religiosa e familiar e frequentemente sob a proteção dos mais humildes asilos a que conseguem chegar.
No meio urbano, de baixa renda, junta-se um setor informal, marginal à economia de mercado, trabalho eventual, subemprego e desemprego permanente. Embora as Caixas
e Institutos de Previdência tenham sido resultado de lutas operárias em defesa da velhice trabalhadora, mesmo depois da unificação, através do INPS, Não se encontram estudos sobre velhice e envelhecimento, exceto sob o ângulo da aposentadoria. Não há a preocupação com o modo de vida após o trabalho e com as condições preventivas do envelhecimento precoce ou da velhice desassistida.
Os depoimentos de médicos, assistentes sociais e outros profissionais não deixam dúvidas quanto à destinação dos velhos operários aos hospitais, abrigos, asilos e albergues. No contexto atual, a questão do idoso e da velhice tem sido tratada como questão de classe média, embora não seja nesta camada social que estão os problemas mais graves, como acontece na região nordestina, rural, nas camadas urbanas de baixa renda e grupos marginalizados.
Na cultura tradicional, a função social da velhice tem sido essencialmente a de lembrar e dar expressão às suas lembranças, associadas à figura patriarcal ou matriarcal. Já na sociedade contemporânea, industrial e pós-industrial, a velhice é numerosa e sua experiência devida não conta decisivamente para o equilíbrio e a organização social.
É importante analisar as condições diferenciais que envolvem a mulher e o homem em relação aos idosos, pois ainda recai muito mais sobre as mulheres do que sobre os homens, a responsabilidade pela proteção dos ancestrais, além dos filhos, ao lado do trabalho fora de casa, dos cuidados com o marido.
A situação do homem e da mulher são diferentes no campo e na cidade, correspondendo a maior longevidade da mulher no meio urbano. No meio rural, onde a mulher associa à jornada de trabalho doméstico o trabalho fora de casa, em condições adversas, ela vive menos do que o homem.
Considerando que os idosos e sua assistência fora da assistência pública institucional permanecem ainda no campo da assistência doméstica, é previsível que a mulher venha a ter cada vez menos condições de ampará-lo. A coesão familiar poderá eventualmente ser reforçada através da ajuda material e da assistência social.
O mito da aposentadoria como tempo de lazer e usufruto de bens e serviços que a natureza e a sociedade oferecem serve como estímulo para que se trabalhe e lute durante 30 ou 35 anos. Todavia, em grande parte e de forma crescente, o aposentado é um indivíduo isolado, com baixa sociabilidade e poder de consumo. Na maioria dos casos, as aposentadorias não permitem a satisfação das necessidades primárias dos indivíduos. A perda do poder aquisitivo é grande e a ela se soma a perda de estruturas da sociabilidade.
A velhice como um todo é afetada pelo produtivismo e consumismo que desvaloriza o antigo, o tradicional, a memória e a lembrança. O mundo contemporâneo não cria oportunidades para que o diálogo com as gerações antigas seja efetivo e frequente.
Onde não há comunicação produz-se não só o isolamento, mas, sobretudo, a atrofia vital. Esta triste circunstância contribui para a perda de autonomia e para a marginalidade do idoso.
O que fazer neste tempo de vida? As respostas são difíceis e certamente dependerão do estado de saúde de cada um à época da aposentadoria, sua experiência pessoal, renda, recursos culturais, que darão condições materiais e possibilidade de imaginar novas formas de vida e participação em sociedade.
A luta crescente pela valorização das aposentadorias e da assistência social aos trabalhadores aposentados já pode ser vista hoje nos movimentos de associações de aposentados que se expandem rapidamente pelo Brasil a partir de São Paulo, Rio, Minas e Distrito Federal. A importância crescente do envelhecimento no país já vem tendo repercussões nos movimentos sociais, na vida político-sindical e nas relações dinâmicas entre Sociedade Civil e Estado.
Partidos políticos, líderes sindicais e civis têm incorporado em suas plataformas e programas a questão da velhice, Direitos Sociais, Vida após o Trabalho e Política de Empregos. A luta pelos Direitos Sociais estimula a criação de novas responsabilidades públicas na esfera do Estado. A política assistencial e tradicional, calcada nos asilos, está cedendo espaços à uma política integrativa baseada no direito a uma aposentadoria compensadora e aos benefícios e cuidados sociais que possam assistir ao idoso no período de vida após o trabalho. As novas classes médias assalariadas já estão diante do problema de viver uma vida após o trabalho, com duração equivalente ao período de aquisição da aposentadoria sem, todavia, disporem de aposentadorias com valor aquisitivo compatível com as exigências atuais de consumo.
Através de organismos políticos, sindicais, profissionais e associações civis, é possível constituir vetores de força e persuasão do Estado democrático, a fim de ampliá-lo e aprofundá-lo na defesa e ação progressiva em favor da velhice e da política de envelhecimento. A economia favorece a poucos, criando a imagem do pseudo-idoso, ao lado da velhice excluída, abandonados e marginalizados, gerando mão-de-obra barata. Além dos 9,5 milhões de idosos, há o idoso precoce, inserido no conjunto da população carente do país.
