Postado em 08/10/2014
Existe um consenso sobre a definição de cultura popular?
Cultura popular é um tema bastante complexo, com vários desdobramentos. Começo sempre pelo princípio da desconstrução do próprio nome. A palavra cultura como sinônimo de conhecimento, ou de um arsenal que um grupo carrega, tem somente 300 anos. Antes disso, a palavra era ligada ao cultivo da terra ou ao culto aos deuses. Foi a sociedade ocidental que inventou essa ideia de cultura que usamos hoje. Pelo entendimento atual, cada grupo seria responsável por criar um tipo de cultura. Chamou-se de cultura erudita o que estava ligado à elite. Fazia sentido que valorizassem o que já era do universo dela. Mas é claro que é um critério subjetivo e excludente. Historicamente, o conceito de cultura tem dois olhares: o dos iluministas e o dos românticos. Para os iluministas, as pessoas precisam ser lapidadas e educadas. Nessa concepção, a cultura popular é o espaço da falta: a falta de erudição, de educação, de conhecimento. Já para os românticos, a cultura popular é a essência do povo, onde está a autenticidade; é o rústico, porém autêntico. É dessa segunda interpretação que nasce parte da Antropologia, por exemplo. Mas, para os românticos, não poderia haver a mistura da cultura popular, porque daí ela deixaria de ser pura, estaria impregnada de outras referências, já não seria mais autêntica.
De que forma a mídia entende e incorpora esses conceitos?
No século 20, esse esquema se complica, com a chegada da comunicação de massa e desse princípio de uma obra original que se replica em muitas cópias. E daí você vai trabalhar com a cultura atravessada pela massificação. Essa cultura de massa vai ter um papel de inserção desse sujeito que está deixando a vida no campo e migrando para as cidades. Hoje, por consequência desse processo, têm surgido novos conceitos sobre cultura. Um deles é não pensar mais na cultura em níveis. Eu questiono: a quem interessa separar a cultura em erudita, popular e de massa?
Pensando nesse conceito de cultura iluminista, do qual você mencionou, não seria um contrassenso a elite criar elementos de distinção e, ao mesmo tempo, adotar essa postura de levar o conhecimento às pessoas?
O contrassenso é a constituição da própria burguesia. Essa ideia de um individualismo qualificado, de igualdade e singularidade. Nesse sentido, a distinção da elite não será mais pelos direitos, mas pelo gosto. Veja, a gente quer ser igual e ser diferente ao mesmo tempo. É convocado a ser massa, mas a ter um gosto único. O ethos burguês nos esquizofrenizou. E os espaços que poderiam ser usados como discussão não se apropriam disso. A escola, por exemplo, não usa os formatos da cultura popular, da cultura de massa. Acho que precisamos nos apropriar desses formatos da cultura popular, até para entender porque aquilo fala tanto conosco.
Faltaria, então, uma abordagem menos superficial sobre o assunto?
O que falta é sair do dualismo. É preciso complexificar. Sou da opinião de que é possível ensinar qualquer tema, por mais difícil que seja, usando um formato que dialogue com o público. Temos de encantar esse público acostumado ao formato da comunicação de massa para que, a partir daí, tenha contato com outros formatos. Um programa de arte na televisão é ótimo, mas requer uma formação cognitiva, você tem que ter uma experiência estética que possibilite essa fruição. Para isso, é preciso habituar o espectador para essa nova proposta. Senão, você cria uma programação incrível, mas tem traço de audiência, porque o espectador não vai assistir. O importante é conjugar vários formatos, sem discriminar aqueles considerados historicamente como populares e, portanto, descartáveis. São extremamente ricos e falam com as pessoas.
Na sua opinião, de que forma a TV lida com esses conceitos, especialmente nesse momento de mudança da fruição do audiovisual, com a possibilidade do video on demand?
Acredito, sim, que o modo de assistir à TV vai mudar, mas não para essa geração. Talvez em 30 anos. A TV consolidou hábitos e ainda pauta nossa agenda. Claro que a televisão não é estática, ela consolida determinados formatos que são mais afetivos para a gente. Mas ela própria vai mudando também. Quando comecei a dar aulas, percebi que a cada 17 ou 18 minutos de exposição, os alunos perdiam a concentração. Passei a incorporar isso ao próprio ritmo das minhas aulas. Então, sempre faço um intervalo após esse tempo de explicação. Hoje, já percebo que essa geração atual não tem mais esse comportamento, mas carrega muito a ideia das múltiplas referências, do hiperlink da internet. Fico pensando quão desafiador será para os professores lecionar para essas crianças que hoje estão com cinco anos de idade. Caberá a esses educadores encontrar outros caminhos, sem deixar de dialogar com essas referências culturais que seu público traz.