O isolamento, a marginalização, a perda de papéis familiares e de trabalho, perdas de poder aquisitivo não compensados pela aposentadoria favorecem, por influência particularmente francesa. na década de 70, a criação de Clubes, Grupos e Escolas da Terceira Idade. Há uma mobilização a fim de sensibilizar o Estado, face aos problemas da velhice.
Os meios de comunicação social, rádio, jornal e televisão apontam novo modelo e repudiam os velhos modelos de asilamento e segregação. Contudo, há uma certa ambiguidade, quando apresentam em suas novelas, shows humorísticos, a imagem estereotipada do velho. O Estado-Previdência no Brasil ensaia atualizar-se no contexto da velhice e do envelhecimento, impulsionado pela mobilização da Sociedade Civil.
Os países europeus, ao lado dos EUA, gastam anualmente cerca de 50% de seu dispêndio social com benefícios e serviços que procuram atenuar o problema da velhice.
Há condições de criar em nosso país uma sociedade para todas as idades e grupos, através de ações, benefícios e serviços, equitativamente assumidos pelo Estado e pela Sociedade Civil, na formulação de uma Política de Envelhecimento.
Na perspectiva da Sociedade Global, a questão da velhice e do envelhecimento, em nosso país, está estreitamente vinculada à transformação do nosso modelo de produção econômica. A velhice excluída e abandonada, o envelhecimento precoce e o pseudo-idoso são aspectos do modelo econômico excludente que foi praticado no país nas últimas décadas e sua solução corresponde à intensidade das medidas que forem tomadas para que a produção econômica cresça para o bem-estar social geral.
Uma política de envelhecimento emerge da sociedade civil e de suas classes sociais, antes de chegar ao Estado e ganhar forma normativa e operacional. O Estado não deve ser o coordenador exclusivo desta política, mas deve encontrar nas instituições e organizações da sociedade os parceiros naturais para compartilhar a execução de uma política coordenada.
Ao pensar em Política de Envelhecimento, é preciso considerar que as necessidades dos idosos evoluem com o avanço da idade. Assim, necessidades de um idoso de 60 anos podem não coincidir com os de 70 e 80 anos. É preciso pensar que as condições em que o indivíduo chega a ser velho resultam de uma longa existência onde Saúde, Educação, Trabalho, Lazer, Alimentação, etc.
Entram no somatório dos ganhos e perdas de cada um, a partir de seu nascimento. Pensar numa Política de Envelhecimento, é pensar nos mais jovens que serão beneficiários ou vítimas do que fizermos hoje.
Atualmente, a questão social do idoso surge como questão basicamente da classe média. Dela partem propostas de soluções que aos poucos atingem as demais classes trabalhadoras ou até mesmo as elites dirigentes. A gerontologia está lidando nitidamente com questões que atingem as chamadas classes intermediárias.
O autor se associa a Alberto Morelli (Anais Brasileiros de Geriatria e Gerontologia, São Paulo, ago/nov 1981) e Marcelo Antonio Salgado (velhice, uma Nova Questão Social, São Paulo, SESC, 1980) quando diz que o stress provocado pela aposentadoria, as perdas, afetam o idoso inexoravelmente e com a saída dos filhos de casa, reduz-se o grupo familiar, fazendo com que os casais se redescubram em suas personalidades, confrontando-se consigo mesmos até nas necessidades mais simples.
A perda dos papéis familiares associadas à vida doméstica e ao mercado estimula o afastamento das gerações, o conflito, a incompreensão e o desentendimento, sobretudo a indiferença, quando não o desprezo ou tolerância forçada. É a situação que atinge os idosos de ambos os sexos. Há duas maneiras fundamentais de tratar o idoso - uma que apela para o conceito tradicional e paternalista, outra que considera o idoso como um adulto que deve ser tratado sob o aspecto social e psicossocial.
Através das Escolas Abertas para a Terceira Idade e outras iniciativas que a elas se associam, o trabalho do SESC de São Paulo é considerado como o movimento mais renovador no campo da Terceira Idade.
Como ficam os mais idosos na Sociedade Contemporânea? A função social da memória e portadora da tradição desaparece ou se toma insignificante na sociedade moderna - a velhice passa a ser encarada como estágio marginal e não normal de vida.
A mobilização em grupos de idosos saudáveis sob diferentes formas lúdicas (excursões, danças, teatro, reuniões, etc.) tem atenuado o problema. As imagens de desengajamento da família. do trabalho, das atividades lúdicas, associativas, etc, são imagens de solidão, perspectivas sombrias da velhice.
Do lado infantil, tem-se o abandono de crianças e o internamento em instituições de amparo, cujas consequências desastrosas são conhecidas. De outro, milhares de idosos abandonados em asilos, albergues, hospitais, etc.
É inevitável que surjam novos métodos econômicos, ciais e culturais de viver bem e envelhecer. Já não é possível imaginar uma ação não institucional da velhice. Velhice e envelhecimento não são decadência, nem declínio social. A criatividade se transforma e as capacidades biológicas se reduzem. Mas se esta sociedade valoriza e utiliza apenas as que lhe convém, é melhor reinventá-la.
MAGALHÃES, Dirceu Nogueira. A invenção da velhice. Edição do autor, 1987. 98pág.